domingo, 27 de julho de 2014

Revolução terapêutica

Revolução terapêutica 
 
Pacientes com hepatite C aguardam a chegada de medicamentos que vão deixar o tratamento mais eficaz, rápido e com menos efeitos colaterais. Diagnóstico tardio é um grande problema
Carolina Cotta
Estado de Minas: 27/07/2014


Este ano, o Dia Mundial de Alerta para as Hepatites, celebrado amanhã, tem um significado especial. Uma revolução no tratamento é esperada com a entrada de novos medicamentos no mercado. Já adotados nos Estados Unidos e aguardando aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), eles vão encurtar o tratamento de 48 para 12 semanas (ou 24 em casos mais graves); aumentar a eficácia de 70% para mais de 90%; acabar com a necessidade de injeções semanais e diminuir, consideravelmente, os efeitos colaterais.

Atualmente, o tratamento adotado no Sistema Único de Saúde (SUS) é caro, longo, de eficácia limitada e desencadeador de muitas reações adversas no paciente. Segundo o gastroenterologista e hepatologista João Galizzi Filho, outra mudança importante do novo modelo terapêutico é que esse não precisará, necessariamente, ser acompanhado por um especialista. Com a simplificação, os clínicos gerais que atuam nos postos de saúde poderão prescrever o tratamento, hoje feito por hepatologistas, gastroenterologistas e infectologistas.

O HCV, vírus causador da hepatite C, tem diferentes genótipos. Os principais no Brasil são o 1 (mais resistente ao tratamento e responsável por 70% dos casos), o 2 e o 3 (de menor prevalência e mais fáceis de ser tratados). O tratamento realizado no Brasil para o tipo 1 combina três medicamentos: interferon peguilado (um imunomodulador aplicado por injeção subcutânea, uma vez por semana), ribavirina (comprimidos diários que, em função do peso do paciente, podem chegar a quatro ou cinco) e inibidores de protease (pode ser o telaprevir ou o boceprevir).

Esses inibidores, que atuam sobre enzimas essenciais para a replicação do vírus no organismo, são usados há pouco mais de quatro anos e já foram responsáveis por elevar as chances de cura. O telaprevir é usado por apenas 12 semanas; o interferon e a rivabirina, por 48. Segundo Galizzi, os efeitos colaterais mais comuns são perda de peso, falta de apetite, anemia, baixa de leucócitos e/ou plaquetas e, por vezes, uma reação cutânea que pode ser intensa e grave, levando alguns pacientes a interromper o tratamento. “Além de sofrido, é necessário acompanhamento médico cuidadoso, às vezes com consultas médicas quinzenais”, explica.

Importação cara As novas opções também atuam inibindo as enzimas. Segundo Enrico Arruda, presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, enquanto o simeprevir é um inibidor de protease de segunda geração, com menos efeito colateral e mais potência em relação aos de primeira geração, o sofosbusvir é de outra classe de medicamentos: um inibidor da enzima polimerase. A combinação dos dois prescinde do uso de interferon, que é o principal causador dos efeitos colaterais.

Esses dois já são adotados nos Estados Unidos e por medida judicial podem ser importados por pacientes brasileiros, mas o valor, segundo Edison Parise, presidente da Sociedade Brasileira de Hepatologia, pode chegar a R$ 450 mil. Outros medicamentos na mesma linha estão em fase final de aprovação das agências reguladoras americana e europeia e podem, por causa da concorrência, pressionar uma baixa nos preços. Como todo tratamento é via SUS, espera-se uma negociação com o Ministério da Saúde, possível único comprador.

Segundo o hepatologista Raymundo Paraná, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), a maioria dos pacientes brasileiros, mesmo os privados, fazem o tratamento no SUS, que fica sobrecarregado. Com status de tratamento inovador, classificação que agiliza a aprovação, outra promessa é um tratamento que combina três compostos, de diferentes mecanismos de ação. “Os estudos mostraram eficácia entre 92% a 100%, com taxa de abandono muito baixa, entre 0,6% a 2%”, adianta José Eduardo das Neves, diretor médico da Abbvie, laboratório que desenvolveu o modelo.

Sinais demoram a aparecer

Ao entrar no organismo, o vírus HCV gera uma hepatite C aguda, que pode ou não ter sintomas. Esses podem, inclusive, ser bem parecidos com os de uma virose qualquer. “Nem todos ficam com o olho amarelo, como imagina a população. Essa ausência de alerta é outro motivo que reforça a importância de se fazer o exame.” Cerca de 20% dos infectados consegue eliminar o vírus, pela ação do sistema imunológico. Os outros 80% vão desenvolver a hepatite C crônica, doença arrastada que pode levar de 25 a 30 anos para dar o primeiro sinal.

Durante a evolução da doença, mais lenta em mulheres e jovens, o vírus lesiona o fígado progressivamente. Oitenta por cento dos pacientes com hepatite C crônica não desenvolvem uma inflamação importante, mas 20% terão cirrose, que, já em 2005, era a oitava causa de morte entre homens no Brasil. A hepatite C é a segunda causa de doença crônica do fígado no Brasil, perdendo apenas para o álcool. Cinquenta por cento dos transplantes de fígado e 70% dos casos de câncer de fígado são consequências da hepatite C.

 O desafio é o diagnóstico: mais de 90% não sabem que têm a doença, que tem cura. “Pacientes na fase leve, quando tratados, têm sobrevida igual à da população geral e mesmo nos pacientes cirróticos ou pré-cirróticos é possível eliminar o vírus e praticamente estabilizar a doença”, explica Parise. Como se pega é outro estigma. Só 6% da transmissão é sexual. Mais de 50% dos casos vêm de transfusão de sangue e compartilhamento de material perfurocortante. Hoje há mais cuidados, em função do avanço da Aids. O problema é que muita gente foi infectada há mais de duas décadas.

LESÕES A discussão de métodos não invasivos para estadiamento de fibrose hepática em diversas doenças do fígado, substituindo a tradicional biópsia, foi um dos destaques do Congresso Hepatologia do Milênio, encerrado sexta-feira, em Salvador. O diagnóstico da hepatite C é feito por exame de sangue específico, o anti-HCV. Se positivo, a confirmação ocorre por um teste mais direto, o PCR, que dosa a proteína do vírus no sangue. Já a lesão que a doença provoca no fígado pode ser medida por exames de sangue que dosam as enzimas transaminases (TGO e TGP), ultrassonografia de abdome e a biópsia, por meio de punção por agulha.

Segundo Galizzi, nos últimos anos estão sendo desenvolvidos métodos não invasivos, como exames de sangue com marcadores biológicos e outros baseados em métodos de imagem, caso do Fibroscan, ARFI e outros. “Eles tentam detectar e estagiar a fibrose e o grau de evolução da doença, permitindo que se prescinda da biópsia em até 70% dos casos. Já estão disponíveis no Brasil, porém com limitações. O mais eficaz deles tem seu aparelho, o Fibroscan, com preço, no Brasil, até 10 vezes maior que na Europa. O acesso ainda é muito pequeno.”

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