sábado, 19 de julho de 2014

Do lado do povo [João Ubaldo Ribeiro] - Carlos Herculano Lopes

Estado de Minas: 19/07/2014

Do lado do povo -  Carlos Herculano Lopes
 
Com Viva o povo brasileiro, João Ubaldo Ribeiro escreveu a saga da formação brasileira a partir do olhar das pessoas comuns





Morre aos 73 anos o escritor João Ubaldo Ribeiro, autor de Sargento Getúlio.  Romancista baiano teve obras adaptadas para o teatro, cinema e televisão   (Márcia kranz/divulgação)
Morre aos 73 anos o escritor João Ubaldo Ribeiro, autor de Sargento Getúlio. Romancista baiano teve obras adaptadas para o teatro, cinema e televisão


O escritor João Ubaldo Ribeiro, autor do épico Viva o povo brasileiro, morreu na madrugada de ontem, de embolia pulmonar, aos 73 anos. Ele estava em sua casa, no Leblon, Zona Sul do Rio de Janeiro, quando se sentiu mal por volta das 3h. Baiano de Itaparica, era um dos mais celebrados escritores brasileiros, imortal da Academia Brasileira de Letras, eleito em 1993, onde ocupava a cadeira de número 34. O corpo foi velado, como manda a tradição, na sede da ABL. O enterro deverá ser realizado hoje, às 10h, no mausoléu da academia, no Cemitério de São João Batista, em Botafogo. A família espera a chegada da filha do escritor, Manuela, que mora na Alemanha.

Nascido em 23 de janeiro de 1941, com apenas dois meses João Ubaldo foi com a família para Sergipe, onde viveu até os 11 anos. Em Aracaju, onde os Ribeiro passaram a morar, seu pai, Manoel, trabalhou como professor e advogado. Muitos anos depois, após ter morado por um período no Rio de Janeiro e em Lisboa, ele voltaria a viver em Itaparica, onde permaneceu por sete anos. Adorava a ilha, que lhe serviu de inspiração para muitos textos e onde era querido por todos os moradores.

Nas andanças da família, já de volta à Bahia, foi matriculado no Colégio Sofia Costa Pinto e depois transferido para o Colégio da Bahia, também conhecido como Colégio Central. Foi ali que conheceu e se tornou amigo do cineasta Glauber Rocha, com quem chegou a editar revistas culturais na juventude, além de participar do movimento estudantil. Foram muito ligados até a morte de Glauber, em 1981.

Formado em direito pela Universidade Federal da Bahia, João Ubaldo Ribeiro não chegou a exercer a profissão. A literatura o conquistou desde cedo. Seu primeiro livro, Setembro não tem sentido, foi escrito quando tinha 21 anos e já dava mostras, pela densidade do texto, do que viria em seguida. O primeiro nome que escolheu para o romance de estreia foi A semana da pátria, mas um editor o convenceu a mudá-lo. O mesmo ocorreria com outro livro, Vencecavalo e o outro povo, de 1974, que pela vontade do autor se chamaria A guerra dos paranaguás.

Entre as atividades que exerceu antes de dedicar-se exclusivamente à literatura, foi professor da Escola de Administração e da Faculdade de Filosofia da Universidade Federal da Bahia e jornalista. Foi repórter, redator, chefe de reportagem e colunista do Jornal da Bahia, e editor-chefe da Tribuna da Bahia. Velhos colegas de profissão até hoje falam da sua brilhante passagem pela imprensa baiana. Ultimamente, publicava crônica semanal em jornais do Rio e de São Paulo, além de colaborar com o Jornal de Letras, de Portugal, o Times Literary Suppplement, da Inglaterra, e o Frankfurter Rundschau, da Alemanha.

Ainda no início da carreira de ficcionista, João Ubaldo foi um dos jovens autores brasileiros a participar do International writing, programa da Universidade de Iowa, nos Estados Unidos. Em 1964, o escritor fez mestrado em ciência política na Universidade da Carolina do Sul, curso que está na base do único ensaio que publicou, Política: quem manda, por que manda, como manda, de 1981. O romancista também morou em Berlim entre 1990 e 1991, a convite do Instituto Alemão de Intercâmbio. Sobre a sua experiência na Alemanha, deixou um delicioso livro de crônicas, Um brasileiro em Berlim.

A consagração veio em 1971 com a publicação do romance Sargento Getúlio, que lhe rendeu o Prêmio Jabuti como autor estreante. Traduzido para várias línguas, a novela, de acordo com a crítica, “sintetizava o melhor de Graciliano Ramos e Guimarães Rosa”. O livro foi levado ao cinema por Hermano Pena, em 1983, com Lima Duarte no papel principal. Atualmente, Sargento Getúlio circula o Brasil em adaptação para o palco do Grupo de Teatro NU, da Bahia.

As obras de Ubaldo sempre foram vistas com interesse por diretores de teatro, cinema e televisão. O romance O sorriso do lagarto, de 1989, foi adaptado para minissérie da TV Globo, no início da década de 1990, com Tony Ramos, Maitê Proença e José Lewgoy no elenco. O apimentado romance A casa dos budas ditosos ganhou uma elogiada adaptação para o teatro em 2003, em monólogo de Fernanda Torres, com direção de Domingos de Oliveira. O espetáculo deu à artista o Prêmio Shell de melhor atriz naquele ano.

Épico popular

Seu livro de maior repercussão entre os leitores e a crítica foi o romance Viva o povo brasileiro, que Ubaldo começou a escrever em 1982, com o título provisório de Alto lá, meu general. Lançado em 1984, daria ao autor outro Jabuti, além de traduções em vários idiomas. Romance caudaloso, conduzido com ritmo épico e humor, Viva o povo brasileiro cruza dados históricos com elementos da cultura popular, propondo outro olhar sobre a formação do brasileiro. João Ubaldo construiria com seu livro uma obra de forte peso político – pela visão popular e a contrapelo da história oficial –, realizada com sofisticado tratamento da linguagem.

Nesta época, na companhia do colombiano Gabriel García Márquez e do argentino Jorge Luis Borges, João Ubaldo foi um dos convidados para participar de uma série de filmes sobre a América Latina, produzidos por uma rede de televisão do Canadá. Três anos depois do lançamento de Viva o povo brasileiro, o livro foi escolhido como tema do samba-enredo da Escola de Samba Império da Tijuca.

No encerramento de seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras, em 1994, ele disse com emoção: “Tendo sido criado em Sergipe até os 11 anos, não posso deixar de ser meio sergipano; tendo nascido em Itaparica, sou baiano. Agradeço, abraço e peço a bênção ao povo da Bahia e de Sergipe. Imagino que agora, lá na ilha, algum itaparicano levanta um copo em minha lembrança, e lá, em Aracaju, tão doce e amável na minha infância, algum amigo antigo fala em mim com orgulho conterrâneo”.

Em 2008, o escritor foi escolhido para receber o Prêmio Camões, o mais importante para autores de língua portuguesa. João Ubaldo Ribeiro foi casado com Maria Beatriz Moreira Caldas, com quem teve dois filhos, Emílio e Manuela. Em 1980, se casou com Berenice de Carvalho Batella Ribeiro, com quem teve dois filhos, o ator Bento Ribeiro e Francisca.



“Minha geração se vai. Companheiro de tantas viagens, conversas, risos. Um personagem. Foi se encontrar com Glauber,
a quem venerava, com Jorge Amado, que idolatrava, com Zélia, com Scliar. Assim como ele disse, décadas atrás, em um hotel de Colônia, aos gritos: ‘Que falta você faz, Glauber’, digo agora, ‘Que falta você faz João Ubaldo’.”

. Ignácio de Loyola Brandão, escritor e jornalista


“Foi uma surpresa, um choque para a academia. Ele estava muito bem disposto, em um momento de plena produção literária. É uma grande perda para as letras. Ele renovou a literatura brasileira. Com a publicação de Viva o povo brasileiro ele inaugurou uma nova etapa do nosso romance.”

. Geraldo Holanda Cavalcanti, presidente da Academia Brasileira de Letras


“João Ubaldo foi um escritor revolucionário. Trouxe nova dicção para a literatura focada nos personagens populares do Brasil. Fez da ilha de Itaparica um resumo do Brasil. Após ciclo de grandes romances, João Ubaldo se destaca por crônicas primorosas, extremamente criativas. Textos que são deliciosos pelo modo como tratam, de forma desabusada e satírica, os problemas brasileiros.”

. Miguel Sanches Neto, romancista e crítico


Um clássico irreverente Para escritores e críticos, a obra de João Ubaldo Ribeiro é referência importante para a literatura brasileira contemporânea, com destaque para o livro Viva o povo brasileiro

Walter Sebastião

 (TV Brasil/Divulgação)

“É com tristeza que recebo a notícia da morte de João Ubaldo, tanto pela perda do ser humano quanto do grande escritor, reunidos num só corpo”, afirma a escritora Nélida Piñon. Ela conheceu o colega nos anos 1960, trocando correspondência com ele. O amigo, conta, foi tipo divertido, irreverente – “de humor rabelaisiano” – e muito crítico, que gostava de ridicularizar a realidade. Para Nélida, o escritor era homem culto, que sustentou trabalho de ficção exercitando o idioma português com riqueza e apuro. “Ele era leitor dos clássicos. Desde cedo entrou nos mistérios da língua portuguesa”, conta, recordando que o pai de João Ubaldo obrigava o filho a ler clássicos portugueses.

Com formação barroca, baiano, observa Nélida, não foi difícil para João Ubaldo abraçar a volúpia “pela excedência” e pela multiplicidade de formas, que, para ela, é fundamento do pensamento do escritor. “O livro Viva o povo brasileiro, para mim o grande romance dele, tem título carnavalesco, como se Ubaldo já soubesse que um dia seria homenageado por escola de samba”, brinca. A obra do escritor não se reduz a esse título, observa a escritora, destacando ainda Sargento Getúlio e A casa dos budas ditosos. Este, de acordo com Nélida, é ideal para quem quer entrar na literatura do baiano “de forma divertida, pela luxúria, por meio de provocação, com linguagem indecorosa no melhor sentido”.

Nelida Piñon fez parte do grupo – “com Afrânio Coutinho à frente” – que foi à casa de João Ubaldo para convencê-lo a se candidatar à Academia Brasileira de Letras. “Ele fez charme, sempre fazia, dizendo que não se importava com a carreira, mas aceitou, não foi empurrado. Inscreveu-se, submeteu-se ao belo ritual da casa e tomou posse”, conta. O escritor foi homem que gostava do bem viver, “de convívio agradável, histriônico e teatral”, mas também era caseiro, acordava cedo para caminhar pelas ruas do Leblon, onde morava. “João Ubaldo levava tempo para concluir um livro, o que é bom sinal, por indicar a seriedade com que tratava a literatura”, observa a colega de academia.

O crítico e romancista Silviano Santiago conheceu o escritor baiano nos anos 1970. “João Ubaldo tem uma das obras mais sólidas da literatura brasileira atual, então é perda grande”, afirma. A obra do escritor dá continuidade à “linha vitoriosa do romance brasileiro”, que vem dos anos 1930, que é o regionalismo. “O que o distancia da linguagem neorrealista é a aproximação, buscando atualização estética com João Guimarães Rosa, sobretudo no que refere à visão inventiva, imaginosa, da língua portuguesa”, explica. Vê, inclusive, guardadas as distâncias, afinidade entre a prosa do baiano e a poesia de vanguarda do fim dos anos 1950.

O projeto cultivado por João Ubaldo, para Silviano Santiago, era escrever o “grande romance moderno brasileiro” de sua geração. “Que tomou forma com Viva o povo brasileiro”, observa. O crítico considera que o livro está para a geração dos anos 1960 (a de Ubaldo) como Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa, está para a dos anos 1950, e Macunaíma, de Mário de Andrade, para a dos anos 1920. O estudioso confirma: “É unanimidade que João Ubaldo esbanjava simpatia e bom humor. Foi um tipo popular e sabia disso”, diz.


Regionalismo que se abre para o universal

Letícia Malard/Especial para o EM

O baiano João Ubaldo Ribeiro (1941-2014) foi um dos mais talentosos, produtivos e diversificados escritores do Brasil contemporâneo. Foi, também, dos brasileiros mais premiados e adaptados para o cinema e a televisão, no país e no exterior. Na primeira década do século 21, várias de suas obras foram traduzidas na Alemanha. Extremamente culto, polêmico e engajado politicamente, sua marca dominante é a denúncia político-social, privilegiando temas e locações da Bahia. Pautadas num regionalismo que se abre para o universal, nelas a tragédia, a ironia e o humor se sobrepõem, numa espécie de continuidade do melhor Jorge Amado, de quem foi amigo e recebeu grandes elogios desde o primeiro livro publicado.

Jornalista, professor universitário de direito e ciências sociais na juventude, tradutor, teatrólogo e sobretudo romancista e contista, Ribeiro foi considerado por grande parte da crítica como o maior romancista brasileiro vivo. O primeiro romance – Setembro não tem sentido (1968) – já anunciava o mestre de estilo que explodiria com Sargento Getúlio (1971). Publicado nos anos mais duros da ditadura militar, seu tema é a condução de um preso por policiais através do sertão, espécie de alegoria ao regime ditatorial. Traduzido no estrangeiro, foi o livro que lhe trouxe notoriedade.

eguiram-se os romances Vila Real (1979), Viva o povo brasileiro (1984), O sorriso do lagarto (1989), O feitiço da Ilha do Pavão (1997), A casa dos budas ditosos: luxúria (1999), Diário do Farol (2002) e O albatroz azul (2009), entremeados com vários livros de contos, crônicas e infantojuvenis.

Concentremo-nos nos romances: na quarta capa do terceiro, Vila Real, Ubaldo já dizia a que vinha: “Sou contra as belas letras, a contrafação, o elitismo. Acho que o principal problema do escritor brasileiro é a busca da nossa linguagem, do nosso fabulário, dos nossos valores próprios”.

É o que se vê com toda a exuberância em Viva o povo brasileiro, um épico que abrange três séculos da história do Brasil contada no espaço do Recôncavo Baiano e no avesso da história oficial. É a saga de um povo em busca de sua identidade e de sua raízes.

O sorriso do lagarto se afasta do universo regionalista, apesar de passar-se em Itaparica. As personagens poderiam viver em qualquer cidade brasileira litorânea, girando em torno de traições, mentiras, vingança e demonismo,

Em O feitiço da Ilha do Pavão retorna o Ubaldo estilista, manejador da língua portuguesa de modo ímpar, não só na sintaxe e no vocabulário, mas também nos elementos satíricos, no riso de si mesmas das personagens e na melhor técnica de montagem da narrativa contemporânea.

No Diário do Farol – narrativa de um religioso monstro, tomado pela doença mental –, o escritor atinge o ápice de sua carreira romanesca. Narrada em primeira pessoa, é uma obra demolidora, ácida, contundente, o que há de melhor em nossa literatura.

Letícia Malard é professora emérita da UFMG.

Um mar de histórias Contos e romances do escritor baiano fizeram sucesso no cinema, no teatro e na televisão. Em Minas Gerais, Ponto de Partida levou para o palco personagens da obra-prima do autor



Carolina Braga

Fernanda Torres em A casa dos budas ditosos, adaptação para os palcos do apimentado romance do escritor baiano (Luciana Prezie/Divulgação)
Fernanda Torres em A casa dos budas ditosos, adaptação para os palcos do apimentado romance do escritor baiano


“Foi meu companheiro de muitas noites”, brinca a diretora do Grupo Ponto de Partida, Regina Bertola. Isso porque os livros do escritor não só frequentaram a cabeceira da cama dela, como um deles serviu de inspiração para um dos espetáculos mais marcantes na carreira da companhia de Barbacena: Viva o povo brasileiro. “Ele foi incrível com a gente. Nosso contato foi só em conversas. Usamos do livro dele o nome e as ideias da Alminha do poleiro das almas e o herói baiano”, lembra Regina.

João Ubaldo não chegou a ver a montagem, que estreou em 1996. O musical era uma proposta muito particular do Ponto de Partida, no sentido de ressaltar a identidade nacional a partir de uma ópera popular. “Ele era muito boa-praça e ficou superorgulhoso porque o texto da personagem Alminha foi escrito por Bartolomeu Campos de Queirós. Ele achou uma proposta diferente e ficou empolgado”, diz Bertola.

Embora não tenha escrito especificamente para teatro, a obra de João Ubaldo é frequentemente levada aos palcos. Uma das adaptações mais marcantes foi o monólogo A casa dos budas ditosos, com Fernanda Torres e direção de Domingos de Oliveira. O espetáculo, que estreou em 2003, deu à artista o Prêmio Shell de melhor atriz naquele ano. Assim como no romance, a personagem narra no palco as experiências sexuais de uma mulher de 68 anos. Na versão teatral, Fernanda Torres sustenta 90 minutos de espetáculo sem se levantar da cadeira. Fica o tempo todo sentada, atrás de uma mesa com um gravador e em nenhum minuto perde a atenção do espectador. Humor e picardia em altas doses.

Atualmente, o Grupo Teatro NU, da Bahia, percorre o Brasil com a montagem de Sargento Getúlio. Em agosto, passará por Belo Horizonte na programação do festival Palco Giratório, do Sesc. Na adaptação de Gil Vicente Tavares, o romance deu origem a um monólogo com o ator Carlos Betão. A peça marcou tanto os cinco anos da companhia como também os 70 de Ubaldo, que esteve presente na plateia. “Homenageá-lo em vida, com nossa montagem de Sargento Getúlio, ao menos deu-nos o consolo, ao Teatro NU, de não repetir o erro recorrente deste país, que, muitas vezes, deixa morrer à míngua grandes homens para depois exaltá-los”, escreveu o dramaturgo no texto publicado no site da companhia.

Para o diretor Gil Vicente Tavares, seja no teatro, no cinema ou na televisão, a adaptação da obra de João Ubaldo Ribeiro sempre demandará esforço. “Por ter um forte teor poético, acho que muitas das grandes obras sejam inadaptáveis, porque valorizam o que a literatura tem como ferramenta”, destaca. Para o dramaturgo baiano, o escritor é um dos grandes romancistas do século 20. “Conseguiu traduzir muito bem essa Bahia, esse Nordeste, o sertão e esse povo do interior. Tem uma força muito grande e um teor poético marcante.”

O ator Carlos Betão na montagem baiana do espetáculo Sergento Getúlio, que chega a BH no mês que vem (Lica Ornelas/Divulgação)
O ator Carlos Betão na montagem baiana do espetáculo Sergento Getúlio, que chega a BH no mês que vem


Com a bênção de Glauber

Curiosamente, a estreia de João Ubaldo na sétima arte foi como ator, em A idade da terra (1980), filme de Glauber Rocha. Como eram grandes amigos, ele fez uma ponta no longa. “Fui apresentado ao João pelo Glauber Rocha. Fiz uma viagem a Salvador para entrevistar o Jorge Amado e o Glauber me disse: ‘Você vai conhecer o maior escritor brasileiro’. Eles eram muito amigos e se pareciam um pouco. Tinham aquele gestual exuberante na maneira de falar e também na maneira de ver o mundo”, comenta o jornalista e escritor Zuenir Ventura.

Depois disso, o nome de João Ubaldo Ribeiro surge em fichas técnicas como o roteirista na adaptação de Sargento Getúlio (1983). O longa dirigido pelo cearense Hermanno Penna e protagonizado por Lima Duarte foi o vencedor do Festival de Gramado, em 1983, com os Kikitos de melhor filme, ator, coadjuvante e som, curiosamente criado por Zé Celso Martinez Corrêa e seu Teatro Oficina.

João Ubaldo voltaria ao cinema em 1996, na adaptação de um clássico de seu conterrâneo Jorge Amado. Foi ele quem assinou o roteiro de Tieta do agreste, longa de Cacá Diegues com Sônia Braga, Marília Pêra e Chico Anysio no elenco. A parceria com o diretor se repetiu em 2003, com o roteiro de Deus é brasileiro, inspirado em O santo que não acreditava em Deus.

 O mesmo conto também serviu de base para um seriado na TV, em 1993. Para a telinha, o trabalho mais marcante ligado ao nome de Ubaldo foi a minissérie O sorriso do lagarto (1991), com dramaturgia de Walter Negrão. Exibida entre junho e agosto de 1991, tinha Maitê Proença, Tony Ramos e Raul Cortez no elenco.

Zuenir Ventura completa dizendo que João Ubaldo deixa um legado como cronista e romancista, sobretudo por sua visão de mundo e independência. “Não era ligado a nenhum partido, não tinha vinculação ideológica. E como escritor deixa essa literatura maravilhosa.”

João Ubaldo escreveu o roteiro de Deus é brasileiro, de Cacá Diegues, filme estrelado por Antônio Fagundes e Wagner Moura (Zeca Guimarães/Divulgação)
João Ubaldo escreveu o roteiro de Deus é brasileiro, de Cacá Diegues, filme estrelado por Antônio Fagundes e Wagner Moura



“A literatura brasileira perde um grande nome com a morte de João Ubaldo Ribeiro. Neste momento de dor, presto minha solidariedade aos familiares, amigos e leitores.”

. Dilma Rousseff, presidente da República, em comunicado oficial


“João Ubaldo é dono de texto poderoso e deixa contribuições muito importantes no conto, na crônica e no romance. É um dos autores mais fortes de minha geração, gente que já está indo embora, como Moacyr Scliar ou os mineiros Oswaldo França Júnior, Roberto Drummond e Wander Piroli. Cada um de nós, à sua maneira, fez mergulho no Brasil. Nosso tema é o Brasil e não é por acaso que temos vários livros com títulos com a palavra ou fazendo alusão à vida brasileira.”

. Antônio Torres, escritor


“Ubaldo era um erudito. Ele pegava esses sambinhas e fazia tudo em latim. Ele sabia latim, inglês, francês, alemão. Viveu muito tempo ma Alemanha. Enfim, ele era muito divertido. Acho que o primeiro a rir dessa embolia é ele. Era um erudito, muito acima dessas coisas todas. Deve estar rindo da embolia e de todas as embolias de que somos vítimas.”

. Lima Duarte, ator


“A obra deixada por João Ubaldo Ribeiro nos auxilia, neste momento, a superar a dor pela sua perda. Imortal das academias de letras do Brasil e da Bahia, irônico e bem-humorado, soube como poucos desvendar as entranhas da epopeia brasileira. Sua crítica social muitas vezes incomodava, porém também apontava caminhos.”

. aques Wagner, governador da Bahia, em comunicado oficial


“O João Ubaldo tinha uma bela voz de barítono e gostava de cantar. A gente brincava que ele era o verdadeiro Dorival Caymmi. Mas não era só a voz: na linha do Caimmy e do Jorge Amado, de quem ele foi herdeiro literário, o João Ubaldo tinha aquela coisa boa que só pode ser chamada de baianice, mistura de bom humor, sensualidade e talento para viver.”

. Luis Fernando Verissimo, escritor


“João Ubaldo Ribeiro era um operário da palavra, muito criativo e bastante sacana. Nunca tivemos proximidade, mas sou seu leitor assíduo. A maneira como ele conta as coisas é uma delícia, é daqueles escritores que repartem sensações. Alguns livros dele são essenciais. Todas as palavras são pobres para dizer o que significa essa perda.”

. Hermínio Bello de Carvalho, pesquisador e compositor


Obras completas

Publicação: 19/07/2014 04:00
» Romances
• Setembro não tem sentido (1968)
• Sargento Getúlio (1971)
• Vila Real (1979)
• Viva o povo brasileiro (1984)
• O sorriso do lagarto (1989)
• O feitiço da Ilha do Pavão (1997)
• A casa dos budas ditosos (1999)
• Miséria e grandeza do amor de Benedita (2000)
• O albatroz azul (2009)

» Contos
• Vencecavalo e o outro povo (1974)
• Livro de histórias (1981)
• Contos e crônicas para ler na escola (2010)

» Crônicas
• Sempre aos domingos (1988)
• Um brasileiro em Berlim (1995)
• Arte e ciência de roubar galinhas (1999)
• O conselheiro come (2000)
• A gente se acostuma a tudo (2006)
• O rei da noite (2008)

» Ensaio
• Política: quem manda, por que manda, como manda (1981)

» Infantojuvenil
• Vida e paixão de Pandonar, o cruel (1983)
• A vingança de Charles Tiburone (1990)

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