domingo, 3 de fevereiro de 2013

Pé na porta

FOLHA DE SÃO PAULO

Fenômeno do humor na internet, grupo Porta dos Fundos tem mais de 89 milhões de visualizações no YouTube e planos de se lançar no cinema
MARCO AURÉLIO CANÔNICODO RIO"A gente achou que ia dar certo, mas não em tão pouco tempo." A frase do ator Fábio Porchat, 29, é repetida quase literalmente por seus quatro sócios na produtora de humor Porta dos Fundos.
Lançado há seis meses, o canal da empresa carioca no YouTube tinha, até a noite da última quinta, mais de 728 mil pessoas inscritas. Seus 62 vídeos somavam mais de 89 milhões de exibições.
O sucesso de público foi acompanhado pelo de crítica: foram o primeiro canal on-line a vencer o prêmio da APCA (Associação Paulista de Críticos de Artes), concorrendo na categoria de TV, como programa de comédia.
Hoje, são procurados por empresas interessadas em usar seu humor para promoção na rede e preparam um longa para o cinema.
Se a escalada rumo à notoriedade foi rápida, o modelo que consagrou a produtora -vídeos curtos, com esquetes de humor nonsense, ligados ao cotidiano- vinha sendo desenvolvido há tempos.
O embrião foi a série humorística "CSI: Nova Iguaçu", criada pelo publicitário Antonio Tabet, 38, do site Kibeloco, e pelo diretor Ian SBF, do site Anões em Chamas.
A eles se juntaram amigos: dois atores e roteiristas talhados na comédia stand-up (Gregório Duvivier, 26, e Porchat) e um publicitário e roteirista de TV, João Vicente de Castro, 29. O projeto do quinteto: fazer vídeos de humor para a internet que eles mesmos gostariam de assistir.
Cada um dos cinco investiu a mesma quantia (que eles não informam) para preparar uma série de vídeos.
O primeiro deles foi ao ar em agosto passado. Tinha um formato de programa, com pouco mais de 15 minutos, abertura, um comercial "fake" e esquetes.
"Percebemos que, com o programa, gastávamos oito esquetes num vídeo só e isso tinha menos visualizações do que se lançássemos individualmente", diz Duvivier.
Assim, aderiram ao formato de dois vídeos novos por semana (postados às segundas e quintas) e pretendem expandir para três.
Atualmente, o quinteto faz duas reuniões semanais para aprovar os textos e grava até quatro vídeos por semana, dividindo as tarefas.
Porchat e Duvivier ficam com roteiros e atuação; Tabet cuida da divulgação, além de escrever e atuar eventualmente; Ian SBF dirige e João Vicente se concentra na parte comercial -o telefone no escritório da produtora, uma sala no centro do Rio, não para de tocar.
PYTHON E TV PIRATA
Quando falam do tipo de humor que os influencia, citam os ingleses do Monty Python, o americano Mel Brooks e os brasileiros da "TV Pirata". Como esses, gostam de escrever para atuar.
O sucesso de vídeos como "Spoleto" -que satiriza o tipo de atendimento da rede de restaurantes e virou um "case" publicitário, levando a marca a contratar o grupo- fez com que empresas procurassem a produtora.
Já fecharam contrato para produzir vídeos para uma montadora de automóveis e têm outras negociações em andamento; muitas delas, no entanto, não prosperam.
"A Porta dos Fundos não tem rabo preso com ninguém. Então temos dificuldade em adequar os pedidos das empresas ao nosso humor. Mas elas estão começando a ter coragem", diz João Vicente.
A trupe, no entanto, não pretende trazer os anúncios comerciais para dentro da própria casa.
"O Porta virou esse fenômeno também por causa do cansaço das pessoas com a mesmice da TV. Nós somos algo diferente e, se começarmos a ter anúncio, vamos ficar iguais à TV", diz Porchat.
O dinheiro ganho até agora -eles não falam em valores- está sendo reinvestido na expansão da produtora.
"Contratamos mais funcionários, compramos mais equipamentos, gastamos mais com vídeos. Nosso objetivo final é a empresa. Não estamos fazendo isso como vitrine para nos chamarem para outras coisas, esse é o meu trabalho", diz Porchat.
O grande objetivo é ter uma plataforma própria de vídeos e, assim, não ter de dividir os lucros gerados pela audiência com o Google, empresa dona do YouTube -a exemplo dos sites americanos College Humor e Funny or Die.
Alcançar o mercado estrangeiro é outra meta: os vídeos já têm boa audiência em Portugal, e a trupe coloca legendas em inglês, apostando que seu humor é traduzível.
"Nossos esquetes não falam de questões brasileiras, mas de situações um pouco universais. Como bebemos na fonte do Monty Python e desse humor absurdo, acaba sendo transportável para outras culturas", diz Duvivier.
Migrar para a TV não faz parte dos planos, apesar de sondagens da Globo, do Multishow e do Comedy Central. Na verdade, o que eles fizeram foi se desligar da TV.
"Pela primeira vez, não é mais preciso ser da Globo para fazer sucesso. Não estou esnobando, gosto muito de trabalhar lá, mas posso me dar ao luxo de não querer escrever para a Globo e isso não acabar com a minha carreira", diz Porchat, que atua no seriado "A Grande Família".
"Essa geração quer fazer as coisas do seu jeito, e o Porta dos Fundos talvez seja a expressão máxima disso."

    Para veteranos, clássicos da TV inspiram humor de produtora
    ALBERTO PEREIRA JR.DE SÃO PAULOFenômeno recente da internet, a produtora Porta dos Fundos também reúne em sua base de fãs artistas veteranos da comédia nacional.
    Além da admiração, há também ressalvas. A maioria delas se concentra na opinião de que o grupo, talentoso, se apropria de referenciais clássicos de humor na TV mais do que investe em novidades.
    "Estou correndo atrás deles. É uma das coisas mais engraçadas que vi nos últimos anos", diz José Lavigne, que por mais de 15 anos dirigiu o "Casseta & Planeta" (Globo).
    "Acho mil vezes mais interessante que o 'Pânico' [da Band], que faz bullying com as pessoas", compara Cláudio Paiva, roteirista de TV.
    Para Jorge Furtado ("O Homem que Copiava", 2003), o elenco e o texto são excelentes. "Mas eles não inventaram esse gênero. O 'Monty Python' [programa de TV inglês dos anos 1960] já fazia isso. É uma tradição que remonta à Grécia antiga."
    Segundo Lavigne, o Porta dos Fundos tem muito do "TV Pirata", que marcou época na Globo, no final dos anos 1980.
    "Nós estávamos na TV aberta, por isso só não falávamos palavrão, mas satirizávamos marcas também. Nos últimos 20 anos, a Globo se capitalizou e as referências comerciais foram restringidas. São todos bisnetos do Guel Arraes", diz.
    Rafinha Bastos concorda que a produtora tem mais liberdade por estar na web, mas faz uma ressalva: "O YouTube também é uma empresa. Os protagonistas são caras da Globo, mas sem todos os filtros de uma TV".

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