quarta-feira, 24 de julho de 2013

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folha de são paulo
Ordenação cabralina
Governador fluminense, no intuito de punir atos de violência, confere poderes autoritários e inconstitucionais a comissão
Foi um susto. O comboio de Francisco se encaminhou pela pista errada da avenida Presidente Vargas, no Rio de Janeiro, e o veículo do papa, de vidros abertos, terminou cercado por uma multidão. Ao longo de 500 metros e 12 minutos, fiéis chegaram perto o suficiente para tocar o pontífice.
Federico Lombardi, porta-voz do Vaticano, admitiu que a situação despertou apreensão na comitiva. De acordo com ele, porém, Francisco "estava sorridente, tranquilo", e o resultado, do ponto de vista da igreja, foi considerado positivo.
Sem que tenha provocado consequências mais graves, o episódio, ainda assim criticável, não representa mais que uma falha na organização do evento.
É de outra ordem o equívoco de Sérgio Cabral (PMDB), governador do Rio, ao editar decreto com a finalidade de coibir a violência e a depredação do patrimônio público e privado durante manifestações. Trata-se, neste caso, de inaceitável retrocesso autoritário.
Publicada no Diário Oficial do Estado na segunda-feira, a norma cria a Comissão Especial de Investigação de Atos de Vandalismo em Manifestações Públicas (Ceiv). Seu objetivo é elogiável: dar maior eficiência às apurações, punir envolvidos nesse tipo de crime e prevenir novas ocorrências.
São tão abusivos os poderes da comissão, no entanto, que especialistas até duvidaram de sua veracidade. "É um delírio. Eu recebi [a notícia] achando que era uma piada de internet. Quem edita um decreto desse está brincando com o Estado democrático", afirmou o advogado Técio Lins e Silva.
Dois dispositivos chamam a atenção. Pelo artigo 2º do decreto, a Ceiv pode "praticar quaisquer atos necessários à instrução de procedimentos criminais", entre outras ações para combater delitos no âmbito das manifestações.
O artigo 3º determina que todas as solicitações da comissão encaminhadas a órgãos do Estado tenham "prioridade absoluta" e obriga operadoras de telefonia e provedores de internet a atender, num prazo de 24 horas, os pedidos de informação feitos pela Ceiv.
Como se o Brasil não fosse um Estado de Direito, o governador do Rio pretende eliminar o sigilo das comunicações --uma das garantias fundamentais da Constituição-- e institucionalizar o abuso de poder, com a fórmula "quaisquer atos necessários". Quaisquer?
Não no Brasil de hoje. Talvez Sérgio Cabral ignore este fato, mas, a exemplo de outros criminosos, vândalos devem, sim, ser identificados e punidos, mas sempre dentro das balizas constitucionais.
Já passou o tempo em que imperava o regime de exceção, e o país não tem saudades dele.
Da arte de enxugar gelo
O título acima poderia resumir uma lista com as diversas medidas adotadas em São Paulo nos últimos anos, sem que seu efeito tenha sido outro que não retardar a contínua piora do trânsito da cidade.
Viadutos, ampliação de vias, faixas de ônibus, rodízio, mais trens e novas linhas de metrô --reconheça-se que não foram poucas as iniciativas de prefeitos e governadores. Os resultados, no entanto, são insuficientes.
Primeiro, porque os investimentos permanecem aquém do necessário; segundo, porque parte dessas medidas mostrou-se equivocada; terceiro, porque a própria política econômica vem estimulando o aumento da frota.
Agora, o prefeito Fernando Haddad (PT), em início de mandato e pressionado pelas manifestações que colocaram o tema na berlinda, procura mostrar serviço. A prefeitura criou cerca de 80 km de faixas de ônibus e pretende implantar mais 140 km até dezembro.
Essas pistas, ainda que menos eficazes do que corredores com espaço para ultrapassagem e plataformas de embarque, vão contribuir para aumentar a velocidade dos ônibus e dificultar a circulação de carros --o que, aliás, já ocorre com o simples aumento da frota.
Estudos mostram que em 2012 a velocidade média caiu 12% em relação ao ano anterior nas grandes avenidas da cidade.
Uma das maneiras de minimizar o problema seria levar o rodízio de veículos para além do centro expandido. A prefeitura cogita incluir no esquema algumas grandes vias, hoje excluídas.
A proposta, como já alertaram especialistas, poderá aumentar a procura por ruas paralelas às impedidas, o que criaria engarrafamentos nos bairros. Será prudente, de fato, um período de teste para avaliar melhor as consequências do aumento da restrição, como estuda a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET).
De todo modo, o provável alívio tenderá a ser transitório. Para atingir um patamar mais eficiente, que desestimule o uso do carro na capital, estima-se que seria preciso dobrar a rede de metrô e construir mais 150 km de modernos corredores de ônibus.
Tal expansão esbarra na carência de recursos (só a duplicação do metrô custaria cerca de R$ 35 bilhões) e num fator disfuncional, que é a divisão de responsabilidades entre Estado (metrô e trens) e município (ônibus). Para enfrentar esse problema é necessário um esforço de planejamento que envolva toda a região metropolitana.
Até lá, ao que parece, as autoridades continuarão a enxugar gelo.

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