quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Carro, presente de Deus ou de grego?‏

Carro, presente de Deus ou de grego?
Eduardo Amaral Gomes
Médico Ortopedista

Estado de Minas: 15/01/2014


Observa-se, atualmente, com uma frequência cada vez maior, estampado no vidro traseiro dos automóveis, um adesivo em letras garrafais, para deleite dos felizes e orgulhosos motoristas, usuários de um bonezinho com a aba voltada para trás: “Presente de Deus”. Denota-se no adesivo a concretização de um acalentado sonho, em nível mundial: a posse de um automóvel está, atualmente, em primeiro lugar na lista de consumo dos bens duráveis, até mesmo na frente da tão sonhada casa própria – em segundo plano, dado seu elevado valor e prolongado tempo para a efetivação da aquisição.

Mas, pensando racionalmente, seria mesmo um presente de Deus ou estaria o orgulhoso proprietário usando o Seu santo nome em vão? Observa-se tal fato até mesmo na área da construção civil. Quando da compra de um apartamento, por exemplo, o cabeça do casal preocupa-se, fundamentalmente, com a vaga de garagem, onde ele vai guardar seu valioso carrinho. Pede ao vendedor detalhes como o número de vagas, dimensões, se é coberta ou não, se é livre ou travada. A infeliz esposa, preocupada com as diminutas dimensões da cozinha, onde um tem que sair quando o outro entra, ou com a área minúscula do quarto do filho adolescente, onde não cabe uma cama de casal, fica em segundo plano. Alguns corretores até acham que o marido gosta mais do carro do que da esposa.

Por outro lado, as despesas de um carro são múltiplas, equivalendo às de uma segunda família. Economistas de renome fizeram as contas, na ponta do lápis, e chegaram à conclusão de que um veículo zero quilômetro, popular, rodando 1.250 quilômetros por mês e totalmente pago, equivale a uma despesa de, no mínimo, R$ 800 mensais. Incluem-se aí a depreciação acentuada do veículo e o custo de oportunidade, que seria o rendimento auferido mensalmente se o dinheiro pago estivesse aplicado em uma instituição financeira qualquer. Com um detalhe: deixando-se o automóvel totalmente parado em uma garagem, a economia que se faz é somente do combustível que se deixa de gastar. O taxímetro das outras despesas continua a trabalhar dia e noite.

Se o veículo for financiado, o que ocorre na maioria das vendas, aí é que a “porca torce o rabo”, lembrando que 58% da frota brasileira de veículos é financiada. Muitas vezes, o adquirente de um carro preocupa-se em saber se o valor do financiamento cabe em seu bolso, desprezando os juros a serem pagos, a quantidade de prestações e demais despesas inerentes à manutenção do veículo.

Desse modo, somando-se os R$ 800 de despesas mensais mais a mensalidade do financiamento de R$ 500, por exemplo, de um carro dito popular, chegaríamos à estonteante quantia de R$ 1.300 mensais, se não houver “acidente de percurso”, como uma batida, por exemplo. Como o ainda feliz proprietário não vive de vapor de gasolina, seu salário para sobreviver e com as despesas do carro deveria ser, pelo menos, o dobro, cerca de R$ 2.600 mensais líquidos, salário difícil de receber por muita gente. Muitas pessoas também se esquecem de que as despesas com um carro nos três primeiros anos de uso equivalem ao preço de outro carro novo.

Se o saltitante proprietário do carro tem outros financiamentos, como o da casa própria, empréstimo consignado, cartão de loja, cartão de crédito, cheque especial, empréstimos bancários e outros, e não fizer os cálculos na ponta do lápis, terá uma porta aberta para o caos financeiro; ou seja, o tão temido superendividamento, um inferno astral para o devedor. Tal fato denota o elevado número de inadimplentes em carros financiados.

Destarte, conclui-se que, muitas vezes, se não posicionado financeiramente, o presente de Deus pode se transformar em um presente de grego.

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