segunda-feira, 8 de julho de 2013

Celso Amorim e Marcia Semer no Tendências/Debates

folha de são paulo
CELSO AMORIM
A atualidade de José Bonifácio
O Brasil tem que se defender de ameaças e de efeitos de conflitos alheios. Tais riscos não estão sempre distantes, como por vezes pensamos
A cidade de Santos prestou, no último dia 13 de junho, uma bela homenagem aos 250 anos de nascimento do maior de seus filhos, o patriarca da Independência José Bonifácio de Andrada e Silva. A figura desse extraordinário brasileiro não admite simplificações.
Havia nele um compromisso humanista com o fortalecimento da justiça e das virtudes cívicas no Brasil. Considerava a escravidão a raiz dos maus costumes e da ausência de uma ética do trabalho no país. Ansiava pela conversão dos escravos em "cidadãos ativos".
Em um Brasil que só hoje, quase dois séculos mais tarde, erradica a miséria extrema, a inconformidade frente à desigualdade social e às suas funestas consequências empresta ao legado de José Bonifácio a força premente da atualidade.
Suas inquietações se estendiam à reforma agrária, à assimilação das populações indígenas e ao uso racional dos recursos naturais. Integrava em um coerente projeto nacional a abordagem dos desafios que se apresentavam na hora histórica da construção do Estado.
Sem a sólida base de uma sociedade justa e desenvolvida, não se poderia constituir um país verdadeiramente independente. Para o patriarca, as políticas externa e de defesa tinham papéis fundamentais, e inter-relacionados, a desempenhar no processo de emancipação.
Em instruções que remeteu antes mesmo do Sete de Setembro para o cônsul brasileiro em Buenos Aires (na verdade enviado diplomático), já demonstrava o interesse em buscar alianças na América do Sul. Afirmava: "O Brasil não pode deixar de fraternizar-se sinceramente com seus vizinhos". Concebia o país como "potência transatlântica", o que evoca sua projeção global e prenuncia o estreitamento de seus contatos com os parceiros africanos da outra margem do Atlântico Sul.
A assinatura de tratados desiguais entre o Brasil e as grandes potências após a Independência, com prejuízo da soberania e do bem-estar nacionais, mereceu-lhe sérias críticas. Dizia José Bonifácio: "Que venham, pois, todos aqui comerciar; (...) porém em pé de perfeita igualdade, sem outra proteção além do direito das gentes e com a condição expressa de não se envolverem, seja como for, em negócios do império". A advertência ainda é válida para os dias que correm.
Recordo essas palavras exemplares que proferiu ainda em junho de 1822: "O Brasil é uma nação e tomará o seu lugar como tal, sem esperar ou solicitar o reconhecimento das outras potências".
Contudo, uma sociedade díspar e fraturada não poderia se proteger contra múltiplas ameaças externas. "Sem a emancipação sucessiva dos atuais cativos", dizia em 1823, o país "nunca formará, como imperiosamente o deve, um exército brioso e uma marinha florescente".
Esse nexo entre justiça social e defesa nacional segue relevante. Um país democrático com as dimensões do Brasil, que cresce, inclui socialmente e se projeta pacificamente na cena mundial, não pode prescindir dos meios para a própria defesa.
Temos que estar prontos para defender nossos interesses contra ameaças provenientes de qualquer quadrante, ou contra os efeitos de conflitos entre terceiros. Tais confrontações não estão sempre distantes, como por vezes pensamos. É significativa a inclusão, em fala recente do ministro da Defesa francês, Jean-Yves Le Drian, da Guiné Bissau, país de que somos muito próximos, como um dos vértices de um arco de instabilidade na África, que se estenderia até a Somália.
A aguda preocupação com a independência do Brasil se traduzia, em José Bonifácio, no estímulo a uma política externa altiva e a uma política de defesa robusta. Ambas integram-se no que se poderia denominar, com palavras de hoje, em uma grande estratégia de inserção internacional pacífica e soberana.
Esse homem de razão era também um apaixonado por sua terra. Suas belas palavras sobre o futuro do Brasil em uma ode de 1825 continuam nos inspirando: "Liberdade, paz, justiça / Serão nervos do Estado".
    MÁRCIA SEMER
    Uma proposta que assombra
    Os procuradores têm tentado dialogar para alterar os pontos prejudiciais no projeto de lei orgânica para a Procuradoria-Geral do Estado de SP. Em vão
    Está para chegar ao governador Geraldo Alckmin, com proposta de encaminhamento à Assembleia Legislativa, minuta de projeto de lei elaborada pelo seu procurador-geral do Estado, Elival da Silva Ramos.
    O protesto reduz o controle dos procuradores do Estado de São Paulo sobre a legalidade de licitações, contratos, convênios e processos administrativos disciplinares.
    Também oferece advogados do Estado, pagos pelos contribuintes, para a defesa de autoridades e ex-autoridades e cria no gabinete do procurador-geral assessoria destinada apenas a defender o próprio procurador e o governador nas ações contra eles propostas.
    Essa proposta de edição de nova lei orgânica para a PGE-SP, que pretende modificar legislação modernizada recentemente --ainda na gestão José Serra--, foi enviada à Casa Civil do Estado e tem dado muito o que falar. Desde que souberam das mudanças propostas, os procuradores têm tentado em vão dialogar para alterar os pontos que consideram prejudiciais ao Estado.
    A Apesp, entidade que presido e que congrega mais de 90% dos procuradores, entende fundamental a realização de amplo debate para melhorar e mesmo modernizar a advocacia prestada pela Procuradoria de São Paulo, para o bem do Estado e da população. Mas não concordamos com a gestação de propostas elaboradas, como é o caso do projeto em comento, de uma forma unilateral, sem diálogo efetivo com os membros da carreira.
    Preocupa sobretudo a fragilização do procurador da banca, transformando a advocacia de Estado numa advocacia de governo. O projeto ainda amplia o rol de cargos em comissão, aumenta assessorias diretamente ligadas ao procurador-geral, fortalece seu poder para livres designações e atribui ao Conselho da Procuradoria do Estado, tradicionalmente um órgão superior, função de mero auxiliar do procurador-geral.
    No momento em que é mais sensível no país a preocupação com a lisura e o estabelecimento de mecanismos de fiscalização dos bens e serviços públicos, enfraquecer o controle sobre a legalidade dos negócios estatais, em verdadeira variante interna da PEC 37, é tudo de que não precisamos.
    Na era do direito de acesso à informação, a proposta vem sendo gestada sob a marca da opacidade, o que motivou os membros eleitos do conselho a requererem diretamente ao governador a ciência sobre o conteúdo atual do projeto.
    Os procuradores do Estado não admitem ser tratados como ocupantes de cargos de desconfiança. São os profissionais que produzem em seu cotidiano o controle da legalidade das licitações e contratos da administração.
    Se em muitos casos prevenir é melhor do que remediar, na tutela dos bens públicos a situação é ainda mais dramática. Quando o dinheiro se esvai sem controle, a chance de seu retorno é quase sempre remota. É por isso que a Constituição concebeu a advocacia pública como função essencial à Justiça, com atribuições estritas e indelegáveis: para evitar que a administração dos bens e interesses públicos se faça à sombra da legalidade e, com isso, produza monstros capazes de assombrar o futuro de todos nós.

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