quinta-feira, 29 de agosto de 2013

MARINA COLASANTI » Macacos me mordam‏


Estado de Minas: 29/08/2013 


Os cães que se preparem. Um outro animal avança na área da estimação disposto a tomar-lhes a primazia. É o macaco, antigo emparentado nosso. Está no Instagram, está nas folhas, um jogador de futebol tem o seu, um cantor pop também, breve será o favorito das misses.

 Um bicho estranho entrou na minha casa, me disse minha filha ao telefone semana passada. O invasor misterioso havia rasgado um saco plástico, roubado comida e deixado algumas cascas. Aventei a hipótese de um rato, porque era tranquilizadora, mas parecia pouco provável. No dia seguinte, nova pilhagem sorrateira. É um bicho maior, e só pode ter entrado pela janela, me disse a filha, agora bastante inquieta. O mistério se desfez quando o casal do andar de baixo avisou os porteiros: um macaco-prego havia se metido pelo basculante no seu apartamento.

Pois justamente os macacos-prego são os queridinhos da vez. Breve estarão nas ruas, não em cena de primitivismo selvagem, mas na coleira ou pela mão dos seus donos.

Sem saber, adiantei-me à moda. Menina recém-chegada ao Brasil, andava eu um dia pelo enorme jardim da casa da minha família quando vi um filhote mínimo e peludo nas mãos do jardineiro. Nem sabia que bicho fosse, e já estava seduzida. Um bebê de mico-estrela, me explicou o homem. Havia caído do ninho na ventania da noite anterior, estava até com o lábio superior rachado. Será que ele o daria para mim de presente?, pedi quase implorando. Não deu. Mas vendeu pelos pouquíssimos caraminguás da minha semanada. E eu o levei para casa, certa de que minha mãe faria uma cena ou me mandaria devolver. Nem uma coisa nem outra, recebeu-o com encantamento.

Criamos o miquinho como se cria qualquer animal novo, comida especial, panos macios para envolvê-lo e cuidados de amor. Logo ele estabeleceu suas preferências, a nuca da minha mãe debaixo dos cabelos, o alto do armário do quarto dela, e a sala de jantar quando esquecíamos a porta aberta. Andava solto. Nunca lhe pusemos coleira ou o prendemos de qualquer modo. Na casa de tantos cômodos e janelas abertas, ele corria e saltava sem sentir o apelo do verde lá fora, como se esquecido de suas origens. E porque o lábio rachado deixava à mostra os dentinhos superiores, jamais se viu mico mais sorridente.

Naquele ano, pela única vez na minha vida, fui para o colégio interno. E na minha ausência, um bebê filho de uma prima mais velha acrescentou-se à família. Assim, sucedeu que em um dos raros fins de semana livres concedidos pelas freiras, ao chegar em casa eu não encontrasse meu mico. Por insistência da prima, que temia machucasse o bebê, havia sido dado.

Um macaco-prego custa bem mais que a semanada de uma menininha. Tem preço de grife. E vive bem mais que um mico. Nem pode ser pego no mato – ou retido num apartamento depois de entrar pela janela. Tem que ter nascido em cativeiro, ser provido de vacinas, documentação e carteira de identidade. Quase como um humano.

E é justo, porque quase humanas são suas mãos ágeis e frias, humano é o seu modo de abraçar e aconchegar a cabeça, humano, cheio de compreensão e palavras não ditas, o seu olhar. Conviver com um macaco é muito diferente de conviver com um cão, pois o macaco não é o melhor amigo do homem, é o seu mais próximo semelhante. Como bem sabia Tarzan.

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