terça-feira, 12 de março de 2013

Tendências/debates

folha de são paulo

LILIA SCHWARCZ, MARIA HELENA MACHADO E JOHN MONTEIRO
Cotas em diálogo

Proposta paulista de inclusão parece desconhecer o grau de inserção e desempenho de "cotistas". O risco é criarmos novos espaços de exclusão
O estratégico e espinhoso assunto das cotas sociais e étnico-raciais está em pauta. Acaba de ser enviado aos docentes da USP (Universidade de São Paulo) o projeto Programa de Inclusão com Mérito no Ensino Superior Público Paulista (Pimesp), com um prazo exíguo de 30 dias para a manifestação da comunidade universitária.
Sabemos que as universidades estaduais paulistas estão atrasadas, sobretudo em relação às federais, no que tange ao ingresso amplo ao ensino superior público e de qualidade. No entanto, tal situação não justifica que, após anos de silêncio, sejamos levados a tomar decisões de afogadilho, que podem aprofundar os problemas que queremos corrigir.
O projeto não traz autoria e vem recheado de números cuja origem não é indicada. Fica a impressão de um projeto apressado e preliminar, preparado sem dar ouvidos à comunidade acadêmica paulista ou aos movimentos sociais que vêm discutindo a questão da inclusão social e das cotas já há um bom tempo.
O projeto do Pimesp declara o objetivo de que pelo menos 50% das matrículas sejam preenchidas por alunos oriundos do ensino médio público e, dentre esses, 35% autodeclarados PPIs (pretos, pardos e indígenas). A proposta apresenta, no entanto, medidas problemáticas, que podem aumentar as desigualdades sociais e étnico-raciais, em vez de abrir caminho para diminuí-las.
A medida mais problemática é a criação de um Instituto Comunitário de Ensino Superior (Ices), inspirado no "Community College" norte-americano, que são faculdades de formação profissional e de educação continuada em cursos de dois anos. Não parece acertado que as universidades estaduais paulistas, centros de excelência reconhecidos internacionalmente, apropriem-se de maneira inadequada de um modelo que não se coaduna com nossas reais necessidades de inclusão.
O Ices se propõe a oferecer cursos gerais de complementação da escolarização média e "formação sociocultural superior para exercício de cidadania". Ora, se queremos enfrentar as desigualdades, devemos começar por reconhecer os jovens de baixa renda e os PPIs como cidadãos que merecem e exigem muito mais do que uma extensão do ensino médio num formato paternalista. O que esses alunos almejam é participar da experiência universitária de nossos campi, de maneira plena e cidadã.
Ademais, tal proposta parece desconhecer o grau de inserção e desempenho dos alunos que entram em outras escolas pelo sistema de cotas. O risco é criarmos novos espaços de exclusão e distanciar o nosso ensino público da direção almejada por todos nós: a diminuição das desigualdades sócio-raciais.
Segundo a proposta, os alunos da escola pública e os PPIs fariam esse curso, em grande parte, à distância. Nada justifica a implantação desse sistema para jovens alunos, carentes justamente das possibilidades que a convivência universitária pode trazer.
Finalmente, após dois anos, o Pimesp considera a possibilidade do aluno "incluído" ingressar na universidade real, "respeitando o mérito acadêmico". O Pimesp não oferece, pois, nenhuma garantia de acesso desse aluno ao sistema universitário integral e, pior, aqueles que conseguem completar os cursos, terão feito no mínimo seis anos de formação, com os dois cursados no Ices.
Aprovado o Pimesp como está, não é difícil imaginar que continuaremos a ter universidades predominantemente brancas e elitistas, já que a inclusão se dará à distância.
Consideramos, assim, premente a abertura de um amplo debate público nas universidades estaduais paulistas. É passo necessário para o processo de democratização e inclusão efetiva no ensino superior, meta que hoje o Brasil enfrenta como um dos seus maiores e mais profundos desafios.
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JOSÉ HAMILTON RIBEIRO
Riviera embargada
Oásis sustentável no litoral norte, a Riviera de São Lourenço acumula prejuízos por conta de decisão judicial que paralisou obras iniciadas
O litoral norte de São Paulo tem natureza esplendorosa e bem preservada. Fica perto da capital, mas se vê diante de um quadro assustador: suas cidades, vilas e loteamentos -alguns caríssimos- estão em áreas sem sistema eficaz de saneamento.
Nas épocas de alta concentração de pessoas, a rede (ou o que existe dela) não dá conta, e o esgoto às vezes corre a céu aberto.
Por falta de coleta seletiva, amontoa-se o lixo que tem de ser levado para aterros na serra. A selvagem ocupação do espaço coloca casas comuns e de luxo em áreas sem ordenamento urbano e infraestrutura. Com isso, loteamentos irregulares, favelas e "invasões" avançam sobre áreas de preservação.
Nessa região, a Rio-Santos rasga a natureza da Serra do Mar e como que separa uma parte -da rodovia para o mar- destinada ao ser humano e outra -da estrada para o morro-, aos bichos e plantas. O visitante vê ali cenários encantadores, mas deve manter um pé atrás quanto à limpeza e ao saneamento básico. Com uma exceção: a Riviera de São Lourenço.
Na década de 60, a baía de São Lourenço, em Bertioga, era parte de uma gleba em que havia plantação de banana e mandioca e criação de gado. Um dos sócios, José Aparecido, reagia assim a propostas: "Loteamento comum, não! Vamos fazer a primeira cidade-praia planejada do Brasil". O que parecia sonho se viabilizou num consórcio liderado por conhecida construtora.
O projeto teve como consultores urbanistas, paisagistas, arquitetos e um especialista em portos e praias de Portugal. Pelo plano, as ruas deveriam ser tortuosas, para que cada lote tivesse sempre a sua cota de luz do sol. Ao entrar agora em seu 33º ano, a Riviera realizou quase tudo que antes parecia miragem.
Tornou-se o primeiro projeto de praia no mundo com o certificado Iso-14.001:2004 por seu sistema de gestão ambiental. É administrada por uma Associação de Amigos, que conta com uma taxa mensal de cada proprietário. Na praia, não entra veículo motorizado (fora ambulância e polícia) nem animal doméstico, mas bicicleta é incentivada. Quanto às pessoas, acesso livre.
No momento, a Riviera de São Lourenço está em "suspense". Uma decisão judicial, em caráter liminar, embargou obras com licenças ambientais aprovadas, algumas das quais já com ruas abertas, terrenos limpos e casas construídas. Nesses locais, foi feito manejo de flora e fauna.
Esse embargo vem causando tantos prejuízos que o prefeito de Bertioga, o arquiteto e urbanista Mauro Orlandini (DEM), recorreu à Justiça pedindo para a prefeitura também ser ré. Ele diz: "Não tenho compromisso com empreendedor nenhum. Mas estou vendo que está em risco a sustentabilidade do município".
Orlandini mostra como Bertioga é um dos municípios com mais áreas verdes no mundo. Juntando parques estaduais (dois), municipais e particulares, além de praças e bosques na área urbana, tem 94% de seu território como reserva natural. Restam apenas 6% para a cidade (de 5O mil habitantes), mais 12 bairros, 40 loteamentos, cinco praias, dez "invasões", um histórico forte militar, uma hípica com 30 cavalos, uma colônia do Sesc, uma aldeia de índios -e a Riviera.
Quando estiver concluída, a Riviera de São Lourenço ocupará menos de 2% do território de Bertioga. Mas já concorre com 50% da arrecadação e mais de 40% dos postos de trabalho. Tanto no litoral norte como em outros lugares, há loteadores que batem bumbo na hora de vender terrenos e depois desaparecem, deixando só problemas. Na Riviera, a escrita mudou. Quem sabe ela "pega" em outros cantos do país...
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