segunda-feira, 8 de julho de 2013

Minha História - Yasmine El Baramawy

folha de são paulo
Engolida pela praça
Durante protesto na Tahrir, centro do Egito, jovem foi estuprada por multidão, assim como tem ocorrido com várias mulheres nos últimos meses em manifestações
DIOGO BERCITOENVIADO ESPECIAL AO CAIRORESUMO A musicista Yasmine El Baramawy, 30, protestava na icônica praça Tahrir em novembro passado quando, arrastada por uma multidão de homens, foi estuprada repetidas vezes. À Folha ela diz que aterrorizar uma mulher de maneira que ela deixe de se manifestar é, também, uma forma de desrespeitá-la. Ontem, Baramawy voltou à praça, escoltada por amigos. "Aprendi a ir em grupos."
Eu estava na praça Tahrir em 23 de novembro, em um grande protesto contra a declaração constitucional de Mohammed Mursi. Fiquei perto dos confrontos com as forças de segurança.
Naquele dia, todos estávamos unidos contra a Irmandade Muçulmana.
Um pouco após o pôr do sol, quando já estava escuro, um homem me agarrou dizendo que estava me protegendo --só que de uma coisa que não estava ali. Ele começou a me puxar.
No começo, eram 15 homens. Então eles se tornaram uma multidão. Era imenso.
Não sei dizer, talvez uma centena.
Algumas pessoas viram o que estava acontecendo comigo, mas é difícil dizer o que estava ocorrendo. Não sei quantos deles estavam realmente tentando me ajudar. Tudo estava tão confuso...
Muitos manifestantes lutaram por mim ali, mas não era o suficiente. Os estupradores eram muitos, e eles tinham armas. Os ativistas em Tahrir não estão preparados para isso, eles não são membros de gangues ou nada assim.
HUMILHAÇÃO
Eles me estupraram de diversas maneiras com as mãos. Não com o pênis. Um homem veio por trás e me estuprou com um canivete. Uma outra mulher teve a vagina e o ânus abertos com uma faca, foi muito pior.
O que acontece não é só uma violência sexual. São crimes violentos. Eles humilham as mulheres.
Eles abusaram de mim na Tahrir e então me levaram a um canto próximo da praça. Continuaram. Fui arrastada a outra rua, depois mais adiante, então me puseram em cima de um carro e seguiram me estuprando.
Estava de costas, e eles pressionavam as mãos em mim para que eu não pudesse me mover.
Puseram um capuz na minha cabeça e dirigiram até uma região distante. Foi um caminho longo, talvez dez, quinze minutos.
Lá, alguns moradores perceberam o que estava acontecendo e lutaram por mim. Consegui ser resgatada.
Nunca tinha ouvido falar sobre esse tipo de violência no Egito. Eu ainda vejo cenas daquele dia. Às vezes, sinto o estupro no meu corpo. Preciso segurar minhas roupas.
Tenho sonhos ruins também. Fico irritadiça. Tenho alguma coisa dentro de mim e preciso gritar de repente.
Há um grande desrespeito pela mulher no Egito. A maior parte das pessoas pensa que as mulheres são escravas, que são coisas que eles podem comprar. Principalmente os mais velhos.
ESTIGMA
O estupro deixa um estigma na mulher e silencia a família. Isso no mundo todo, não apenas no Egito. Mas, depois que comecei a falar sobre isso, e outras mulheres também, ficou mais fácil de lidar. Tenho, além disso, o apoio dos meus amigos. Muitas pessoas agem como se nada tivesse acontecido, porém.
Acho que é também um desrespeito quando, de alguma maneira, uma mulher é impedida de participar das manifestações por ter medo de estar ali.
Eu nunca me arrependi de ter ido à praça Tahrir. Eu me juntei à revolução, naqueles dias. Essa era a coisa certa a ser feita. Não penso nisso.
Aprendi, agora, a ir em grupos. Naquele dia, estava com outra amiga, que também foi estuprada quando nos separaram. Hoje, meus amigos vão me levar para o protesto. Estou esperando por eles.
    SAIBA MAIS
    Egito tem onda de estupros com manifestações
    DO ENVIADO AO CAIRONas sombras das renovadas manifestações em massa no Egito, o país testemunhou na última semana nova onda de abusos sexuais contra mulheres. Ao menos 91 foram estupradas no período de quatro dias, de acordo com a Human Rights Watch.
    Porém, para Fatemah Khafagy, líder feminista de um escritório governamental de combate ao estupro, a situação tem melhorado.
    Segundo ela, a polícia passou a cooperar com os ativistas de maneira inédita desde a queda do presidente Mursi, na quarta.
    Khafagy acredita que a recente onda de estupros é obra de islamitas, ainda que não tenha provas disso.
      ANÁLISE
      Drama no país se desenrola seguindo roteiro conhecido
      SIMON SCHAMADO "FINANCIAL TIMES"O Cairo está passando pelo terceiro ato da paixão revolucionária, aquele no qual a euforia das ruas se depara com as armas dos militares.
      Por enquanto, os dois lados estão trocando um abraço fraternal.
      Os soldados, trazendo aos ombros a bandeira tricolor do país, são recebidos como heróis do povo, como aqueles que libertaram a população de opressores disfarçados em libertadores.
      É um momento de festa e fogos de artifício. Desta vez tudo será diferente.
      Mas nunca é. O primeiro ato é a "Concretização do Impossível": o poder autocrático por muito tempo visto como indestrutível se desintegra de dentro para fora, e a crise é adiantada quando o governo termina paralisado pelo imenso número de almas que tomam as ruas.
      O segundo ato desanima um pouco, e vai adiante em forma de "Divisão dos Vitoriosos", com cada parte alegando personificar os objetivos da revolução, ainda que as metas de cada grupo estejam em conflito inconciliável.
      Uma facção fica por cima, e promete, com a mão no coração e o olhar voltado à Providência lá em cima, respeitar a liberdade e as opiniões dos oponentes.
      Logo em seguida, age para esmagá-los e monopolizar o poder.
      Os perdedores se resignam ao papel de oposição leal, até o momento em que percebem que sua sobrevivência mesma está em jogo.
      A parte tediosa --redigir constituições, depositar votos, fazer discursos-- vai se desenrolando, mas parece cerveja chocha quando comparada à embriaguez deslumbrante da comunhão com as massas.
      O primeiro ato é como o agitar de uma varinha de condão. A liberdade fará com que chovam pães e peixes; ninguém governará a não ser em nome do povo unido; os congestionamentos de trânsito do Cairo serão coisa do passado. Espantosa, revoltante e imperdoavelmente, nada disso se materializa.
      Um ano inteiro se passou e a vida de ninguém está melhor. Que escândalo!
      É evidente que o mago era um trapaceiro.
      Hora de tirá-lo de cena.
        Nobel da Paz pode ser nomeado para vice-Presidência
        DO ENVIADO AO CAIROUm dos fundadores do movimento de oposição Kefaya ("basta", em árabe), embrião dos protestos que culminaram no golpe militar da semana passada, George Ishak diz que o diplomata Mohamed ElBaradei poderia liderar o Egito de maneira justa.
        ElBaradei, prêmio Nobel da Paz em 2005, chegou a ser anunciado como primeiro-ministro do Egito no sábado para, em seguida, ter sua nomeação desmentida pela própria Presidência.
        Ontem, um porta-voz da Presidência disse que "provavelmente" ElBaradei se tornaria vice-presidente. O cargo de primeiro-ministro ficaria com o social-democrata Ziad Baha al-Din. A confirmação deve sair hoje.
        À Folha, Ishak afirmou que o impasse em torno do cargo de premiê foi criado pelo partido salafista Al-Nur, em retribuição ao fechamento de canais de televisão islamitas pelo Exército nos momentos seguintes ao golpe.
        "Estamos lidando com isso. Eles querem uma garantia de que os canais permanecerão abertos. A oposição deles não tem a ver com o nome de ElBaradei."
        PROTESTOS
        Tanto a oposição quanto os simpatizantes do presidente deposto Mohammed Mursi organizaram, ontem, manifestações em massa pelo país.
        Em Alexandria, ouviram-se tiros durante os protestos e 29 pessoas ficaram feridas ao longo do dia, segundo o Ministério da Saúde
        A promotoria pública do Egito pediu a prisão de dois membros de alto escalão da Irmandade Muçulmana, de acordo com a mídia local ""Essam el-Erian e Mohamed el-Beltagy. Eles são acusados de incitar a violência contra durante os protestos.
        "Está claro que há preconceito contra a Irmandade", disse Abdul Rahman El-Barr, um dos líderes da organização. "Eles não entendem o significado de democracia'."
        Gehad el-Haddad, porta-voz dos islamitas, afirmou à reportagem estar frustrado com a reação internacional ""por enquanto, cautelosa em condenar os eventos políticos recentes no Egito, onde o primeiro presidente democraticamente eleito foi deposto.
        "Outros países podem fazer a diferença. O apoio deles fez com que [o ex-ditador Hosni] Mubarak ficasse no poder por quase 30 anos", afirmou. "Está claro que a voz do povo só é ouvida se coincidir com os interesses internacionais", disse el-Haddad.

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