sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

CARLOS HERCULANO LOPES » O último Natal‏


CARLOS HERCULANO LOPES » O último Natal
Estado de Minas: 27/12/2013





Depois de quase quatro décadas morando no mesmo lugar, uma velha casa – das mais antigas da Floresta –, bem no coração de Belo Horizonte, sua proprietária, uma senhora já caminhando para os 80 anos, mas ainda com forte espírito de luta e resistência, acabou decidindo, depois de muito meditar, que estava na hora de se mudar.

Era uma pena, mas não dava mais para ficar ali: muito espaço só para ela, pois nenhum dos filhos vivia mais na sua companhia; manutenção difícil, com reparos precisando ser feitos; a inevitável preocupação com a segurança; além de tantas lembranças que às vezes, trazendo uma ponta de tristeza, insistiam em voltar ao seu coração, fazendo-a sentar-se na cadeirinha de balanço, fechar os olhos e, aos poucos, se deixar levar pelos pensamentos.

Vinham então, como ondas, o dia em que, na pequena cidade onde moravam no Vale do Rio Doce, recebeu um telegrama, por meio do qual o marido, numa alegria só, dava a notícia de que havia comprado uma casa em Belo Horizonte: “É muito bonita, bem arejada; fica num ponto ótimo; tenho certeza de que você irá gostar”, dizia o texto.

E algum tempo depois, não sem um nó na garganta, ocorreu a mudança para a capital: a matrícula dos filhos nos colégios ali mesmo próximos ao bairro; a transferência de trabalho e as constantes viagens do companheiro, que, por não poder abrir mão dos seus negócios, ainda ficou durante anos num vaivém entre a capital e a cidade onde viviam.

Em todas essas coisas, e em tantas outras, das quais já julgava esquecidas, aquela senhora, tantos anos depois, quando estava sozinha naquela casa da Floresta, costumava pensar. Até que, prática como sempre foi e depois de muito ouvir o coração, viu que não havia mesmo outro jeito, e que teria de iniciar uma nova fase na vida.

“Fui feliz nesta casa: aqui criei meus filhos, vi nascer meus netos, vivi bem com meu marido até a sua morte; nela também me despedi da minha mãe, fui amiga dos vizinhos, dos quais irei sentir falta. Mas não dá mais, o meu tempo aqui acabou.”

E foi assim que, há umas três semanas, aquela senhora, que continua a grande líder da família, pegou o telefone e, um a um, ligou para os filhos comunicando a decisão de se mudar. Comentou ainda com seus irmãos e com algumas outras pessoas mais próximas.

De terça para quarta-feira, com a chuva sem tréguas sobre BH, a família então celebrou, não sem muita emoção, aquele que, provavelmente, depois de 40 anos, foi o último Natal na velha casa da Floresta.

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