quarta-feira, 19 de março de 2014

Mais segurança à futura mamãe - Luciane Evans

Mais segurança à futura mamãe 
 
Pesquisadores mineiros propõem a informatização do partograma, documento que registra dados da paciente durante o trabalho de parto e que não vem sendo usado adequadamente 
 
Luciane Evans
Estado de Minas: 19/03/2014


Na teoria, o partograma, documento que permite acompanhar a evolução da mulher em trabalho de parto, é uma ferramenta fundamental para a segurança da maternidade, tanto para o profissional quanto para a paciente. É ali que é feito um gráfico com as informações sobre a dilatação da gestante, o que facilita a interpretação dos dados por todos os envolvidos. Mas na prática, apesar de ser simples e recomendado a todas as maternidades brasileiras, essa folha de papel quadriculada não vem sendo usada adequadamente. O problema, considerado preocupante pelos médicos, foi constatado por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que detectaram, ainda, que mais de 17% dos partogramas de um hospital da rede pública da capital mineira tinham sido extraviados.

São cerca de 3 milhões de partos por ano no país e estima-se que 17,4 bebês faleçam para cada mil nascidos vivos e cerca de 72 gestantes faleçam a cada 100 mil nascidos vivos, por causas associadas à gestação. Em busca de fatores que justificassem esse cenário, em 2011 e 2012 o obstetra Gabriel Costa Osanan junto da equipe de obstetrícia do Hospital das Clínicas (HC) da UFMG, foi a campo. A princípio, o sistema de partograma seria o mais indicado para mostrar esses fatores, porém, Osanan identificou uma série de deficiências em seu uso.

Para que esses equívocos sejam evitados, o pesquisador e sua equipe do HC estão agora debruçados em uma melhoria dessa realidade. Segundo ele, a ideia é a informatização do partograma. "Com isso, o preenchimento seria mais adequado e poderia oferecer informações de qualidade, que ajudassem a equipe na assistência à parturiente, ou mesmo um gestor de uma maternidade no diagnóstico de dificuldades de logística no funcionamento de plantões."

A ideia é transformar a folha de papel em um software adequado para o uso rotineiro nas maternidades de todo o país. "Mas deverá ser algo fácil, que interaja com os profissionais. Com isso, será mostrado o horário das informações no documento. Hoje, há profissionais que o preenchem como uma retrospectiva, ou seja, não no exato momento que deveria. Com o software, haverá mais informações fidedignas e o documento poderá ser feito no quarto da paciente."

Criado na década de 1970 por um grupo de profissionais que trabalhava na África, o documento, também considerado uma representação gráfica da evolução do trabalho de parto, tinha como objetivo inicial orientar parteiras e enfermeiras que atendiam as mulheres daquele continente no momento de dar à luz, e, como tal, era uma segurança a mais para as mamães. "Como havia muitas pacientes e poucos médicos para esse atendimento, ele foi criado para possibilitar que as parteiras enxergassem a evolução da parturiente, à medida que se preenchia o papel, e se tudo ocorria bem, ou não. A facilidade de visualizar qualquer desvio do habitual permite ao profissional intervir mais precocemente quando necessário", afirma Osanan.


INÍCIO Ele destaca que, em 1987, a Organização Mundial de Saúde (OMS) preconizou o uso do documento em todo o mundo. "Em  1994, a entidade ainda fez um estudo com mais de 35 mil pacientes e constatou que, com o uso do partograma, diminuíram a morte de fetos, o uso de medicamentos durante o parto e até de cesarianas. Foi a partir daí que os países começaram a adotá-lo nas maternidades. No Brasil, há 10 anos ele está no Sistema Único de Saúde (SUS)", comenta Osanan. Ele explica que quando uma mulher chega à maternidade em trabalho de parto com quatro centímetros de dilatação, por exemplo, essa informação vai constar no partograma, junto com o seu prontuário.

"Vamos supor que, às 16h, ela tinha essa dilatação e, às 17h, tinha cinco centímetros. Essas informações são colocadas de hora em hora por quem a atende, facilitando avaliar a evolução da gestante: se ela está caminhando para a dilatação total ou se está parando. Outro ponto importante que o documento mostra é o que deve ser avaliado, se a cabeça da criança está encaixada ou não, se o coração está batendo, se há contrações, se a bolsa rompeu, entre outros. Ou seja, ele documenta todo o trabalho de parto", diz. Além disso, o documento é um retrato da assistência à mulher, lembrando que a área da obstetrícia é a que tem mais reclamações na Justiça.

Mas, apesar da tamanha importância desse papel, a tese de Osanan, que avaliou o uso dele em duas maternidades públicas de Belo Horizonte e região, apontou ineficiência. O estudo entrevistou 53 profissionais, entre enfermeiras obstetrizes, médicos obstetras e residentes, gestores e até advogados, para entender as dificuldades de preenchimento e a opinião deles sobre o uso do partograma. Analisou também o seu preenchimento na prática diária. "Os resultados encontrados foram preocupantes: o preenchimento completo do partograma foi encontrado na minoria dos casos", relata o pesquisador, que detectou ainda que mais de 17% dos partogramas de um hospital da rede pública tinham sido extraviados.

De acordo com Osanan, foi percebido que, na maioria das vezes, há uma dificuldade em preencher o documento adequadamente, seja porque as pessoas não têm o hábito de fazê-lo, seja porque os profissionais não dão tanta importância a ele. "É um procedimento que organiza a assistência ao parto, fica na cabeceira da paciente. Para  preenchê-lo não é preciso uma grafia clara, já que é um gráfico, o que facilita a interpretação de qualquer profissional da saúde. É fundamental, principalmente, durante uma troca de plantões, em que outra equipe vai atender a paciente e terá, com o papel, todas as informações do trabalho de parto", defende.

PROTÓTIPO No momento, os pesquisadores estão à procura de parceiros para o programa. Trata-se de um trabalho conjunto dos departamentos de Obstetrícia da UFMG e da Ciência da Computação. "Não é um sistema barato, mas é um ganho para o profissional e até para o hospital. Além de ser um documento também para a paciente, que será acompanhada de uma forma mais visível", diz. Ele acredita que o partograma informatizado poderá solucionar problemas relacionados à acessibilidade dos dados e à qualidade da informação. "É um documento legal imprescindível para a defesa do profissional ou para mostrar à paciente que sua assistência foi feita de forma adequada. Portanto, o extravio é um importante ponto a ser solucionado.

Com o partograma informatizado, seria possível imprimir uma segunda via, trazendo mais segurança e confiança para todos os envolvidos." Futuramente, caso o sistema apresente resultados positivos, o objetivo é possibilitar a inserção de dados no partograma por meio de um aplicativo de celular ou até mesmo com a voz. Até o fim de 2015, a equipe espera ter dado início ao sistema.

Saiba mais
partograma
O partograma é um gráfico onde são anotadas a progressão do trabalho de parto e as condições da mãe e do feto. É um instrumento da obstetrícia moderna , que associa a simplicidade do manejo a uma utilidade prática sem precedentes. Corretamente usado nos hospitais e maternidades, o documento garante o acompanhamento preciso do trabalho de parto e do fim da gestação. 

Palavra de especialista
João Steibel
Presidente da Comissão de Assistência ao Parto, Abortamento e Puerpério da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia 
Acompanhamento preciso e eficaz
"Em geral, percebemos que o partograma não é preenchido, apesar de ser de extrema importância para a assistência ao parto. Não sei dizer o porquê disso, mas pode estar havendo preguiça por parte dos médicos em fazer esse trabalho. O documento permite um acompanhamento mais preciso e é fundamental durante os estágios de plantões, uma vez que permite à equipe que chega ter dados completos do trabalho de parto da paciente. Mas o partograma não é obrigatório nas materinidades. Há uma recomendação para seu uso. Porém, se houvesse uma lei com punição para a má utilização do documento, essa realidade poderia ser outra. Acredito que a informatização seja interessante, mas de nada adiantará se não houver uma consciência médica sobre isso."  

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