domingo, 1 de setembro de 2013

Martha Medeiros

Trocas íntimas entre estranhos


Alguns leitores me confundem com conselheira e me revelam seus conflitos internos, na esperança de que eu possa apontar um caminho para que eles vivam melhor. Não é meu ofício: escrevo sobre o que me dá na telha e se servir para alguém, ótimo, mas não me sinto à vontade para entrar na intimidade de cada leitor em particular.


Mas uma dica eu posso dar: leia o livro Pequenas Delicadezas, de Cheryl Strayed.


Já falei dessa autora antes. Foi ela que percorreu sozinha uma trilha nos Estados Unidos e contou a experiência no aclamado livro, que frequentou a lista dos best-sellers. Eu nem imaginava que ela escrevia uma coluna de aconselhamentos. Pois me tornei fã declarada dessa mulher.


Pequenas Delicadezas é uma seleção de perguntas e respostas publicadas no site The Rumpus, mas de forma alguma é literatura de bisbilhotice, aquela coisa de olhar pelo buraco da fechadura dos dramas alheios, o que tantas vezes revela-se piegas.


Cada carta gera um ensaio em que Cheryl conta experiências próprias para ilustrar seu pensamento sobre as questões levantadas. Esbanjando sensatez (coisa que não anda sobrando por aí), ela equaliza causas e efeitos com docilidade, mas sem abusar do bom mocismo e sem encontrar solução para tudo. Ao contrário, ela reconhece que a vida é bem sacana às vezes. Nossos pais nem sempre foram uns anjos, nossa infância “feliz” pode ter sido uma farsa e a maneira como estamos narrando nossa história para nós mesmos pode estar cheia de ficções que já não conseguimos sustentar. Dá para mudar o passado? Não dá. A única coisa que dá para mudar é a maneira como enxergamos tudo o que nos aconteceu (e ainda acontece) e ver o que é possível perdoar, esquecer ou redimensionar.


É comum considerar o escritor como uma espécie de guru – parece que ele é imune a problemas. Cheryl se dá como exemplo justamente porque sua vida não foi um passeio de carrossel, mas ela encontrou suas ferramentas de superação – a própria coluna é uma delas. Sei como é isso. Quando as pessoas me perguntam para quem escrevo, respondo sem rodeios: para mim. Quero descobrir o que eu mesma penso sobre as encrencas com que nos deparamos diariamente. Quando termino o texto, até me surpreendo com as conclusões que chego.


Cheryl vai mais fundo porque se envolve com a dor de quem lhe escreve, mesmo suspeitando que todos sabem o que devem fazer de suas vidas, só estão esperando que alguém lhes dê uma espécie de licença. “Se é por falta de licença, sinta-se autorizado”, é o que ela parece dizer.


Pequenas delicadezas não explora as churumelas do amor nem pretende ser um oráculo. Apenas confirma que viver não é fácil, mas é o que temos pra hoje.

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