domingo, 17 de agosto de 2014

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Trailers aguçam a curiosidade para lançamentos no cinema e batem recorde na internet. Cenas de poucos minutos de 50 tons de cinza colocaram o livro novamente nas vitrines


Mariana Peixoto
Estado de Minas: 17/08/2014

50 tons de 
cinza (2015)
Seis meses antes de o filme chegar às salas, o trailer foi visto na internet mais de 50 milhões de vezes  (Reprodução internet)
50 tons de cinza (2015) Seis meses antes de o filme chegar às salas, o trailer foi visto na internet mais de 50 milhões de vezes

Em pleno agosto, não é nada precipitado dizer que o vídeo mais assistido de 2014 já foi lançado na internet. Impressionantes 53 milhões é o número de visualizações do trailer de 50 tons de cinza, a adaptação cinematográfica do romance açucarado pornô que fez a britânica E.L. James se tornar o maior fenômeno editorial deste início de década. No Brasil, a repercussão daqueles dois minutos e 20 segundos foi tanta que o livro, que havia deixado a lista de best-sellers há alguns meses, voltou a vender que nem pão quente. Como o longa-metragem só estreia em fevereiro, outros novos trailers deverão vir a público, aumentando a curiosidade em torno do longa. É justamente essa a função do filminho curto feito para divulgação.

“Não existe uma receita de bolo, mas a premissa básica de um bom trailer é não revelar tudo. Você tem que fazer surpresa de alguns pontos dramáticos e encontrar o que o longa tem de mais atraente, seja elenco, trama ou efeitos especiais”, afirma Marcos Horácio Azevedo, da Tatuí Filmes, uma das poucas empresas brasileiras dedicadas à produção de trailers, teasers (vídeos com no máximo 30 segundos), spots (comerciais) e virais (produzidos exclusivamente para a internet). A Tatuí assinou os trailers dos longas nacionais Alemão, Getúlio, O tempo e o vento e Serra Pelada, entre outros.

Ao assistir ao trailer de 50 tons..., dá para perceber os pontos que Azevedo destaca. O sucesso do best-seller se deve principalmente a altas doses de sadomasoquismo dos dois jovens – o que é explorado, mas com cortes rápidos, na parte final do filmete. Ou seja, o espectador tem acesso a uma pequena dose do que o longa promete. A internet só fez crescer a veiculação desses vídeos, que, segundo Azevedo, são o produto audiovisual mais visto nas redes virtuais.

Mercados “Trailer é também material fundamental para divulgar uma produção”, acrescenta Bruno Wainer, da Downtown Filmes. Ainda que o mercado brasileiro seja muito menor do que o norte-americano – nos EUA, há ao menos 40 trailer houses (empresas especializadas no produto); no Brasil, atuam apenas a Tatuí e a Movietrailer –, essa mídia é tão importante aqui quanto lá.

“O trailer foi fundamental para que Alemão, um filme com orçamento menor, vendesse quase 1 milhão de ingressos”, informa Wainer, que distribuiu o longa-metragem de José Eduardo Belmonte. O diretor deve ficar fora da criação do material de divulgação. “É impossível o cineasta fazer um bom trailer de seu próprio filme”, garante Wainer.

A Tatuí assinou o material de Alemão. “A gente deve valorizar o que um filme tem de bom. Isso, de certa forma, implica em desviar de alguns obstáculos. Alemão é um longa claustrofóbico (quase toda a ação ocorre no porão de uma pizzaria no morro). Tive a preocupação de manter a tensão, mas dando uma arejada”, explica Marcos Horácio Azevedo. Ou seja: boa parte das poucas cenas externas aparece no trailer, tirando um pouco do ambiente fechado em que a trama se passa.

Para Wainer, tudo depende da maneira como o distribuidor pretende comercializar seu filme. “Se você quer vendê-lo como uma comédia, pede que o trailer tenha mais piadas, mesmo que elas sejam poucas no roteiro. O mesmo ocorre com um filme de ação.”

Legião Karen Levy, da Movietrailer, assinou o material de divulgação de Minha mãe é uma peça, Não pare na pista, O lobo atrás da porta, Cine Holliúdy, Cilada.com e Faroeste caboclo, este um dos trailers mais assistidos da história do cinema nacional – tem 3,4 milhões de visualizações no YouTube. A música da banda Legião Urbana aparece na segunda metade do trailer – no filme, a gravação original só é ouvida quando os créditos aparecem.

“Não há regra, quem decide o que mostrar é o distribuidor e o produtor. Mas todos os nossos trailers têm roteiro, chamamos os roteiristas de acordo com o tipo do filme (autoral, documentário, blockbuster).” Para Karen, esse mercado, aos poucos, passou a ser valorizado no país. “Estão começando a comprar músicas especialmente para o trailer e filmando cenas específicas para divulgação”, explica.


Moscou (2009)
Avesso a trailers, Eduardo Coutinho se surpreendeu com o resultado do material de divulgação do documentário que ele rodou com o Grupo Galpão  (Videofilmes/divulgação
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Moscou (2009) Avesso a trailers, Eduardo Coutinho se surpreendeu com o resultado do material de divulgação do documentário que ele rodou com o Grupo Galpão

As empresas brasileiras especializadas em trailers trabalham, em grande parte, com a produção nacional. Os blockbusters internacionais já chegam com o material de divulgação pronto, embora haja adaptações. “Nem sempre o que é bom para o mercado europeu é bom para o Brasil. Às vezes, algumas cenas não são engraçadas para o nosso público e pedimos para trocá-las. Ou aquilo divertido no Brasil pode ser ofensivo em outro país”, explica César Pereira da Silva, diretor-geral da Paramount Pictures Brasil. A quantidade de produtos de divulgação de cada filme vai depender de seu orçamento.

De acordo com o executivo da Paramount, blockbusters geralmente têm dois trailers e um teaser, enquanto filmes menores têm apenas um trailer. Com a digitalização das salas de cinema, eles são distribuídos em pen drives. “No passado, produzíamos de 300 a dois mil trailers de um único filme”, acrescenta Pereira da Silva.

PROPAGANDA Ainda que seja produto criado para a divulgação de um filme, há como enxergar o trailer sob um outro ângulo. “Nada é cinema, mas mercado: propaganda, publicidade, venda de produto. É duro, mas é simples assim. No entanto, não deixa de ser um trabalho extremamente artístico”, afirma Jordana Berg, montadora reconhecida principalmente no meio documental – trabalhou intensamente com Eduardo Coutinho – e que atua na criação de trailers.

A partir de Peões (2004), Jordana assinou trailers de todos os longas do documentarista, que lhe delegava completamente a função. “Coutinho não participava da montagem dos trailers. Achava aquilo além da compreensão dele. Perto do final, eu mostrava o que tinha proposto, ele fazia um muxoxo, duas ou três sugestões e pronto. Raramente ele se encantava, como quando mostrei o trailer de Moscou, que começava com um anjo subindo uma escada e terminava com um tiro. Um pouco nonsense, como o próprio filme. Posso dizer que ele curtiu”, revela Jordana. 


Alemão (2014)
O trailer do policial de José Eduardo Belmonte não carregou no 
clima claustrofóbico do filme, garantindo sucesso à produção (Páprica Filmes/divulgação
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Alemão (2014) O trailer do policial de José Eduardo Belmonte não carregou no clima claustrofóbico do filme, garantindo sucesso à produção

Cartilha do trailer

Um trailer dura de 1 minuto e 30 segundos
a 2 minutos e 30 segundos; um teaser, de 15 a 30 segundos
Nos cinemas, um trailer geralmente chega oito semanas antes da estreia do filme; o teaser antecipa o trailer
À medida que se aproxima o lançamento do filme, o número de exibições do trailer aumenta nas salas de cinema
Trailers de filmes brasileiros costumam ter, em média, 500 mil visualizações na internet
Blockbusters têm dois trailers; filmes de orçamento mediano, apenas um
Assim como os filmes, trailers recebem classificação indicativa. Nos cinemas, só podem ser exibidos com produções que tenham a mesma classificação ou superior

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