quarta-feira, 26 de junho de 2013

Editorial FolhaSP

folha de são paulo
Cotas e prazos
Quando a estudante Abigail Fisher recorreu à Suprema Corte dos EUA, muitos imaginaram que as políticas afirmativas estariam com os dias contados nas universidades americanas.
Fisher alegava não ter sido admitida na Universidade do Texas por ser branca. A decisão sobre seu caso poderia ter impacto em todos os sistemas de cotas do país. Bastaria que a corte julgasse essas medidas à luz da Constituição.
Os magistrados se recusaram a discutir a constitucionalidade das ações afirmativas. Limitaram-se a decidir o caso particular, determinando que um tribunal regional --que deu ganho de causa à universidade-- reavaliasse o processo.
Na prática, a Suprema Corte manteve seu entendimento de que a diversidade nos meios universitários é um fim relevante o bastante para justificar a utilização de classificações raciais. Mantém aberta a porta, porém, para novas contestações de casos concretos.
Apesar da sobrevida, uma pesquisa de opinião mostra que o apoio às cotas é declinante: de 61% em 1991 para 45% hoje. Eleitores de cinco Estados --Arizona, Califórnia, Michigan, Nebraska e Washington-- já aprovaram em plebiscito a proibição de ações afirmativas em suas universidades.
Um dos fatores por trás da mudança se relaciona com a sensação de que essas políticas já cumpriram seu papel, ou parte significativa dele. Na Universidade do Texas, por exemplo, a proporção de negros, que era de quase zero nos anos 60, chega hoje a 6%. No Estado, eles são 12% da população.
É evidente que a discussão sobre o fim das discriminações positivas sempre virá acompanhada de colorações ideológicas. Ainda assim, ela levanta um problema real: ações afirmativas foram concebidas como uma política transitória. E a decisão de suspendê-las será sempre complicada.
O Brasil, que apenas inicia seu programa de inclusão, deveria observar o que há de melhor na experiência americana (já que o Congresso decidiu imitá-la no que tem de pior, o componente racial).
Para evitar dificuldades futuras, seria o caso de já fixar uma data para as cotas terminarem. É mais fácil renová-las, se necessário, do que dar cabo de uma política que muitos governantes não se arriscariam a dar por concluída.
    eDITORIAIS
    editoriais@uol.com.br
    Confusão constituída
    Dilma turva o debate com proposta extemporânea de constituinte exclusiva; plebiscito pode desatar o nó da reforma política, contudo
    Pressionada pelas grandes manifestações que tomaram as ruas das principais cidades do país, a presidente Dilma Rousseff (PT) sentiu-se, com razão, obrigada a dar alguma resposta às demandas.
    Até que começou bem, com um pronunciamento firme e sereno na TV. Logo se desencaminhou, porém, na reunião com governadores e prefeitos, ao detalhar compromissos vagos em propostas mais específicas --uma salva de fogos de artifício, que produziu mais estrondo do que luz, além do constrangedor recuo da presidente menos de 24 horas depois.
    Afora previsíveis e duvidosos projetos sobre austeridade, transportes, educação e saúde, Dilma lançou duas ideias mirabolantes: a convocação, por plebiscito, de uma constituinte exclusiva para a reforma política e a inclusão da corrupção entre os crimes hediondos, tornando-a inafiançável, com pena inicialmente em regime fechado e progressão dificultada.
    A proposta sobre crimes de corrupção é mais uma a banalizar um recurso superlativo antes na aparência do que na realidade. Como a indignação manifestada nas ruas corre o risco de fazê-la passar por solução, cabe repisar o argumento: aumentar a severidade das punições não produzirá o que de fato está em falta no país --o rápido e inteiro cumprimento das leis já existentes.
    Pior foi a manobra diversionista da constituinte. É óbvio que a presidente pretendeu com ela transferir a responsabilidade para o Congresso, que teria o ônus de organizar a amputação de seus próprios poderes reformadores (cabe lembrar que 73 emendas constitucionais foram aprovadas desde 1988).
    Boa parte da legislação partidária que se pretende reformar nem necessitaria de mudanças na Constituição. O realismo e o retrospecto políticos indicam que o Congresso não se dispõe a encetar tal reforma; diante do impasse, ganha força a proposta de recorrer a uma consulta popular, mas sem a aventura de uma constituinte exclusiva.
    Pode ser essa a saída para romper o nó górdio. Mas não será trivial definir os detalhes e realizar até outubro --a tempo de valer já na eleição de 2014-- um plebiscito para decidir o que há anos se discute e nunca se resolve. Para dar certo, a consulta teria de ser muito concisa e precisa.
    Esta Folha defende que os costumes políticos brasileiros teriam uma chance boa de melhorar se o país se decidisse pelo voto distrital misto (para estreitar o vínculo do cidadão com seu representante eleito), pela cláusula de barreira (para diminuir o número de partidos e aumentar sua representatividade), pela manutenção do financiamento privado (mas com regras claras sobre valores e transparência) e pelo fim das coligações em eleições para deputados e vereadores (meramente eleitoreiras).
    A balbúrdia criada por Dilma Rousseff, infelizmente, em nada contribui para que o país venha a dar esses passos que aperfeiçoariam sua democracia.

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