terça-feira, 2 de julho de 2013

Alberto Goldman e Luiz Guilherme Piva no Tendências/Debates

folha de são paulo
ALBERTO GOLDMAN
TENDÊNCIAS/DEBATES
O povo não se deixará enrolar
Até agora, só a parcela da população com mais acesso à informação mostrou sua indignação. A reação dos mais simples virá ainda mais forte
Por que os sentimentos de revolta e de indignação --que se constata que estavam em estado latente nas profundezas da alma brasileira-- só agora vieram à tona nas manifestações populares?
A bandeira da gratuidade do transporte coletivo, compreendido por todos como algo inexequível, não foi, isoladamente, a razão das manifestações de milhares de pessoas em todo o país.
Também não se pode creditar o sucesso dessas manifestações à recente oposição da população aos gastos com os estádios, que só era verbalizada por poucos.
Nem foram as deficiências do poder público nas áreas de segurança, saúde e educação, que vêm de muito tempo e exigem ações de longo prazo, as razões das manifestações.
Nem mesmo se originaram da repulsa à corrupção, que marcou o período petista e teve o seu ápice no episódio do mensalão com suas consequências por anos afora abatendo dezenas de altas autoridades da República. Nem da lerdeza do nosso sistema judiciário, que, até agora, não colocou ninguém na cadeia.
Mesmo a reforma política --sobre a qual cada um tem uma preferência e agora tão lembrada como indispensável diante da falta de representatividade dos atuais partidos-- não foi razão suficiente.
Nenhum desses motivos isoladamente explica as manifestações. Todos eles e outros mais, somados, sim!
Enfim, por que essa indignação não explodiu antes? A meu ver, porque Lula e Dilma foram protegidos por bons resultados econômicos: inflação contida, diminuição do desemprego, crédito abundante e barato como incentivo ao consumo e aumentos salariais satisfatórios.
Poucos estavam dispostos a ouvir que a falta de sustentabilidade dos resultados obtidos no curto prazo iria se transformar em graves problemas no médio e no longo prazos.
Aconteceu. Mais cedo do que se esperava, o quadro mudou. A inflação, em especial o custo dos alimentos, deu um salto astronômico. O emprego parou de crescer, o crédito diminuiu, os juros aumentaram e os aumentos de salários apenas recuperam a inflação, quando muito.
A couraça que protegeu Lula e Dilma está se rompendo. A era Lula vai chegando ao fim, e Dilma vai se esvaindo. Passaram a ser atingidos pela revolta que estava encruada na alma dos brasileiros. Pensaram que o povo estava morto.
Até agora, apenas uma parcela da população mostrou a sua indignação. Começou pelos que têm mais acesso à informação. O restante do povo começa aos poucos a se manifestar, o que se percebe nas pesquisas realizadas pelo Datafolha.
Todos tiveram ganhos econômicos nas últimas décadas, mas suas expectativas também são de que a inflação não acabe com as suas conquistas. Que a economia produza mais e melhores empregos e que os serviços públicos respondam às suas demandas. Percebem que a estagnação do país pode frustrar-lhes.
As reações das pessoas mais simples levam mais tempo para se tornarem visíveis, mas não deixam de acontecer. Ainda virão mais fortes, à medida que vão se dando conta dos males que este governo tem feito ao país. A presidente, tendo perdido a credibilidade, não tem mais tempo para reformular o modelo político e econômico que o Lula implementou e que se exauriu.
Dilma ainda tem em suas mãos os meios materiais e a maioria no Congresso. Não será com demagogia ou com a enrolação dos pactos e plebiscitos ninguém sabe sobre o quê, na fase final de governo, que poderá vencer os desafios colocados.
Resta-lhe arrastar-se até os últimos dias do mandato para entregar aos eleitos no próximo ano um país que esteja em condições de superar a herança maldita que vai deixar. Não salvará um novo mandato, mas, pelo menos, salvará a sua honra.

    LUIZ GUILHERME PIVA
    TENDÊNCIAS/DEBATES
    Economia da celebridade
    A novidade é que nenhum mercado tão vasto se estruturara com base em tecnologia tão eficiente e com resultados tão generosos
    Celebridade não é somente a pessoa famosa. É também a informação acerca de quem é ou se torna famoso, por razões nobres e/ou supérfluas, de forma duradoura e/ou fugaz e em circuitos amplos e/ou restritos, públicos e/ou privados.
    Hoje, a celebridade é um bem econômico de grande relevância, tornado abundante pela revolução tecnológica das comunicações e das redes sociais. Trata-se de um mercado com crescente otimização de oferta e demanda.
    Visto de hoje, até recentemente ele não apenas estava longe de seu ponto ótimo, porque havia enorme demanda não atendida, como também aquilo que era insuficientemente ofertado gerava mais e mais demanda, como se o seu consumo açulasse a disposição crescente ao consumo.
    Eis a primeira especificidade desse bem. Sua chamada utilidade marginal é crescente. Traduzindo: o consumo de uma informação sobre celebridades em nada diminui (antes, aguça) a demanda por outras informações. O seu consumo, em vez de satisfazer, aumenta a avidez do consumidor, gerando uma espécie de demanda infinita, sem risco de haver crise por excesso de oferta.
    Outra especificidade é que, para as mídias e redes, o custo de ofertar informações é baixo (porque é a celebridade quem investe em si mesma e na geração de notícia) e praticamente constante, não se alterando em função do volume de informações fornecidas.
    Simplificando, o custo unitário de fornecer informações adicionais é decrescente --sem falar da incessante renovação do produto e do seu giro imediato, sem estoque, sem logística, sem perdas e sem depreciações. Uma situação propícia a enorme lucratividade.
    Essa atividade profícua não era explorada em função da rusticidade dos mecanismos de oferta e de consumo. A revolução das redes de compartilhamento praticamente infinito e em tempo real é que tem produzido a inaudita configuração acima.
    A rigor, não é algo inusitado. É sabido que fenômenos econômicos sempre respondem a condições sociais (necessidades e desejos). E que o engenho humano opera para otimizar tal resposta. A novidade é que, salvo engano, nenhum mercado tão vasto se estruturara com base em tecnologia tão eficiente e com especificidades e resultados tão generosos para os ofertantes.
    Há outra especificidade interessante nesse mercado. Do lado dos consumidores, ele se comporta como o dos chamados bens de Giffen. E, do lado das celebridades, como o dos chamados bens de Veblen.
    Explico, respectivamente, essas nomenclaturas teóricas.
    Os consumidores se dispõem a adquirir sempre mais do produto, ainda que tenham que gastar mais, porque atribuem a ele utilidade prioritária. E as celebridades, por considerarem que tal condição as posiciona melhor em status e reconhecimento, se dispõem a investir cada vez mais para obtê-la e mantê-la (eventos, aparência, assessoria), mesmo que a custos crescentes, porque é essa diferenciação o produto a que elas atribuem maior valor.
    O curioso é que os bens de Giffen são considerados inferiores, muito baratos. E os de Veblen são os bens reconhecidamente ostentatórios, muito caros. O que, convenhamos, é uma interseção heterodoxa.

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