sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Próteses do futuro vão restituir a sensação de tato‏

Próteses do futuro vão restituir a sensação de tato Norte-americanos fazem com que macacos sintam o toque sobre a pele ao serem estimulados diretamente no cérebro 

Isabela de Oliveira

Estado de Minas: 08/11/2013

Brasília – Quando digita um texto, uma pessoa, mesmo sem perceber, realiza um complexo trabalho, que vai muito além de simplesmente levar um dos dedos até a tecla certa. A força imposta sobre o teclado, por exemplo, é fundamental. Se a pressão for excessiva, a tarefa pode se tornar árdua, e o equipamento, ser danificado. Ao mesmo tempo, se cada batida for muito suave, as letras não aparecem na tela. A rapidez da escrita também depende da percepção de que o toque anterior foi bem-sucedido para que as mãos procurem o próximo caractere, e assim por diante.

Um processo semelhante ocorre em várias outras atividades cotidianas, como girar uma maçaneta, segurar um copo de vidro ou tirar o celular do bolso. Realizar todo esse trabalho com desenvoltura só é possível graças a receptores na ponta dos dedos e nas mãos que se comunicam diretamente com o cérebro. Sem essa sensibilidade, movimentos que parecem banais se tornam muito complicados. E é isso que explica a grande dificuldade de criar próteses mecânicas que cumpram bem a tarefa de substituir as mãos e os braços.

A robótica já conseguiu avançar a ponto de fabricar membros com dedos articulados muito semelhantes aos reais, mas como fazer com que o usuário tenha total controle da força empregada ao usar o equipamento e sinta as texturas como as demais pessoas? Um estudo da Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, promete ajudar na busca por essas próteses ideais. Cientistas da instituição conseguiram fazer com que macacos rhesus tivessem a mesma sensação do toque ao terem seus cérebros estimulados por eletrodos. O sistema pode ajudar humanos no futuro a usarem mãos artificiais que garantam a sensação de tato natural.

O trabalho segue uma linha semelhante à desenvolvida pelo neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis. Sliman J. Bensmaia, principal autor da pesquisa, conta que o projeto começou há sete anos, quando ele passou a trabalhar com neuropróteses. “Estudo o sentido do tato há 18 anos e, para mim, esse trabalho constitui um passo importante na tentativa de reconstituir as funções sensoras e motoras em pacientes amputados e tetraplégicos. O que eu posso antecipar, agora, é que partiremos em breve para os testes em humanos”, afirma ao Estado de Minas. 

Por enquanto, as pesquisas foram realizadas com três macacos rhesus, que, durante os experimentos, tiveram seus cérebros monitorados para que fossem identificadas as áreas do córtex estimuladas quando seus dedos eram tocados. Depois, os pesquisadores notaram que a ativação dessas áreas por eletrodos implantados nessas regiões gerava nos animais a mesma sensação do toque. 

Eles puderam afirmar isso porque os bichos foram treinados a se comportar de determinada maneira quando tinham os dedos tocados – por exemplo, olhar à direita quando o estímulo era no indicador. Mais tarde, quando o dedo não era tocado, mas o cérebro recebia o estímulo, os animais agiam da forma como tinham sido condicionados, dando certeza aos cientistas de que eles estavam experimentando o tato diretamente no cérebro.


Pressão Em uma segunda fase da experiência, Bensmaia e colegas buscaram simular a sensação de pressão. Um algoritmo foi utilizado para calcular a força exercida sobre cada dedo, e os dados foram convertidos em uma quantidade adequada de corrente elétrica para estimular as áreas do cérebro onde a sensação é percebida. Mais uma vez, os eletrodos registraram os padrões neurais parecidos com os registrados quando o toque foi dado diretamente na mão. 

 Uma última etapa, semelhante às outras, tentou replicar a sensação de segurar e soltar um objeto e obteve os mesmos resultados. Os macacos não tiveram membros amputados para realizar os procedimentos. As informações recebidas pelos sensores embutidos nas próteses robóticas podem ser enviadas diretamente para as vias neurais com os eletrodos, de forma que a prótese não precisa ser ligada ao corpo.

Para Paulo Sérgio Boggio, coordenador do Laboratório de Neurociência Cognitiva e Social do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde da Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo, o estudo investiga uma questão crucial para as próteses do futuro. “A questão da sensibilidade é um ponto-chave. Ela ajuda a guiar os movimentos, de forma que não exista exagero ou ausência de pressão ao segurar uma taça de vinho, por exemplo. Ninguém calcula deliberadamente quantos Newtons de força estão sendo usados para abrir uma maçaneta”, comenta o especialista, que não participou do trabalho. “O estudo traz um baita avanço. No entanto, ele sugere um método invasivo que necessita de estimulação diretamente. Mesmo assim, é importante para pavimentar o caminho rumo a essas próteses mais sensíveis”, acrescenta.

Embora reconheça que a microestimulação intracortical seja extremamente invasiva, Sliman Bensmaia acredita que o passo é necessário para melhorar os modelos de prótese existentes hoje. “A técnica tem potencial de restaurar o sistema sensorial, e isso é suficiente para justificar o risco, especialmente em pacientes com lesão medular, para quem muitas opções menos invasivas não estão disponíveis”, argumenta.


Três perguntas para...

Rogério Sales Gonçalves, professor da Faculdade de Engenharia Mecânica da Universidade Federal de Uberlândia (UFU)

O que já existe hoje no mundo das próteses sensíveis?
A maioria das próteses existentes são funcionais para realização de tarefas simples do cotidiano, como pegar objetos, permitindo inclusive as pessoas se alimentar e tomar um copo de água. As próteses mais avançadas permitem o acionamento a partir de sinais enviados pelo próprio corpo, isso é, para pegar um objeto, o usuário contrai um determinado músculo e, com isso, a prótese é acionada. Quanto maior a intensidade dessa contração, maior a força aplicada sobre o objeto. Esses equipamentos podem ter sensores de força e de temperatura, mas as informações não são enviadas para o cérebro. Da mesma forma, as próteses existentes não conseguem ainda enviar para o cérebro informações sobre o tato.

Qual é o maior desafio para produzir esses equipamentos?
É estabelecer formas de interação com o meio ambiente, fazer a interpretação dessa interação e transformar as informações em sinais que serão enviados ao cérebro em regiões específicas. Por exemplo, ao tocar uma pessoa, podemos sentir leves tremores dessa pessoa, e o nosso cérebro consegue distinguir se aquele tremor é devido a um susto, a um estado de febre ou mesmo a um sentimento de atração. O maior problema é enviar esses sinais para o cérebro e para o local correto.

Qual é o futuro das próteses?
Acredito na possibilidade de termos membros superiores e inferiores totalmente substituídos e as próteses serem sensíveis. Já temos vários órgãos artificiais, inclusive corações, e pesquisas que conseguem, a partir das células-tronco, construir órgãos.

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