quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Cara a cara com o "Doutor Terror"

Várias vítimas de ex-médico capturado no Paraguai protestam e xingam condenado por 39 estupros ao desembarcar ontem à tarde em São Paulo

Renata Mariz
Estado de Minas: 21/08/2014


Forte aparato de segurança foi montado pela polícia para receber Roger Abdelmassih em Congonhas     (Evelson de Freitas/Estadão Conteúdo)
Forte aparato de segurança foi montado pela polícia para receber Roger Abdelmassih em Congonhas

Brasília – Sob gritos de maníaco, safado e monstro, o ex-médico Roger Abdelmassih, de 70 anos, foi recebido ontem no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, pouco antes das 16h. Cinco vítimas do condenado a 278 anos de prisão, acusado de 56 estupros contra 39 mulheres, estavam no local. Foragido desde 2011, Abdelmassih acabou preso na terça-feira, em Assunção, capital do Paraguai. À noite, já havia ingressado na penitenciária Doutor José Augusto Salgado, a P2 de Tremembé, no interior de São Paulo. Em 2009, o ex-médico já havia ficado no local, chamado de “Presídio de Caras”, por abrigar detentos famosos, como Alexandre Nardoni e Suzane Von Richtofen. É a segunda vez dele em Tremembé. Ainda no aeroporto, antes de ser levado para a cadeia, chorou, segundo integrantes da Polícia Civil de São Paulo, ao falar dos filhos. Ele tem um casal de gêmeos com a mulher, a ex-procuradora da República Larissa Maria Sacco, 37 anos.

Abdelmassih teria dito também que a ideia de fugir para o Paraguai foi da mulher. Profissionais que acompanharam o procedimento de entrega dele pela Polícia Federal (PF) à Polícia Civil de São Paulo disseram que o ex-médico reconheceu algumas vítimas no aeroporto, mas afirmou haver “exagero” na manifestação delas, alegando inocência das acusações. Segundo a condenação, Abdelmassih violentava e assediava as mulheres quando elas estavam dopadas durante o procedimento de reprodução assistida.

À Polícia Civil, o ex-médico citou José Genoino, ex-deputado federal do PT condenado no processo do mensalão que conseguiu prisão domiciliar devido a problemas de saúde, para alegar ter direito à liberdade. Áudio divulgado por uma rádio paulista mostra a conversa: “Se o Genoino pode sair por causa do problema dele, eu posso também. Eu tenho uma prótese. Isso é muito pior. Passei um período difícil. É duro você ser condenado e não existir uma gravação contra você”.

FUGA O ex-médico foi condenado em outubro de 2010, a quase três séculos de prisão. Mas não foi detido devido a uma liminar do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que dava a ele o direito de responder ao processo em liberdade. Em janeiro de 2011, porém, ao tentar renovar o passaporte, a Justiça determinou a prisão, por entender que havia risco de fuga. Em vez de se entregar, Abdelmassih fugiu. Circularam boatos de que ele estaria no Líbano, de onde veio para o Brasil ainda criança. Mas nunca se chegou ao paradeiro certo do médico, que figurava na lista de procurados da Interpol.

Até que uma investigação do Ministério Público de São Paulo sobre suposta lavagem de dinheiro levou à informação de que Abdelmassih estaria no Paraguai. Ele foi grampeado com autorização da Justiça. E, desde a segunda-feira da semana passada, era seguido por agentes da PF em parceria com homens da Secretaria Nacional Antidrogas paraguaia. Na última quarta-feira, foi surpreendido com a voz de prisão, enquanto deixava um estabelecimento comercial com a mulher.

As primeiras denúncias contra o ex-médico, considerado, à época, o papa da reprodução assistida, surgiram em 2008. Na ocasião, já havia pouco mais de 10 casos de abuso sexual contra ele no Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp), mas que haviam sido arquivados por falta de provas. Com a divulgação das acusações, mulheres de várias partes do país, que tinham sido atendidas na clínica do “Doutor Vida”, procuraram a polícia. Sem se conhecerem, relataram histórias de abuso sexual muito parecidas, que embasaram a condenação. O Cremesp cassou o registro de Abdelmassih em maio de 2011.

Réu em outros crimes

Ana Pompeu

Brasília – A lista de crimes pelos quais Roger Abdelmassih é acusado não foi encerrada com a condenação em 2010. Ele responde a 26 estupros e é investigado por crimes de biossegurança. Depois que o primeiro inquérito, de julho de 2009, foi relatado à Justiça, outras 26 mulheres procuraram a 1ª Delegacia de Polícia de Defesa da Mulher de São Paulo para registrar novas queixas. Um novo inquérito foi instaurado em agosto do mesmo ano.

De acordo com a titular da unidade, Celi Paulino Carlota, existem relatos de que o ex-médico manipulava óvulos de forma ilegal. “Uma testemunha que trabalhava em um prédio anexo ao da clínica dele alegou que ele manipulava os óvulos das mulheres em animais. Passei alguns anos procurando essa testemunha, que seria vital para o inquérito. Como não a encontrei, fiz o indiciamento dos casos de abusos sexuais”, detalhou a delegada. Como os dois crimes são correlatos, as denúncias podem ser encaminhadas em diferentes momentos. Nas avaliações dos casos isolados, ele pode ser acusado de crimes conexos, como de erro médico. Diante da prisão de Abdelmassih, Celi Paulino entrará com pedido para ouvi-lo. “No retorno do processo em que eu pedi prazo para fazer a segunda parte do indiciamento, ele foi preso. Creio que, em um mês, nós conseguiremos relatar a denúncia”, afirma a delegada. A partir do momento em que o paradeiro é conhecido, a titular pede autorização para colher o depoimento do acusado. De acordo com ela, o inquérito está praticamente fechado, o que significa que, depois de ouvir o ex-médico, o documento ficará pronto.

Celi conta que, a cada reportagem publicada sobre os abusos, mais mulheres procuram a unidade policial. Ela acredita que o movimento pode crescer ainda mais com a prisão dele. “Agora, elas ficam mais fortalecidas e os temores diminuem”, disse. Se isso acontecer, um terceiro inquérito deve ser aberto.


Cinco perguntas para... Vanuzia Lopes - Vítima de Roger Abdelmassih Vanuzia Lopes era uma das cinco vítimas que estavam no Aeroporto de Congonhas para comemorar a prisão. Abaixo, os principais trechos da entrevista





Como foi o trabalho do grupo de vítimas?
Nos reunimos, inclusive as vítimas anônimas, para ajudar a prendê-lo. Conversando com desafetos de Abdelmassih, que são muitos, fizemos uma página na internet, nas redes sociais. Dei dezenas de entrevistas a rádios pedindo a quem estivesse próximo e até lavando as cuecas de Roger Abdelmassih que nos avisasse, sob o mais absoluto sigilo. Oferecíamos recompensa de R$ 10 mil.

Quando veio a denúncia crucial?
Em 2012, recebemos a primeira denúncia consistente, sobre contratos sociais da clínica de Roger e de pessoas que manuseavam o dinheiro dele. Elaine Sacco, irmã da mulher dele, montou empresas de fachada para enviar quantias para eles. Só que não sabíamos quem procurar. Passamos por muitas pessoas no Ministério Público, na polícia. Até que um empresário, Beto Nogueira, que conhece uma vítima, soube da nossa luta, se sensibilizou, nos apresentou ao secretário de Segurança, Fernando Grella, e as coisas começaram a andar. O Ministério Público e a polícia fizeram um trabalho maravilhoso.

O que você sentiu ao vê-lo?
Fui com a força da minha alma. Pensei que ia ficar serena. Mas, na hora que vi aquele animal, tive ânsia de vômito, passei mal, caí no chão. Ele me fez muito mal, me violentou em 1993. Na minha terceira tentativa de engravidar, na hora de receber meu embrião, dopada. Preparei meu coração para um momento divino. Quando acordei, estava melada de esperma dele, com aquele cheiro horroroso. Fui para o IML (Instituto de Medicina Legal). Ele me passou, devido ao sexo anal e vaginal, uma bactéria. Depois, eu não estava com um filho na barriga, mas sim jorrando pus por causa da infecção que ele causou em mim. Perdi minhas trompas por causa disso.


Quais os próximos passos do grupo?
Vamos pressionar as autoridades para que ele e todos os envolvidos na fuga e na lavagem de dinheiro que ele praticava (para se manter no exterior foragido) sejam responsabilizados. Inclusive a procuradora (Larissa Sacco, mulher de Abdelmassih, é ex-procuradora da República) e toda a família dela. A segunda providência será ajudar outras vítimas. Hoje mesmo, no aeroporto, recebi uma denúncia de outro médico famoso que está violentando pessoas. Eu não posso dizer nada ainda, mas, como pegamos uma certa experiência em investigação, vamos ajudar.

Vocês temem que ele saia da prisão?
Depois do estupro, resolvi estudar direito. Agora eu litigo, não há ministro no mundo que vá soltar esse homem. Vamos fiscalizar, saber se está tendo privilégios. Ele não vai sair. (RM)

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