sábado, 15 de fevereiro de 2014

Robôs cupins‏

Robôs cupins 
 
Inspirados no comportamento dos insetos, cientistas de Harvard criam máquinas capazes de construir pilhas de blocos em equipe 
 
Roberta Machado
Estado de Minas: 15/02/2014


As pequenas máquinas em ação: sem receberem dados prévios sobre o projeto, elas agem de maneira praticamente instintiva (Eliza Grinnell/ Harvard/ Science)
As pequenas máquinas em ação: sem receberem dados prévios sobre o projeto, elas agem de maneira praticamente instintiva

Brasília – Para muitas pessoas, cupins podem ser sinônimo de destruição. Afinal, esses pequenos insetos são capazes de derrubar fundações de casas sólidas, sumir com árvores inteiras e transformar coleções de livros em poeira. Essas criaturas, no entanto, também têm um talento para criar. Unidas, colônias de cupins têm a força e a habilidade para construir enormes montes de terra, por vezes com muitos metros de altura. Dentro dessas casas naturais, complexos sistemas de túneis são a prova do trabalho de uma espécie que nasceu para agir em equipe.

Tamanha eficiência serviu de inspiração para uma equipe de pesquisadores de Harvard, que traduziu o comportamento coordenado dos bichinhos em complexos algoritmos que servem de guia para robôs construtores. Assim como os térmites, as máquinas feitas pelos cientistas norte-americanos podem, juntas, montar complexas estruturas por conta própria, sem precisar de um plano de ação. Os robôs não se comunicam entre si, nem contam com as ordens de uma rainha. Mas, graças à inteligência reproduzida do mundo animal, sabem o que fazer para levantar grandiosos conjuntos projetados pelo homem.

Por enquanto, essas máquinas foram testadas construindo torres de blocos de espuma com pontos magnéticos que se encaixam como um brinquedo de montar. Mas, em breve, a equipe espera usar o mesmo princípio em tarefas bem mais úteis à humanidade, desenvolvendo modelos fortes o suficiente para levantar barreiras de sacos de areia em áreas de enchente, ou até mesmo para criar bases de pesquisa em outros planetas sem a ajuda de humanos.

Qualidade A chave para o funcionamento bem-sucedido das máquinas construtoras, explica um artigo publicado ontem na revista Science, está em um conceito chamado estigmergia, um tipo de comunicação implícita. Os robôs se dirigem automaticamente para a pilha principal de blocos e recolhem uma peça sem saber o que farão com eles. Mas, conforme retornam para a construção, eles notam onde seus colegas estão e qual local precisa de uma nova peça. “Ele vai tentar completar a estrutura, no caso com os blocos. Pegará material onde nós o colocamos, andará sobre a estrutura até achar algo que precise ser feito e o fará”, explicou em uma teleconferência à imprensa Kirstin Peterson, pesquisadora do Instituto Wyss de Engenharia Bioinspirada, de Harvard, e uma das responsáveis pela criação dos robôs insetos.

Durante o processo, as máquinas não têm noção do que as outras estão fazendo nem de quanto falta para concluir a construção. “Nos perguntam como um robô sabe que terminou a tarefa. Ele não sabe. Continua controlando a estrutura, arrumando o que precisa. E, se nada precisar ser arrumado, ele só vai andar”, esclarece Peterson. Uma estrutura pode ser construída por um robô ou por uma dezena deles, sem que isso afete a qualidade do trabalho.

O projeto levou quatro anos para ser concluído e exigiu que a equipe criasse um hardware capaz de cumprir a tarefa de construir uma complexa estrutura tridimensional, mas com a maior simplicidade possível. As máquinas só  se movem para a frente e para trás, e rodar em torno do próprio eixo. Ao pegar um bloco, elas têm a habilidade de carregá-lo e depositá-lo, no máximo, um nível acima, o que as obriga a montar as estruturas em forma de escada que pode ser sempre subida e aumentada.

A referência para esses robôs é um bloco principal, de onde as máquinas iniciam um fluxo contínuo. Eles seguem um conjunto de regras de “tráfego” e circulam a construção sempre na mesma direção, para não atrapalhar os outros. “Para garantir a segurança, eles olham para onde os blocos não foram colocados e se certificam de que certas condições foram cumpridas. Isso permite provar que nenhuma situação com a qual os robôs não possam lidar vá ocorrer ”, aponta Justin Werfel, pesquisador da Universidade de Harvard e principal autor do trabalho.

Toda a ação é feita de forma quase instintiva, algo pouco comum em máquinas. Se o mesmo projeto for submetido aos robôs em várias situações, a probabilidade é de que eles tomem diferentes caminhos para concluí-lo a cada vez, se adaptando ao ambiente em que estão. Se uma máquina for retirada do grupo, se os blocos estiverem em um local diferente ou se algum deles cometer um erro, tudo pode influenciar nas decisões que os pequenos construtores tomam para levantar a estrutura pedida.

O resultado, no entanto, será sempre parecido. O projeto une a inteligência da natureza à precisão das máquinas. “Os detalhes de como cupins de verdade constroem montes são diferentes da forma como os robôs montam estruturas”, ressalta Werfel,  acrescentando:  “Uma razão para isso é que os objetivos são diferentes. Cupins não tentam construir uma estrutura específica, afinal não existem dois montes de cupins que sejam exatamente iguais”.

Cada robô cupim é equipado com um sistema de rodas híbridas com pequenas pernas cada uma, projetadas para escalar degraus com estabilidade. A orientação dessas máquinas é baseada num conjunto de sete sensores infravermelhos que geram imagens em preto e branco do que os cerca, um acelerômetro que os ajuda a saber o ângulo de inclinação da subida e cinco unidades de sonar. O braço mecânico é simples, com formato para recolher blocos, levá-los em segurança e encaixá-los no local correto.

Biologia As pesquisas tecnológicas com inspiração biológica têm ganhado popularidade nos últimos anos, e o trabalho de Harvard é um bom exemplo de como cientistas olham para a natureza para criar um sistema artificial mais eficaz. “Pequenas regras microscópicas dão origem a uma riqueza de comportamento que a ciência e a tecnologia tentam trabalhar em cima”, observa Sílvio Queiroz, pesquisador do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas.

“Começamos a construir coisas e a adaptar sistemas que conhecemos há muito pouco tempo, se compararmos com os 3,5 bilhões de anos de vida na Terra. E, ao longo desse período, a natureza otimiza sistemas que permitem ser altamente eficientes e que os humanos não têm capacidade de fazer”, diz Queiroz, que atualmente estuda os mecanismos de voo dos pássaros. 

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