segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Com prefeito cabelereiro, cidadezinha do Kentucky cria lei contra discriminação de gays‏


Dan BarryDe Vicco, no Kentucky        
  • Johnny Cummings divide as tarefas de cabelereiro e de prefeito da cidadezinha de Vicco, no Kentucky (EUA)Johnny Cummings divide as tarefas de cabelereiro e de prefeito da cidadezinha de Vicco, no Kentucky (EUA)
Em um ex-salão de bilhar que agora é um prédio público em uma minúscula cidade no leste de Kentucky chamada Vicco, de 335 habitantes, a reunião de janeiro da Comissão Municipal entrou em sessão. Os comissários e convidados sentaram-se nas cadeiras de jardim, compradas com desconto e arranjadas em torno de uma longa mesa de conferência. Aqueles que fumavam o fizeram.
A comissão aprovou as minutas de sua reunião de dezembro, contratou uma construtora local para reparar a usina de tratamento de esgoto e ajustou os termos do toque de recolher local. Ah, e também votou pela proibição da discriminação contra qualquer pessoa com base em gênero ou orientação sexual –tornando Vicco o menor município em Kentucky, e possivelmente dos Estados Unidos, a aprovar uma portaria dessas.
Depois disso, a comissão aprovou duas faturas. Então, segundo as anotações do escrivão, "Jimmy fez uma moção por suspensão dos trabalhos e Claude apoiou a moção. Todos votaram sim".
Admita: a votação antidiscriminação da comissão parece contrariar as suposições por reflexo sobre um ponto no mapa nos campos de carvão dos Apalaches, situado entre Sassafras e Happy. Pois Vicco abraça sua ruidosa reputação de garoto interiorano –lar de dezenas de assassinatos não solucionados, dizem as pessoas daqui. Além disso, fica no Condado de Perry, onde quatro entre cinco eleitores rejeitaram o presidente Barack Obama na eleição de novembro.
Mas a votação por 3 a 1 da comissão de Vicco neste mês não apenas antecipou o tema central do segundo discurso de posse do presidente ("Nossa jornada não estará completa até que nossos irmãos e irmãs gays sejam tratados como todos os demais segundo a lei..."), como também apresentou um modelo legislativo para o Capitólio do país, paralisado pelo partidarismo, a 740 quilômetros de distância.
Você discute, você encontra um consenso, você vota e então segue em frente, explicou o prefeito, Johnny Cummings. "É preciso aprender a conviver."
Cummings, 50, tem um salão de beleza a três portas da prefeitura. Ele passa seus dias dividindo sua atenção entre as duas ocupações, frequentemente usando um avental preto adornado com grampos de cabelo. Em um momento este magro fumante inveterado está aplicando tintura no cabelo de uma cliente, no outro está cuidando de buracos nas ruas e da rede de água.
Agora, de volta às suposições.
Durante grande parte do século passado, Vicco foi a Vegas dos mineiros de carvão locais, com suas ruas estreitas margeadas com bares e atrações que viviam do dinheiro ganho arduamente no subterrâneo frio e úmido. O próprio nome da cidade deriva das iniciais da Virginia Iron Coal and Coke Company.
Mas com o fechamento das minas de carvão, Vicco foi esvaziada. Desapareceram as concessionárias de carros, as escolas, a loja de departamentos, o mercado A&P, e até mesmo o cinema Pastime, cujo filme de despedida teria sido "Mulher Nota 10", com Bo Derek. Em 1979.
No vácuo de Vicco veio o abandono, o abuso de drogas e déficits orçamentários tão sérios que a cidade não podia nem pagar um policial. Também ocorreu a corrupção pública de praxe. Há poucos anos, um prefeito e seu filho, um vereador, foram acusados de uso pessoal de milhares de dólares de dinheiro da prefeitura. Ambos deram entrada a apelações Alford, na quais eles não admitiam culpa, mas reconheciam que o caso contra eles era muito bom.
O prefeito seguinte renunciou no ano passado por motivos de saúde e foi substituído por um dos vereadores, o cabeleireiro descendo a rua, Cummings.
Cummings é um sobrenome tradicional de Vicco. A mãe de Johnny Cummings, Betty, foi uma professora; ela agora sofre de demência e passa grande parte do tempo no salão do filho, dizendo que o ama. O pai dele, John, teve vários negócios, incluindo um bar; ele morreu devido a uma pancada na nuca em 1990. Um dos assassinatos não solucionados de Vicco.
Cummings é gay, uma identidade que ele nunca escondeu, e um encontro rude ocasional enquanto ele crescia não era nada que ele e seus amigos protetores não eram capazes de lidar. Depois do colégio, ele ganhou uma bolsa de estudos de uma escola de beleza na Califórnia, mas voltou dois meses depois. Fora uma breve estadia na Carolina do Sul, ele se estabeleceu aqui em Vicco, onde, no último quarto de século, ele é coproprietário de um salão chamado Scissors.
"Eu faço 20 viagens por dia" entre o Scissors e a prefeitura, ele disse recentemente. "No momento, estou tingindo o cabelo de uma senhora."
Como prefeito, Cummings herdou uma prefeitura com um número mínimo de funcionários e que não podia nem mesmo arcar com a despesa de manter todas as luzes dos escritórios acesas. Além disso, a rede de água da cidade, que gera receita para a cidade por meio do fornecimento de água para os consumidores da área, estava vazando mais de 40% da água, ou da receita.
"Como isso pode ser consertado?" Cummings lembra de ter pensado. "Eu sou apenas um cabeleireiro."
Ele começou fazendo as pazes com agências do governo que há muito tinham descartado Vicco, contratando de novo um gênio da manutenção que conhecia os encanamentos da cidade melhor do que qualquer um e obtendo subsídios para pagar pelo trabalho. Agora, ele diz, os canos reparados estão gerando receita suficiente para a contratação de mais funcionários e para dar alguma cor para o monótono preto e branco de Vicco.
Por exemplo, ele pagou US$ 600 por um banco de metal azul ousado que agora fica diante da prefeitura, estampado com o nome da cidade. Ele também contratou o primeiro policial da cidade em anos: Tony Vaughn, um ex-detetive e um dos protetores de Cummings no colégio.
"Nós temos cinco vendedores de drogas aqui e todo mundo sabe", disse Vaughn. "Eu vou pedir gentilmente para que parem ou vou colocá-los na cadeia."
Este local em progresso chamado Vicco foi uma das poucas municipalidades a receber um pedido no ano passado da Fairness Coalition, um grupo de defesa com sede em Kentucky para pessoas gays, lésbicas, bissexuais ou transgêneros. Cummings por acaso tem uma irmã, Lee Etta, que é ativa na coalizão.
O pedido da coalizão: considerar a adoção de uma portaria antidiscriminação.
O advogado da cidade, Eric Ashley, enxugou a proposta de portaria de 28 páginas da coalizão para duas páginas. Então o prefeito e os quatro vereadores, todos homens heterossexuais, se reuniram em dezembro para a primeira leitura e uma discussão que terminou com 4 votos a 0 a favor da adoção.
A agenda da comissão para sua reunião de janeiro, há duas semanas, incluiu a segunda leitura e a votação formal da proposta antidiscriminação. Dessa vez, representantes da Fairness Coalition estava presentes na sala cheia de fumaça.
Os vereadores apresentaram suas perguntas e dúvidas, que Ashley fez o melhor para responder e tranquilizar. Mas um vereador, Tim Eagle, que conhece Johnny Cummings desde pequeno, disse que precisava mudar seu voto.
"Tim declarou que, devido à sua religião, ele tinha que votar não à portaria acima mencionada", diziam as notas do escrivão a respeito da reunião.
"Há coisas com as quais não concordaremos e não tenho nenhum problema com isso", disse Engle, segundo o jornal local, "The Hazard Herald". "É para isso que existem debates (...) é para isso que existe esse grupo. Eu quero que façam o que considerem certo e o que acreditem que precisam fazer."
Como o prefeito só vota para desempatar, Cummings em grande parte só ouviu a discussão. Sim, foi um pouco chocante ouvir um velho amigo mudar seu voto baseado em religião. Mas também foi gratificante, até mesmo cristalizador, ouvir outro vereador dizer simplesmente: todo mundo deve ser tratado de modo justo.
Claude Branson Jr., 56, um mineiro de carvão aposentado que é vereador –e o único, ele diz orgulhosamente, com um corte de cabelo "mullet"– disse recentemente que a presença de Cummings não pesou em seu voto tanto quanto "todo o ponto de vista mais amplo do mundo".
"Nós queremos que todo mundo seja tratado de forma justa", ele explicou.
Em Vicco, pelo menos, as autoridades simplesmente presumiram que essa crença é autoevidente e portanto não é grande coisa. Além disso, esta cidadezinha durona tem outros assuntos em sua mente coletiva.
Por exemplo, o supervisor de manutenção está tratando dos problemas na usina de tratamento de esgoto. O novo chefe de polícia deseja reabrir alguns dos casos de homicídio não solucionados. E o prefeito está planejando transformar um terreno vazio em um parque, aberto para todos.
Tradutor: George El Khouri Andolfato 

Nenhum comentário:

Postar um comentário