domingo, 29 de dezembro de 2013

A carta ao Papai Noel - André Luiz Pires de Miranda


A carta ao Papai Noel 
 
Cada vez mais restrito a faturas, o envelope entregava emoções


André Luiz Pires de Miranda
Professor da Universidade Fumec

Estado de Minas: 29/12/2013 


Em 1796, ainda quando a população mundial se aproximava do 1º bilhão, o imperador Napoleão escreveu à sua amada Josefina: “não passo um dia sem te desejar, nem uma noite sem te apertar nos meus braços; não tomo uma chávena de chá sem amaldiçoar a glória e a ambição que me mantêm afastado da vida da minha vida”. Passados mais de 200 anos, milhares de crianças ainda se utilizam desse instrumento, por acreditar ser essa a alternativa mais próxima de alcançar o Papai Noel. Também há aqueles que acreditam ser o melhor caminho para falar com presidentes e/ou personagens “inatingíveis”, tese comprovadamente derrubada por meio da experiência com os “seis graus de separação”. A carta, portanto, ainda é um instrumento de validação do imaginário e uma forma de solenizar o sentido do seu envio. Portanto, ainda não morreu!

Evidentemente que as mensagens curtas em formato digital e, em sua maioria, sem aquela qualidade literária tradicional das cartas, têm provocado mudanças significativas nas formas de comunicação, justificada pela pressa em atingir o destinatário. Melhor usar o Whatsapp, o Twitter, o email etc. A carta que leva e traz expectativas quanto ao teor da notícia, portadora de alegrias, tristezas, aflições, tem se restringido às faturas das contas de luz, água, telefone, cartão de crédito. Enfim, não tem transmitido momentos de felicidade. Não retrata mais o quanto inspirou a música gravada por Isaurinha Garcia: “Quando o carteiro chegou e meu nome gritou (…). Porque na incerteza eu meditava e dizia: será de alegria? Será de tristeza?” Onde está, afinal, a emoção? Certamente está em qualquer uma daquelas cartas do programa Papai Noel dos Correios, criado há 24 anos pelos funcionários que, se atendida, levará grande felicidade ao remetente. Ao escrevê-la, ele relatou ali um pouco da sua história e toda a sua expectativa e crença em um dia especial de Natal. Sua resposta é como se fosse um reconhecimento por ter “passado de ano”, ter se comportado bem e obedecido a seus pais e que, agora, aguarda a realização de um sonho, que pode ser um brinquedo especial, uma visita inesperada, enfim, a carta transformadora de sonhos em realidade. Resgata-se, assim, a função do mensageiro, do carteiro, hoje restrita à entrega de correspondências formais, o que induz uma ação transformadora da instituição Correios, em razão do avanço da tecnologia e da mudança de hábitos, comprovadamente, sem volta.

Poder-se-ia afirmar que o abandono da carta é fruto do imediatismo, da pressa, culturalmente inimiga da perfeição e que, consequentemente, destrói a emoção contida em um instrumento escrito de forma pensada, com expressões escolhidas para lhe dar o melhor sentido e dizer aquilo que brota do fundo da alma. Se optou pela carta, certamente não há pressa, assim como afirma Chico Buarque na canção Futuros amantes: “amor não tem pressa, ele pode esperar / num fundo do armário / na posta restante / milênios quiçá”. E assim milhares de crianças aguardaram o retorno de uma, talvez já escrita há meses. Pode ter certeza que ali havia uma emoção contida e uma grande oportunidade de mostrar gratidão e generosidade.

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