quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Interesse estrangeiro e boa safra levam editoras a ampliarem catálogo de ficcionistas nacionais

folha de são paulo

Pra frente Brasil
RAQUEL COZERCOLUNISTA DA FOLHAPoucos escritores não gostariam de passar pelo dilema que atormentou Andrea del Fuego, 37, no fim do ano passado: avaliar ofertas de mais de cinco editoras para decidir qual publicaria seu novo romance. Quem levou foi a Companhia das Letras, que planeja o título para abril.
Dias atrás, foi a vez de Edney Silvestre, 62. Com dois livros pela Record, recebeu propostas de mais duas casas para sua nova ficção. O valor de adiantamento de direitos autorais chegou a seis dígitos, fenômeno raro para um romance nacional. Escolheu a Intrínseca, que planeja "Vidas Provisórias" para agosto.
Os casos acima ainda são exceções. Ao contrário do que já ocorria com a não ficção nacional, títulos isolados de ficção não costumam gerar disputas -especialmente quando os autores são relativamente novos na área, como Del Fuego e Silvestre.
Mas os exemplos são simbólicos do momento que a literatura nacional vive hoje, com a ampliação do interesse das editoras pelo que se produz atualmente no país.
O novo romance de Silvestre junta-se ao de Letícia Wierzchowski na estreia da Intrínseca na ficção nacional -o da gaúcha, ainda sem título, está previsto para junho.
A Companhia das Letras deve dobrar seu número de romances nacionais neste ano. Será mais de um por mês, podendo alcançar o total de 16, se Chico Buarque e Milton Hatoum entregarem os seus.
A Record, casa das que mais investem em nacionais, costuma chegar a 20 ao ano.
Com as contratações das editoras Heloisa Jahn e Marta Garcia, que na Companhia das Letras trabalharam grandes obras nacionais, a Cosac Naify planeja aumentar a frequência de sua ficção brasileira, que nunca foi regular.
"Vamos nos organizar assim que a Marta começar a trabalhar com a gente, no dia 18. Queremos reservar espaço para seis ficções de autores nacionais contemporâneos por ano", diz a diretora editorial Florencia Ferrari.
A Globo, que tem no catálogo só infantojuvenis entre os ficcionistas nacionais em atividade, vem sondando nomes. Já fez alguns convites.
REFLEXO
Considerando que a ficção feita hoje no país não costuma vender mais que poucos milhares de cópias, impressiona o interesse de um mercado que se acostumou a comercializar centenas de milhares de seus best-sellers.
Para editores, o olhar internacional fez casas nacionais perceberem a importância de oferecer um catálogo de autores locais. O interesse estrangeiro foi estimulado pelo anúncio do Brasil como convidado de honra em 2013 da Feira de Frankfurt, maior evento editorial do mundo.
"Somos um raro caso de país que não consome a literatura local. O bom editor sabe que isso é anomalia e aposta na mudança", diz a agente literária Luciana Villas-Boas, que atende 40 autores, incluindo Edney Silvestre.
Luciana, que por 15 anos foi diretora editorial da Record, é também personagem desse cenário. Em 2012, ao abrir sua agência, chamou atenção ao declarar foco na produção nacional, enquanto o mercado ansiava por aquisições estrangeiras.
Acabou se antecipando a outras agências, como a de Marianna Teixeira Soares, ex-Rocco e Ediouro, hoje com 20 autores. As agências se tornaram mais um filtro para seleção de nomes por editoras.
"Sempre buscamos nacionais por uma questão de prestígio", diz Otávio Marques da Costa, publisher da Companhia das Letras, "mas é inegável que há uma boa safra".
A editora agora busca ampliar as vendas. "Barba Ensopada de Sangue", de Daniel Galera, saiu há dois meses com 8.000 cópias, mais do dobro da tiragem média de romances nacionais, que costumam demorar anos a esgotar. Já vendeu mais de 11 mil.
Embora a ficção adulta de autores em atividade não seja o centro das compras de livros por governos estaduais e federal, que tendem a preferir clássicos e infantojuvenis, ela tem surgido nas listas.
O maior programa do gênero, o Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), investiu R$ 75 milhões, entre aquisição e distribuição, na edição de 2013. "Pó de Parede" (Não Editora), de Carol Bensimon, foi um dos contemplados, com 29 mil cópias.
Os governos selecionam títulos por meio de comissões de especialistas e costumam comprá-los com descontos de até 90%. Para as editoras, vale pela quantidade, bem superior à que os títulos alcançam em vendas nas livrarias.

    Bolsas renderam 35 lançamentos em dois anos
    DA COLUNISTA DA FOLHAUma recente aprovação de 47 bolsas para tradução de obras brasileiras no exterior, a ser divulgada no "Diário Oficial da União", fez o programa de apoio à expansão da literatura da Fundação Biblioteca Nacional chegar a 400 bolsas concedidas desde 1991.
    Na época, três anos antes da primeira homenagem ao Brasil na Feira de Frankfurt (1994), a FBN começou a oferecer quantias em dinheiro a editoras estrangeiras interessadas em publicar nossos autores.
    As bolsas hoje podem chegar a US$ 8.000 e incluem apoio para edição em países lusófonos.
    O efeito Frankfurt foi forte. Das 400 bolsas, 290 foram pedidas e aprovadas a partir de 2010, quando o Brasil foi anunciado como convidado de honra deste ano. A média passou de seis a 72,5 bolsas por ano.
    Não significa que outros países estejam tomados por obras brasileiras como nós temos sido por romances policiais nórdicos.
    Primeiro, porque traduções demoram. As 224 bolsas concedidas pela atual gestão da FBN, desde meados de 2011, renderam, por ora, 35 títulos lançados -o número deve se multiplicar até outubro, mês da feira.
    Além disso, são editoras pequenas, de alcance restrito, que costumam pedir apoio. É raro um caso como o de Marcelo Ferroni, que teve "Método Prático da Guerrilha" lançado por uma casa poderosa como a Suhrkamp (Alemanha).
    E os lançamentos, de nomes como João Paulo Cuenca, João Almino e Clarice Lispector, se pulverizam por países. A maior concentração é na Romênia, com seis livros lançados, sendo cinco pela mesma editora. Depois vem a Alemanha, com cinco obras.

      ROMANCES QUE VEM POR AÍ
      Alguns títulos previstos por grandes editoras para 2013
      ALFAGUARA
      "Hanói", Adriana Lisboa
      "Divórcio", Ricardo Lísias
      "Esquilos de Pavlov", Laura Erber
      "A Travessia de Suez", Reinaldo Moraes
      "Noites de Alface", Vanessa Barbara
      "Papis et Circenses", José Roberto Torero
      COMPANHIA DAS LETRAS
      "Machu Picchu", Tony Bellotto
      "A Tristeza Extraordinária do Leopardo-das-Neves", Joca Reiners Terron
      "Terceiro Tempo", Marcelo Backes
      "Digam a Satã que o Recado Foi Entendido", Daniel Pellizzari
      "Ithaca Road", Paulo Scott
      "Edifício Midori Filho", Andrea del Fuego
      "República das Abelhas - a Família Política de Carlos Lacerda", Rodrigo Lacerda Carlos de Brito e Melo, Simone Campos, Juliana Frank, Sérgio Rodrigues, Carlos de Brito e Melo, Luiz Ruffato, Bernardo Carvalho, Chico Buarque e Milton Hatoum
      COSAC NAIFY
      "Pessoas que Passam pelos Sonhos", Cadão Volpato
      João Anzanello Carrascoza
      INTRÍNSECA
      "Vidas Provisórias", Edney Silvestre
      Letícia Wierzchowski
      RECORD
      "O Brasil", Mino Carta
      "Fernando Pessoa, o Cavaleiro de Nada", Elisa Lucinda
      "Tangolomango: Ritual das Paixões deste Mundo", Raimundo Carrero
      "Vila Vermelho", Jeter Neves
      "Só o Pó", Marcelino Freire
      "Carta ao Filho", Betty Millan
      "Cardano", Raul Emerich
      ROCCO
      "As Pequenas Mortes", Wesley Peres
      "Os Olhos de Touro São", Ieda Magri
      "Terra de Casas Vazias", André de Leones
      "Flores sem Folhas", Natália Nami
      "Aldeia do Silêncio", Frei Betto
      "A Querida Saiu", Luciana Pessanha
      "Enquanto Ela Contava Histórias", José El-Jaick
      "As Mil Mortes de César", Max Mallmann

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