terça-feira, 19 de março de 2013

Cinderela indie - Carolina Braga

O documentário Procurando Sugar Man revela como se construiu a lenda sobre Sixto Rodriguez. Astro na África do Sul, o cantor e compositor ficou misteriosamente desaparecido por décadas 


Carolina Braga

Estado de Minas: 19/03/2013 


A história que circulava pela África do Sul era mesmo digna de um mito do rock. Sixto Rodriguez, o cantor do cultuado álbum Cold fact, que teria vendido mais discos do que Elvis Presley, morrera tragicamente no palco durante um incêndio. A lenda indie se manteve por anos a fio e o caso só foi esclarecido graças à persistência de fãs fervorosos. Os bastidores dessa cruzada serviram de matéria-prima – ou melhor, de cereja do bolo – para Procurando Sugar Man, vencedor do Oscar 2013 na categoria melhor documentário.

Ainda sem data de estreia no circuito comercial brasileiro, o filme – assim como seu personagem – tem construído carreira impulsionada pela internet. Lançado há menos de um ano, o longa do jovem cineasta Malik Bendjelloul desperta curiosidade no mundo inteiro. Além do Oscar, o diretor ganhou 12 prêmios internacionais, incluindo o conferido pelo Festival de Sundance e o britânico Bafta. O documentário foi também brindado com os louros dos sindicatos de diretores e de roteiristas norte-americanos.

O diferencial de Procurando Sugar Man não está no formato, na música e tampouco na maneira diferente de tratar a saga de Rodriguez. O segredo é simples: Bendjelloul aborda um fato que beira o surreal. “É uma história de Cinderela, que ressoa nas pessoas. Além de ser verdadeiro, diz também sobre como a esperança deve prevalecer”, comenta o jornalista Craig Bartholomew Strydom, especializado em música.

A comparação com os contos de fadas pode parecer exagerada, mas é plausível. Afinal de contas, esperança não faltou a nenhum dos envolvidos no documentário – inclusive ao repórter Craig Strydow, diretamente envolvido com a pauta sobre o misterioso Sixto Rodriguez. Procurado pelo diretor Malik Bendjelloul há cinco anos, o jornalista duvidou da eficácia de levar aquele caso para as telas.

“No primeiro momento não tive certeza, mas aceitei. Trabalhei com o diretor em 2008 e em 2010. No fim das contas, o filme é a visão dele sobre a descoberta de Rodriguez”, resume Craig Strydom.

Procurando Sugar Man não é um musical no formato documentário. Ainda que sutilmente, o filme revela a mudança substancial da lógica de funcionamento da indústria fonográfica, sobretudo nesta era de compartilhamentos na internet. “Durante décadas, as gravadoras fecharam contratos que não eram nem justos nem equilibrados. Elas dominaram os artistas, roubaram dinheiro, praticaram uma espécie de crime do colarinho branco. Com a internet, os músicos agora estão no comando”, acredita Craig Strydom. Sixto Rodriguez é exemplo disso.



Namorada O documentário de Malik conta como o repórter Craig e o vendedor de discos Stephen “Sugar” Segerman desvendaram o mistério. Ao estilo Bob Dylan, o folk de Rodriguez era cultuado na África do Sul na década de 1970. Completamente desconhecido em seu país, os Estados Unidos, ele vendeu meio milhão de discos a fãs africanos, depois de lançar os álbuns Cold fact (1969) e Comming from reality (1972).

Diz a lenda que as canções cruzaram o Atlântico levadas por uma jovem americana para o namorado sul-africano. Como pólvora, as mensagens libertárias de Rodriguez se espalharam no país do apartheid. O cantor e compositor se converteu num símbolo de rebeldia. Jovens universitários gravaram fitas cassete para os colegas, até que álbuns do artista chegaram informalmente à África do Sul. No entanto, Rodriguez jamais apareceu por lá ou recebeu um centavo de direitos autorais.

Quando o álbum Cold fact completou 40 anos, Craig e Stephen não se deram por satisfeitos com a lenda sobre seu autor. “Achávamos que ele havia se matado, imolando-se no fogo diante do público. Era algo inacreditável, não um simples suicídio. Ou, provavelmente, o suicídio mais grotesco da história do rock”, comenta Stephen no filme. A dupla decidiu investigar que fim teve – mesmo – o cantor cultuado nos arredores de Cape Town. Vem daí a grande surpresa do documentário.

Injustiça A estrutura de Procurando Sugar Man é bastante corriqueira, baseada em depoimentos. Porém, há certo suspense na forma de contar a história, que envolve o espectador na cruzada em busca de Rodriguez. “O documentário prende pela história, fantástica por si. Fosse ficção, ela soaria inverossímil demais. A grande proeza, sem dúvida, é revelar a pequena, mas rica, obra do compositor ao grande público. Trata-se de um desses raros casos em que o tempo corrige a injustiça no mundo das artes enquanto o autor ainda está vivo”, afirma o publicitário mineiro Ivan Pawlow, que assistiu recentemente a Procurando Sugar Man.

O roteiro se inspira nas tramas de ficção. Há pelo menos três guinadas na história, devidamente embaladas por canções de Rodriguez. As letras contribuem para dar ritmo ao filme, ainda que a música não seja a protagonista. Quando o documentário acaba, fica a pergunta: quantos artistas não amargaram o mesmo esquecimento experimentado por essa “ex-lenda”do pop?

“Tenho certeza de que há muitos casos como o de Rodriguez. No passado, muitos contratos assinados nunca foram pagos a artistas. Eles ficaram à mercê de gravadoras ricas. Hoje, graças à internet, não acho que haja mais tantos músicos perdidos”, conclui o jornalista Craig Strydow.

Realmente, a história agora é outra. Está mais para salve-se quem puder.




Saiba mais

DE VOLTA AO PALCO


Nascido em 10 de julho de 1942, o americano Sixto Rodriguez é um músico de folk radicado em Detroit. Filho de mexicanos, ele iniciou sua carreira na década de 1960. Lançou apenas dois discos até o início da década de 1970, quando desistiu dos palcos. “A música de Rodriguez toca as pessoas porque ele canta verdades universais”, afirma o jornalista Craig Strydom. O compositor voltou em 1997: fez turnês pela África do Sul e tem-se apresentado em outros países. Em abril, embarca para a Ásia. “O filme o apresentou a uma nova legião de fãs”, conclui o repórter. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário