quarta-feira, 4 de junho de 2014

Frei Betto - Renasce o fascismo‏

Renasce o fascismo
 
Mussolini se dizia socialista e o partido de Hitler se chamava Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães


Frei Betto
Escritor, autor de Batismo de sangue (Rocco), entre outros livros
Estado de Minas: 04/06/2014


Jean-Marie le Pen, líder da direita francesa, sugeriu deter o surto demográfico na África e estancar o fluxo migratório de africanos rumo à Europa enviando, àquele sofrido continente, “o senhor Ebola”, uma referência diabólica ao vírus mais perigoso que a humanidade conhece. Le Pen fez um convite ao extermínio.

O ex-presidente francês Nicolas Sarkozy propôs a suspensão do Tratado de Schengen, que defende a livre circulação de pessoas entre 30 países europeus. Já a livre circulação do capital não encontra barreiras no mundo. E, nas eleições de 25 de maio, a extrema-direita aumentou o número de seus representantes no Parlamento Europeu. A queda do Muro de Berlim soterrou as utopias libertárias. A esquerda europeia foi cooptada pelo neoliberalismo e, hoje, frente à crise que abate o Velho Mundo, não há nenhuma força política significativa capaz de apresentar uma saída ao capitalismo.

Aqui no Brasil, nenhum partido considerado progressista aponta, hoje, um futuro alternativo a esse sistema que só aprofunda, neste pequeno planeta onde nos é dado desfrutar do milagre da vida, a desigualdade social e a exclusão.

Caminha-se de novo para o fascismo? Luis Britto García, escritor venezuelano, frisa que uma das características marcantes do fascismo é a estreita cumplicidade entre o grande capital e o Estado. Este só deve intervir na economia, como apregoava Margareth Thatcher, quando se trata de favorecer os mais ricos. Aliás, como fazem Obama e o FMI desde 2008, ao se desencadear a crise financeira que condena ao desemprego, atualmente, 26 milhões de europeus, a maioria jovens.

O fascismo nega a luta de classes, mas atua como braço armado da elite. Prova disso foi o golpe militar de 1964 no Brasil. Sua tática consiste em aterrorizar a classe média e induzi-la a trocar a liberdade pela segurança, ansiosa por um “messias” (um exército, um Hitler, um ditador) capaz de salvá-la da ameaça.

A classe média adora curtir a ilusão de que é candidata a integrar a elite, embora, por enquanto, viaje na classe executiva. Porém, acredita que, em breve, passará à primeira classe. E repudia a possibilidade de viajar na classe econômica. Por isso, ela se sente sumamente incomodada ao ver os aeroportos repletos de pessoas das classes C e D, como ocorre hoje no Brasil, e não suporta esbarrar com o pessoal da periferia nos nobres corredores dos shoppingcenters. Enfim, odeia se olhar no espelho.

O fascismo é racista. Hitler odiava judeus, comunistas e homossexuais e defendia a superioridade da “raça ariana”. Mussolini massacrou líbios e abissínios (etíopes) e planejou sacrificar meio milhão de eslavos “bárbaros e inferiores” em favor de 50 mil italianos “superiores”. O fascismo se apresenta como progressista. Mussolini, que chegou a trabalhar com Gramsci, se dizia socialista, e o partido de Hitler se chamava Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, mais conhecido como Partido Nazista (de Nationalsozialist). Os fascistas se apropriam de símbolos libertários, como a cruz gamada, que, no Oriente, representa a vida e a boa fortuna. No Brasil, militares e adeptos da quartelada de 1964 a denominavam “Revolução”.

O fascismo é religioso. Mussolini teve suas tropas abençoadas pelo papa quando enviadas à Segunda Guerra. Pio XII nunca denunciou os crimes de Hitler. Franco, na Espanha, e Pinochet, no Chile, mereceram bênçãos especiais da Igreja Católica. O fascismo é misógino. O líder fascista jamais aparece ao lado de sua mulher. Como dizia Hitler, às mulheres fica reservada a tríade Kirche, Kuche e Kinder (igreja, cozinha e criança). O fascismo é anti-intelectual. Odeia a cultura. “Quando ouço falar de cultura, saco a pistola”, dizia Goering, braço direito de Hitler. Quase todas as vanguardas culturais do século 20 foram progressistas: expressionismo, dadaísmo, surrealismo, construtivismo, cubismo, existencialismo. Os fascistas as consideravam “arte degenerada”.

O fascismo não cria, recicla. Só se fixa no passado, um passado imaginário, idílico, como as “viúvas” da ditadura do Brasil, que se queixam das manifestações e greves e exalam nostalgia pelo tempo dos militares, quando “havia ordem e progresso”. Sim, havia a paz dos cemitérios, assegurada pela férrea censura, que impedia a opinião pública de saber o que de fato ocorria no país.

O fascismo é necrófilo. Assassinou Vladimir Herzog e frei Tito de Alencar Lima; encarcerou Gramsci e madre Maurina Borges; repudiou Picasso e os teatros Arena e Oficina; fuzilou García Lorca, Victor Jara, Marighella e Lamarca; e fez desaparecer Walter Benjamin e Tenório Júnior. Ao votar este ano, reflita se por acaso você estará plantando uma semente do fascismo ou colaborando para extirpá-la.

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