quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Entre béchamel e curry - Mariana Peixoto

Entre béchamel e curry


Mariana Peixoto
Estado de Minas: 28/08/2014



Sempre impecável, Helen Mirren rouba a cena como madame Mallory


 (Francois Duhamel/Disney/Divulgação)
Sempre impecável, Helen Mirren rouba a cena como madame Mallory


Assim como outros filmes que têm a gastronomia como mote, A 100 passos de um sonho usa da culinária para falar das relações humanas. No caso, questões bastantes universais, como a relação entre homem e mulher, as tradições familiares, as perdas e a intolerância. Com o sueco Lasse Hallström (Gilbert Grape, aprendiz de sonhador, Regras da vida e Sempre ao seu lado, entre outros) capitaneando o barco (que tem Steven Spielberg e Oprah Winfrey na produção), a narrativa tem um quê de melodrama, mas sempre com um tom elegante, por vezes fantástico. Como a gastronomia é parte essencial da história, a principal referência para quem acompanha a filmografia do diretor é Chocolate (2000).

Naquela história, uma mulher e sua filha chegam a um vilarejo francês e, olhadas com desconfiança pela população local, acabam conquistando sua confiança ao produzir os melhores chocolates que poderiam existir. Agora, Hallström leva também para um vilarejo francês uma família indiana, os Kadam. Donos de um restaurante em Mumbai, levam uma vida confortável até serem obrigados a abandonar seu país. Depois de curto período em Londres, acabam aportando, literalmente por acidente, no Sul da França. A cidadezinha de Saint-Antonin-Noble-Val faz os olhos do patriarca, chamado simplesmente Papa, crescerem. Rapidamente, ele compra um restaurante abandonado e se muda para lá com a família.

O problema está justamente a 100 passos dali, como deixa claro o título em português. É só atravessar a rua para chegar ao Le Saule Pleureur, restaurante francês clássico com uma estrela Michelin, comandado a braço de ferro por madame Mallory. Não é difícil supor o que vai se dar a partir dali. Há o embate entre as duas tradições, entre a alta e a “baixa” gastronomias, entre béchamel e curry. Só que os Kadam têm um trunfo incontestável: o jovem culinarista Hassan, que consegue fazer mágica com qualquer ingrediente e com seu talento nato, sendo capaz de dar um toque original ao tradicionalíssimo beef bourguignon.

A partir desse mote, A 100 passos de um sonho só faz encantar. A começar por seu elenco, com a sempre impecável Helen Mirren como principal chamariz. Mas é o veterano Om Puri, como o patriarca Kadam, com seu carisma e leveza, que garante as melhores tiradas da narrativa. E o jovem Manish Dayal, com sutileza e delicadeza, faz de Hasam um protagonista discreto, porém muito marcante.

O desencadear da história é previsível, como ocorre em alguns filmes de Hallström. Mas isso pouco importa, pois é a partir de ideias simples que ele consegue encantar. De quebra, ainda garante algumas das melhores cenas dentro de uma cozinha, mostrando que pode haver magia numa simples omelete. É para sair do cinema direto para um restaurante, pois até o mais tímido dos estômagos vai soar diante de tantas delícias.

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