sexta-feira, 17 de maio de 2013

Editoriais FolhaSP

folha de são paulo


Razões de Marina
Provocaram celeuma as considerações da ex-ministra Marina Silva a respeito da presença do deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP) na presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara.
O parlamentar --que é também pastor evangélico-- tornou-se o foco de protestos por suas opiniões sobre negros (vítimas, segundo ele, de maldição bíblica) e homossexuais (em cujos afetos vê sinais de "podridão"). Não é bem o que se espera do encarregado de encaminhar projetos sobre direitos humanos na chefia daquela comissão.
Em evento na Universidade Católica de Pernambuco, Marina não se afastou dessa linha de raciocínio. Considerou Marco Feliciano despreparado para o cargo que ocupa e merecedor de críticas pelas opiniões homofóbicas e racistas.
Tivesse ela se limitado a isso, o caso não teria maior repercussão. Marina teve a má ideia, porém, de acrescentar uma interpretação para os protestos contra Feliciano que soaram como uma defesa do deputado. Criticam-no, disse, "por ser evangélico, e não por suas posições políticas equivocadas".
Do mesmo modo, arrazoou a líder ambiental, não seria correto criticar atitudes do senador Blairo Maggi (PR-MT) por ser ele empresário, mas pelo que possam significar de prejudicial à natureza.
Sem dúvida, o preconceito contra evangélicos (e contra empresários) existe, e Marina Silva não estaria errada ao denunciá-lo. Mas o deputado não é criticado por ser evangélico. É atacado pelas opiniões que enunciou.
Diga-se que Marina Silva, ela própria evangélica, conta com simpatias fortes nos setores da classe média universitária favoráveis ao casamento gay, sem que sua fé tenha sido questionada. Como faz quase todo político, seja qual for seu credo, partido ou orientação sexual, Marina acusou a imprensa de distorcer suas declarações.
Ocorre que a ex-senadora, em sua expectativa de candidatar-se à Presidência, conta com bases eleitorais bastante heterogêneas. Setores moralistas e conservadores podem votar em Marina "porque ela é evangélica", enquanto ativistas ambientais e parte da esquerda desiludida com Lula e o PT a apoiam por suas convicções.
Crença religiosa e pós-modernidade, povos da floresta e tribos universitárias se equilibram no imaginário marinista. Vez por outra, a contradição faz o delicado arranjo desabar --e nada pior que varrer os cacos para baixo do tapete.


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    A Europa se encolhe
    PIB da zona do euro tem seu sexto trimestre de recuo; região deve voltar ao nível de 2007 só em 2014 --isso se a recuperação mundial ajudar
    A zona do euro está em recessão há um ano e meio. Ainda que acelere nos próximos semestres, de acordo com a previsão oficial algo otimista, em 2014 o tamanho da economia da região será menor do que em 2007, ano anterior ao início da grande crise.
    Entre 2008 e 2012, a produção da eurozona encolheu 1,3%. A média esconde colapsos nacionais lúgubres. Nesses anos, o PIB da Grécia diminuiu em 20%. O da Itália, em 7%, ainda pior que o de Portugal (quase -6%) e Espanha (-4%).
    A notícia da nova contração europeia no primeiro trimestre deste ano reavivou críticas ao programa econômico imposto pela Alemanha. A maior economia da eurozona exige redução de deficit dos governos, restringe ações ousadas do Banco Central Europeu (BCE) e demanda reformas liberalizantes, sobretudo dos países do sul.
    Os governos ceifaram gastos, mas as dívidas públicas ainda crescem. Em 2012, aumentou até na austera Alemanha. Deu saltos assustadores na Espanha, em Portugal e na Itália. Os alemães acreditam que os pacientes se recuperarão antes que o tratamento os mate.
    Há risco de deflação. A inflação cai desde o final de 2011. Em abril de 2013, a taxa anual estava em 1,2%; um ano antes, em 2,6%. Além de sintoma de recessão, preços em baixa podem agravar a crise por sufocar devedores (que veem receitas caírem e dívidas crescerem).
    Decerto os problemas vão além dos efeitos colaterais da terapia alemã. O BCE foi e continua tímido ao lidar com a crise, atitude muito diferente da assumida pelo banco central americano, o Fed. O BCE sempre agiu tarde, de modo limitado, na iminência de colapsos financeiros. A crise bancária se arrastou. Mesmo com taxas de juros perto de zero, o crédito não flui para as empresas, pois os bancos estão avariados ou receosos com o mau prognóstico de crescimento.
    Muitas economias da região têm mercados inflexíveis, governos caros e salários altos demais para a competição acirrada pela ascensão asiática. Europeus do norte esperam que a austeridade dê resultado --uma redução no consumo público e privado levaria os países da eurozona a sair da crise por meio da exportação de excedentes.
    No entanto, a economia mundial reage devagar. A China acomoda-se num patamar de crescimento menos espetacular. Os EUA, que de 2008 a 2012 cresceram mais que os europeus, rateiam. O Japão animou-se com medidas recentes de relaxamento monetário, mas ainda suscita desconfiança, tantos foram os falsos alertas de recuperação nos últimos 20 anos.
    Nesse ambiente, torna-se difícil os europeus exportarem sua crise, por assim dizer. Não há consumidores bastantes para dar conta dos sete anos de estagnação europeia. Sete, isto é, se a região do euro de fato se recuperar a partir de 2014.

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