quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Eduardo Almeida Reis - Notas claudienses‏

Se a informática acabou com as fábricas de máquinas de escrever, não conseguiu acabar com as pessoas que escrevem feito máquinas


Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 28/08/2014







Minto se disser que nunca vi de perto o senador Aécio Neves. Três vezes fui-lhe apresentado em solenidades oficiais, às quais compareci como titular de uma das 40 cadeiras da Academia Mineira de Letras. Educadíssimo que sou, três vezes cumprimentei-o com o clássico “muito prazer”. Educadíssimo que é, três vezes apertou-me a mão dizendo que tinha muito prazer em me conhecer. Não lhe devo nada, motivo pelo qual fico muito à vontade para comentar o asfaltamento de uma pista de mil metros de pista em Cláudio (MG), município em que seus parentes têm terras.

As críticas feitas por alguns jornalistas ao asfaltamento da pista depõem contra os profissionais da pena e vou explicar por quê. Todo e qualquer governador de estado brasileiro, do mais modesto ao poderoso São Paulo, passando por Minas Gerais, que resolva asfaltar uma pista de mil metros em terras suas ou de parentes pode contar que terá uma, ou duas, ou mais construtoras que se disponham a asfaltar de graça. E ainda fornecem recibo simbólico ao governador, pessoa física, que é para o negócio ficar perfeito.

Procedimento simples: o preço do asfaltamento é embutido em outra das muitas obras que a construtora tem no estado. A maior prova da lisura da pista de Cláudio foi ter sido paga pelo governo de Minas, quando Aécio era governador, num terreno desapropriado de uma fazenda pertencente a parentes seus.

Asfaltar pistas não é crime, sobretudo agora que o Brasil tem barcos de fibra óptica, como disse a excelentíssima senhora presidente da República. Dos barcos para os aviões de fibra óptica será um pulo, graças aos admiráveis indicadores econômicos deste governo de 39 ministros.
Palavras

Se a informática acabou com as fábricas de máquinas de escrever, não conseguiu acabar com as pessoas que escrevem feito máquinas. Tenho bom amigo, desembargador no TJMG, que escreve livros e mais livros sobre assuntos seriíssimos relacionados com a ciência do direito, de par com o seu trabalho no tribunal, comparece a uma porção de congressos nacionais e internacionais, achando ainda tempo de escrever e-mails enormes e artigos de jornais e revistas sobre os mais diversos assuntos.

Sem a seriedade das obras jurídicas, vosso philosopho cuida de amenidades. Nos arquivos do computador, vejo que escrevi 464.352 palavras só para a coluna Tiro e Queda, entre 17 de agosto de 2013 e 6 de junho de 2014. Há que deduzir as terças-feiras e um mês de férias. Incluindo os 30 dias de férias, a produção seria de meio milhão de palavras neste espaço no citado período.

Não é nada, não é nada, não é nada mesmo. Contudo, se acrescentarmos dois livrinhos (cerca de 100 mil palavras) e as matérias que escrevi para outros veículos, a produção anual andou pelas 600 mil palavras. Ainda que o resultado impresso não seja brilhante, a atividade é muito divertida.

Leituras

Nada melhor do que ler meia horinha, uma horinha antes de dormir. Isto, bem entendido, para os aposentados de algo muito mais divertido. Difícil é congeminar a leitura com o frio indecente que tem feito por aqui. O cavalheiro lava o rosto com água quente da torneira, escova os dentes, bochecha com aquele treco azulado e morde o dispositivo antirronco da Dra. Regina.

Feito o quê, amacia os pés com o creme próprio para patas ressequidas e se mete debaixo de três cobertas, depois de pegar um exemplar de O Conde de Abranhos, livro rascunhado pelo Eça e descoberto no Brasil entre os pertences de um filho do Ramalho Ortigão, um monte de páginas escritas a lápis.

Publicado 25 anos depois da morte do autor, O Conde é belo exemplo da genialidade do Eça: o rascunho, o primeiro esboço daquele que tinha obsessão pelas repetidas mudanças e revisões antes de publicar os seus livros. Os primeiros 20 minutos de leitura são puro enlevo, mesmo para quem já leu O Conde seis ou sete vezes. A partir daí, mãos e braços começam a gelar, o leitor insiste, teimoso que é, mas acaba derrotado. Há que fechar o volume encadernado em couro vermelho, apagar a luz e aguardar o aquecimento das mãos e dos braços debaixo das cobertas.

E dizer que tem gente que gosta de frio para comer uma fondue ou um fondue, substantivo de dois gêneros (Houaiss), prato de origem suíça composto de queijo (gruyère ou emmenthal) fundido em vinho branco e temperado com alho e quirche, e levado à mesa em panela própria sobre um fogareiro, no qual cada comensal mergulha fatias de pão na ponta de um espeto. Le Petit Robert e o nosso Márcio Cotrim informam que fondue é substantivo feminino.

O mundo é uma bola

28 de agosto de 475: o general germânico Flavius Orestes expulsa da capital Ravena o imperador romano Júlio Nepos e põe seu próprio filho Rômulo Augusto como imperador. O filho imperou durante 11 meses, coitado. Em 1941, entra no ar o Repórter Esso, primeiro noticioso brasileiro.

Ruminanças

“Entre a notícia e o boato, a diferença é que a notícia pode ser forjada” (Eno Teodoro Wanke, 1929-2001).

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