quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Portaria cria superfiscal da balada

Vara da Infância e Juventude dá poder a comissários para fiscalizar consumo de bebidas por menores não só em bares e casas noturnas, mas também em festas particulares. Pais, síndicos e inclusive diretores de escola podem ser responsabilizados e pagar até 20 salários mínimos


Paula Sarapu e Valquiria Lopes


Estado de Minas: 09/10/2013 





Contra o consumo de álcool por menores nas baladas, punição e multa para pais, organizadores de festas, síndicos de prédios e até para diretores de escola, em caso de eventos de grupos de alunos, mesmo fora do ambiente escolar. Há quem entenda que a Vara da Infância e da Juventude exagerou na dose e veja inclusive o risco de invasão de privacidade, mas essa é a norma que agora regulamenta o assunto em Belo Horizonte. Contabilizando 956 adolescentes flagrados consumindo bebidas de janeiro a agosto na capital, os 350 comissários da cidade passaram a ter como alvo, além de bares e casas noturnas, eventos particulares. A fiscalização ocorrerá em clubes, condomínios e edifícios, casas de festas e sítios, com base em portaria assinada pelo juiz da Infância e da Juventude Marcos Flávio Lucas Padula. Eventos familiares dentro das residências, inicialmente, estão fora das batidas, mas festas de aniversários, como as de 15 anos, e formaturas já estão sendo fiscalizadas.

“O apartamento era uma questão duvidosa, mas nosso posicionamento é de que, havendo situação de risco, a fiscalização deve ocorrer, mesmo em local particular”, entende o magistrado. “Ela é importante para inibir esse tipo de situação e deixar pais e responsáveis mais precavidos. Esses comissários têm a delegação de poder do juiz para atuar em nome da Justiça.”

Segundo a coordenadora do Comissariado da Vara da Infância e da Juventude, Ângela Maria Xavier Muniz, em grande parte das vezes os próprios adolescentes organizam as festas. Geralmente são de classe média, alunos de escolas particulares, com idades entre 14 e 17 anos. Ângela chama atenção para o fato de, em muitas situações, precisar encaminhar menores embriagados, às vezes em coma alcoólico, a hospitais. Em uma festa de alunos de um colégio e pré-vestibular do Centro, realizada em uma casa de eventos da Pampulha, em julho, mais de 100 menores haviam ingerido bebida alcoólica. Outra comemoração na Rua Pitangui, no Bairro Sagrada Família, reuniu alunos do ensino médio de uma escola estadual e 80 meninas apresentavam sinais de embriaguez, segundo a comissária.

Ângela cita ainda o caso de uma mãe autuada há um mês, em um edifício no Bairro Sion, Região Centro-Sul de BH. “Ela reservou o salão para uma festa do filho e dos amigos e ficou no apartamento, sem saber o que acontecia lá embaixo. Quando chegamos, encontramos alguns embriagados.” Segundo a coordendora, os comissários têm rotas de fiscalização, monitoram as redes sociais e também se baseiam em denúncias.

O adolescente J.L., de 16 anos, conta que geralmente são os amigos acima de 18 anos que conseguem as bebidas e também se responsabilizam pela assinatura de contratos, quando há necessidade de alugar espaço para o evento. “Os mais novos, de 13 anos, gostam de vodca. Os de 15 ou 16 anos costumam tomar cerveja ou doses de uísque e tequila. Sempre há dois ou três que passam mal e vomitam durante a festa”, admite. O garoto participa dessas comemorações e revela que o álcool é usado por muitos colegas para fugir de problemas familiares ou como artifício para enfrentar a timidez. Todos, diz, sabem do risco de serem flagrados pelos comissários e também da responsabilidade que pode recair sobre os pais. Mas o consumo é recorrente até mesmo em festas organizadas pelas famílias. “A maior parte dos pais não sabe. Mas há aqueles que liberam.”

Em caso de flagrante, os responsáveis são chamados e deverão se apresentar à audiência com o juiz, em que responderão civilmente pelo que Marcos Padula chama de omissão e falta de cuidado. “É uma questão da sociedade contemporânea, que dá ênfase à liberdade, mas penso que esteja passando do razoável, com falta de acompanhamento, orientação e autoridade”, analisa. “É preciso que os pais exerçam autoridade com diálogo, por mais difícil que seja. Não podem ignorar o que acontece com os filhos.”

VIGILÂNCIA A nova portaria leva o número 1/2013 e atualiza outra, datada de 1995, que era resumida e só reforçava o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), no que diz respeito à punição para estabelecimentos comerciais que vendiam álcool a menores. Agora, além de quem comercializa, aquele que fornece ou entrega bebida ou tabaco também será punido. Os bares e restaurantes devem estar vigilantes, inclusive, ao espaço que seus clientes ocupam em praças de alimentação ou em mesas e cadeiras nas calçadas.

O presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/MG), Stanley Gusman, faz ressalvas, mas considera a medida legítima. Pessoalmente, ele considera invasão de privacidade a visita do Estado a uma festa particular, mas pontua que os pais devem, sim, ser responsabilizados. “Disso sou a favor, porque o estatuto não prevê outro tipo de sanção”, opina. Gusman lembra que uma casa de festas na Avenida Raja Gablagia foi alvo de fiscalização por duas vezes, nos últimos seis meses, ocasiões em que o comissariado encontrou “diversos adolescentes embriagados”. “Mas acho que é uma portaria subjetiva o bastante para que cada um possa analisar. Quem entender que está sendo individualmente reprimido pode contratar um advogado e recorrer.”

FISCAL DE FESTA A possibilidade de punição incomoda representantes dos síndicos. “Nem mesmo a polícia tem autorização para entrar em uma residência e, sem menosprezar o trabalho dos comissários, não concordo que eles tenham esse direito”, diz o presidente do Sindicato dos Condomínios Comerciais Residenciais e Mistos de Belo Horizonte e da Região Metropolitana, Carlos Eduardo Alves Queiroz. Ele classifica a medida como invasiva e diz que vai gerar conflito. “O síndico tem responsabilidades administrativas no condomínio e não pode ser fiscal de festa. Ele nem mesmo tem autorização para entrar nesses eventos. Só o que pode fazer é chamar o responsável para contornar algum transtorno para os demais moradores, como som alto.”

Como era

Fiscalização em bares, restaurantes, shows e estabelecimentos comerciais

Repressão à venda e ao consumo de bebidas alcoólicas por crianças e adolescentes

Autuação e repressão a estabelecimentos comerciais infratores. Em caso de reincidência,
as casas poderiam ser fechadas

Acionamento dos pais, quando adolescentes eram flagrados ingerindo bebida alcoólica. Os menores eram buscados no local da festa, mediante assinatura de um termo de responsabilidade

Apreensão de documento falso usado com o menor, que era entregue aos responsáveis

Como ficou


A fiscalização passa a ocorrer também em eventos e festas particulares, de aniversários e de formatura, por exemplo, em escolas, sítios e condomínios

Fiscalização de consumo e venda de bebida alcoólica, cigarros e qualquer substância que cause dependência física ou psíquica. Não só quem vende, mas quem entrega ou serve também é punido

Responsabilização de pais, diretores de escolas e síndicos de condomínios onde a infração ocorra, além dos donos de estabelecimentos comerciais infratores. Multa de três a 20 salários mínimos, podendo dobrar na reincidência em caso de estabelecimentos comerciais, que podem ser fechados

Pais de menores flagrados nessas condições são chamados para buscá-los no local da festa. Caso não compareçam, os menores serão levados ao Conselho Tutelar. Pais, responsáveis, síndicos e diretores assinam termo de compromisso e vão a audiências na Vara Cível da Infância e da Adolescência, onde respondem civilmente

Adolescentes com documentos falsos são encaminhados ao Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional (CIA/BH), onde respondem por falsidade ideológica


Linha-dura para idade falsa
Na mesma portaria em que aperta fiscalização sobre consumo de álcool, juiz determina que jovens que usam carteira de outros para entrar em eventos respondam pelo ato na polícia



Paula Sarapu e Valquiria Lopes

Verificação de documentos de menores em shows será intensificada (Jackson Rmanelli/EM/D.A Press - 22/4/12)
Verificação de documentos de menores em shows será intensificada


O que todo mundo quer, na adolescência, é fazer logo 18 anos. Mas, para acelerar o calendário e entrar nas festas badaladas, shows ou boates, não é raro encontrar adolescentes que falsificam documentos, usando fotos e dados de um amigo ou irmão mais velho. Mas, se pouco ou nada acontecia até agora com quem usava o artifício, o juiz da Vara Cível da Infância e da Juventude de BH, Marcos Flávio Lucas Padula, resolveu endurecer o jogo. De acordo com nova portaria do juizado, menores flagrados com documentos falsos serão encaminhados pela Polícia Militar ao Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional (CIA/BH), onde responderão por infração equivalente a falsidade ideológica.

Segundo o magistrado, essa é uma prática comum. Este ano, até 31 de agosto, 191 adolescentes foram pegos com documentos adulterados ou portando identificação de outra pessoa. Durante as fiscalizações dos comissários da Vara da Infância e da Adolescência, 836 menores foram encontrados em locais sem alvará de funcionamento ou em desacordo com a faixa etária estabelecida pelo juiz para determinado evento. “Observamos cada vez mais esse tipo de situação. Deixamos clara nessa portaria a responsabilidade do adolescente que usa identidade falsa, o que é crime”, explicou.

A coordenadora do Comissariado da Vara da Infância e da Juventude, Ângela Maria Xavier Muniz, diz que os jovens demonstram respeito pelos comissários e ficam preocupados quando são flagrados nas festas, principalmente pelo que pode acontecer. “Antes, a portaria existente só falava da obrigação de os estabelecimentos exigirem documento dos adolescentes. Agora, eles podem até chamar a PM. O que nos espanta é que, na maioria das vezes, os pais nem sabem onde os filhos estão.”

O uso de documento falso por adolescentes é visto pelo psicanalista da PUC Minas Vitor Ferrari como a busca de outra identidade. “Esses meninos querem construir o lugar deles, querem mudar de papel e para isso vão pelo caminho mais fácil. Nada parece ser mais propício do que usar o documento de alguém para se parecer mais velho”, diz. Ele repudia os excessos, mas avalia como positiva a decisão de punir os menores flagrados em festas e eventos com documento falso. “A punição é uma medida muito boa para conter essa irregularidade. Se não houver castigo, a sociedade se desregula”, completa.

Quem convive com a rotina de levar e buscar filhos adolescentes em festas recomenda atenção da família ao comportamento dos filhos. “É preciso saber com quem eles andam, o que fazem e que locais estão frequentando. Não dá para deixar um menor solto, sem controle. Podemos confiar no filho, mas sem perdê-lo de vista”, diz o pai de uma adolescente, que pediu para não ser identificado. Ele recorda que em uma comemoração a que a filha costuma ir, se assustou com a realidade de outras famílias. “Presenciei por mais de meia hora muitas meninas, menores, bonitas e com roupas sensuais, entrando sozinhas ou em duplas em táxis para voltar para casa. Fiquei me perguntando onde estavam os responsáveis pela garotas”, conta.

Entre janeiro e setembro, 29.550 fiscalizações foram feitas pelos comissários da Vara da Infância e da Juventude da capital em bares, restaurantes, festas e eventos. O número representa 86% de todas as vistorias de 2012, quando houve 34.354 ações. O psicanalista Vitor Ferrari chama a atenção para o papel da família. “Os pais não podem se furtar à  imposição de limites, do controle e da correção de comportamentos”, diz. Ele afirma que,  como os responsáveis pelos menores, as escolas não podem abrir mão do papel de educar. “Se a família é omissa, a indústria publicitária de bebidas e do tabaco e o traficante não são. Vendem a ideia de acesso à felicidade, ao prazer, em um momento delicado da vida, que é a adolescência.”

Nenhum comentário:

Postar um comentário