domingo, 14 de abril de 2013

Laboratório sob a pele - Roberta Machado

Franceses desenvolvem chip que, depois de instalado no corpo do paciente, mede substâncias do organismo e envia os resultados via internet para o médico. O dispositivo, tão preciso quanto um exame de sangue, deve chegar ao mercado em quatro anos 


Roberta Machado

Estado de Minas: 14/04/2013 


Para alguns, submeter o corpo a exames de sangue é uma verdadeira tortura, evitada a todo custo. Para outros, é rotina. Estender o braço para a agulha faz parte do cotidiano de pessoas que sofrem de doenças crônicas ou passam por tratamentos agressivos. A coleta é necessária para o médico acompanhar o estado de saúde dos pacientes. Contudo, além de incômoda, a prática é imprecisa, pois deixa escapar problemas que o organismo pode apresentar entre uma retirada de sangue e outra. Por isso, cresce na medicina o esforço pela criação de um dispositivo que traduza os sinais silenciosos do corpo em alertas mais claros, sem a necessidade do constante uso da seringa.

Uma das mais recentes iniciativas nesse sentido partiu da França, onde um grupo de pesquisadores concentrou em um minúsculo chip toda a tecnologia usada em laboratórios de diagnóstico. O equipamento, em desenvolvimento há quatro anos na Escola Politécnica Federal de Lausanne (EPFL), dá acesso em tempo real aos níveis de importantes substâncias do organismo. Isso é possível porque, em vez de passar pela agulha e pelos equipamentos de medição, os valores são transmitidos via bluetooth diretamente do interior do corpo para a tela do computador ou do smartphone do médico.

A peça criada pelos engenheiros da EPFL tem 1,4cm de comprimento, tamanho menor do que o de uma cápsula de medicamento. Mas, em vez de ser engolido, o aparato é instalado sob a pele. “Experimentos têm sido feitos para checar a biocompatibilidade dos implantes, e eles nos permitiram melhorar o formato e o tamanho do dispositivo”, explica Giovanni de Micheli, um dos criadores do aparelho. O tamanho reduzido, assegura o cientista, permite que o chip seja implantado de maneira simples, via injeção.

A parte principal do minilaboratório é um conjunto de sensores, cobertos por diferentes enzimas. Cada substância reage a um tipo de ácido orgânico ou proteína, servindo como uma espécie de termômetro especializado. Se um paciente apresentar um aumento ou uma queda fora do comum nos níveis de algum componente, o sensor capta a mudança e um sinal é enviado imediatamente para o médico, que avalia a gravidade de acordo com a variação dos índices. De Micheli dá exemplos de algumas substâncias que podem ser monitoradas pelo chip: “Glicose e ácido lático podem ser detectados diretamente nos fluidos do tecido. A detecção da glicose é importante para pessoas que sofrem de diabetes, e o ácido lático indica um esforço muscular”, enumera.

O equipamento exige o uso de uma placa auxiliar, que fica presa ao corpo do paciente como um adesivo. Nesse acessório fica a bateria que alimenta o chip interno com uma carga de 0,1 watt através da pele. A eletricidade é muito pequena para ser sentida pelo usuário. A mesma placa recebe os dados do chip via rádio e se encarrega de transmiti-los para o celular ou o computador do médico. Ao profissional cabe apenas programar a frequência dos boletins enviados pelo aparelho — o chip pode enviar relatórios diários ou a cada cinco minutos.

Uso crônico Algumas melhoras ainda podem ser feitas no equipamento. Como as enzimas que fazem o monitoramento orgânico perdem o efeito em cerca de um mês e meio, o equipamento teria de ser trocado eventualmente. “A invenção ainda demanda algumas inovações. Seria interessante se o próprio sensor fosse renovado sem a necessidade de retirar o chip debaixo da pele”, avalia Idagene Cestari, diretora do Centro de Tecnologia Biomédica do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.

Por isso, criadores do equipamento e especialistas acreditam que o uso só vale a pena para pacientes que necessitam de acompanhamento constante, como doentes crônicos. “Quando os parâmetros começarem a sair da faixa de normalidade, isso pode ser indicado precocemente, antes que o paciente perceba. Muitas vezes os sintomas aparecem depois da doença instalada”, ilustra Cestari, que não participou da criação do dispositivo. Outro possível público para o chip sensorial seriam as pessoas que se submetem a tratamentos delicados, como a quimioterapia. Dependendo da resposta do organismo, o médico seria capaz de medir a tolerância e a eficácia do medicamento, e avaliar a necessidade de mudança da dosagem ou mesmo da droga.

De acordo com os criadores do chip, a invenção já responde de forma positiva aos testes em pacientes reais e mostra resultados tão bons quanto os testes de laboratório. Eles acreditam que, em quatro anos, a inovação esteja pronta para chegar aos consultórios médicos. O projeto representa um passo significativo em direção ao sonho de popularizar o método de avaliação clínica baseado nos dados transmitidos diretamente do corpo do paciente. “Certamente, a ideia não é nova, e vários desenvolvimentos de pesquisas similares têm ocorrido”, lembra José Carlos Teixeira de Barros Moraes, professor do Laboratório de Engenharia Biomédica da Universidade de São Paulo (USP).

Muitas das abordagens fazem uso da praticidade do smartphone e de minúsculos nanotransmissores, que criam um vínculo constante e eficiente entre médico e paciente. Na USP, por exemplo, uma técnica criada no Laboratório de Engenharia Biomédica possibilita que pessoas com desconforto cardíaco possam enviar os dados relativos à crise para uma central médica apenas ao encostar um telefone celular junto ao peito.

De acordo com Moraes, os métodos de monitoramento eletrônico são considerados seguros e podem trazer muitos benefícios ao paciente. “O mérito da pesquisa (francesa) está na potencial utilidade futura da sua aplicação em análise sanguínea, porém ainda dependendo de resultados de avaliação clínica, precisão, exatidão, biocompatibilidade e muitos outros aspectos importantes”, avalia.

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