segunda-feira, 22 de julho de 2013

Marcos Augusto Gonçalves

folha de são paulo
Retrato de Paulo Prado
Está saindo a edição ampliada de 'Tietê, Tejo, Sena', excelente livro sobre o mecenas da Semana de 22
"Numa terra radiosa vive um povo triste."
A bela frase, que abre o "Retrato do Brasil", de Paulo Prado, parece nos convidar a uma fábula. E é, de certa forma, o que faz. O ensaio, publicado em 1928 por esse paulista incomum, está longe de ser uma explicação aceitável para a formação da sociedade brasileira. Mas é um interessantíssimo retrato de como se poderia fazer um retrato do Brasil na São Paulo daquela época.
O esforço de Paulo Prado em penetrar "a selva escura da história do Brasil" tinha raízes familiares e intelectuais, nas figuras de Eduardo Prado e de Capistrano de Abreu. O primeiro era seu tio. Monarquista como o amigo Joaquim Nabuco, morou em Paris, e era íntimo do escritor português Eça de Queirós. Capistrano, historiador, auxiliou Eduardo em pesquisas sobre temas da história brasileira.
Paulo Prado cresceu no ambiente endinheirado e aristocrático de sua família, cuja história está ligada à ascensão de São Paulo como grande força econômica e política, em finais do século 19.
Fiador da Semana de Arte Moderna na elite paulista, procurou, nas primeiras décadas do século 20, acrescentar ao protagonismo emergente de São Paulo uma camada cultural que o projetasse como destino nacional.
Está chegando às livrarias "o" livro para conhecer a obra desse personagem fascinante e suas conexões biográficas ou históricas. Chama-se "Tietê, Tejo, Sena" (Editora Unicamp) e foi escrito pelo professor Carlos Berriel. A primeira edição, fruto de uma tese de doutorado defendida em 1994, saiu em 2000. Agora, volta revista e ampliada.
Foi de Ruy Castro que recebi a dica do livro, quando começava a pesquisar para escrever sobre a Semana de 1922. Dica generosa e certeira. Na contracapa da nova edição, Ruy diz que foi o melhor livro que ele leu sobre São Paulo na primeira metade do século 20 --e sobre a Semana. Eu também.
Tive a oportunidade de entrevistar o autor na Unicamp, àquela altura mais afastado do tema, dedicando-se ao estudo das utopias.
Tanto melhor que o relançamento venha num momento em que a obra de Paulo Prado já se tornou bem mais encontrável, graças às reedições organizadas por Carlos Augusto Calil.
Neto de dona Veridiana e parente daquelas ruas todas de Higienópolis, Paulo Prado também morou no bairro. Os almoços no casarão da avenida Higienópolis, que já não existe, foram frequentados pelos jovens modernistas, "adotados" por ele, um cinquentão culto, fino e, segundo Mário de Andrade, pessimista. Homem de negócios, colecionador e mecenas das artes, sua atividade intelectual tornou-se mais intensa a partir de 1918, quando tinha 49 anos.
O esquema explicativo do Brasil desenvolvido por Paulo Prado, a partir de ideias de seu tio e de Capistrano de Abreu, recorria a teses racialistas e reservava a São Paulo um papel singular.
Em linhas gerais, os paulistas originais eram filhos "do cruzamento do forte sangue português quinhentista" (e de outros europeus) com os índios. Isolados pelo planalto, os tenazes mamelucos foram preservados da degradação litorânea e da miscigenação com africanos.
Depois de um longo período de decadência, esse povo, que nos dera os bandeirantes (e, portanto, as amplas fronteiras do país), regenerava-se com o ciclo do café e reconhecia sua vocação para exercer a liderança econômica e intelectual na terra radiosa onde vivia um povo triste.
A alegria ainda não era a prova dos nove.

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