quinta-feira, 22 de agosto de 2013

A terra é quadrada - Sílvio Ribas

Correio Braziliense - 22/08/2013

Sonhei que a esta altura da história velhas torpezas humanas como racismo, machismo, homofobia e perseguição religiosa seriam coisas enterradas no passado. Mas o novo milênio ainda não conseguiu derrotar o medo e a ignorância que nos fazem intolerantes com o outro. Os absurdos que temos visto nos últimos dias, potencializados pelas redes sociais, deixaram evidentes o fato de que a Terra ainda é quadrada, ressuscitando aqui uma nostálgica gíria para nomear coisas carrancudamente ultrapassadas.

Se o indivíduo espalhafatoso pode parecer ridículo, a caretice desinibida de hoje chega a ser tragicômica. Outro dia foi a vez de Oprah Winfrey, a bilionária rainha da tevê norte-americana, reclamar de preconceito racial e social em Zurique, na Suíça. A balconista de uma loja de luxo teria sugerido que a estrela afrodescendente não tinha condições financeiras de levar para casa uma peça muito cara.

Em outra parte do mundo, uma jovem iraniana foi proibida de assumir o cargo de vereadora por ser “bonita demais”. Os 10 mil votos dados a Nina Siahkali Moradi, 27 anos, foram anulados em razão de suas “credenciais”, leia-se elegância e belo rosto. Notícia ainda mais repugnante veio da Itália, quando o senador Roberto Calderoli, do partido Liga Norte, comparou Cecile Kyenge, a primeira ministra negra do país, a um orangotango. O vice-presidente do Senado cometeu o deslize motivado pela campanha contra imigrantes, sobretudo os vindos da África.

Os protestos de representantes da torcida organizada do Corinthians contra o atacante Emerson Sheik, que postou na internet foto dando um selinho num amigo, são desmedidos. A fome e a violência expostos à luz do meio-dia no centro da capital paulista deveriam escandalizar e revoltar muito mais. Não conseguimos ver igual debate ou mobilização para reverter o quadro de queda vertiginosa no valor dado à vida. Matam-se hoje pessoas apenas para “matar o tempo”.

Para completar esses exemplos de episódios caducos, um dos principais símbolos do atletismo mundial, a russa Yelena Isinbayeva, causou comoção internacional ao se declarar favorável à legislação antigay de seu país. Depois até tentou consertar a frase infeliz, culpando seu domínio imperfeito da língua inglesa. Mas era tarde. Na mesma Rússia onde líderes soviéticos davam selinhos nos líderes da Cortina de Ferro em frente às câmeras, fornecer informações sobre homossexuais a menores de idade virou crime.

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