domingo, 2 de novembro de 2014

EM DIA COM A PSICANáLISE » Dois autores

Estado de Minas: 02/11/2014 



Duas publicações recentes da Editora Scriptum chamam a atenção pela qualidade. Livros bem finalizados, com belas capas, elaborados com cuidado e competência. São trabalhos bem distintos de autores da cidade.

Compêndios de amor, do poeta Kaio Carmona, autor também de Um lírico dos tempos (Scortessi, 2006). No lançamento recente, Carmona, como bom poeta, arrisca-se a falar de tema a que muitos se dedicaram antes dele, o amor, e ainda assim, na forma de sonetos, manda bem. A sequência é progressiva e o ritmo é fiel ao amor real: “A medida do amor”; “Outras medidas do amor”; “A desmedida do amor”; “O amor além da medida”.

Leitura agradável e cativante, em que seguimos sentimentos dos amantes do início ao fim das suas alegrias e dores, já que o amor, ao contrário de nos acalmar, pode invariavelmente nos arrancar os pés do chão. Já dizia uma amiga: “Amor é coisa de gente grande, com efeitos similares ao de uma droga pesada. Escraviza, subordina”.

Entre ternura, amor, paixão, tesão e abandono, nas mais diversas situações, Carmona nos convida, com sensibilidade, a adentrar na casa do amor. Pela porta dos fundos, persegue ecos de corações e paixões suprimidas, visita quartos de paixões caladas e trancadas, que se remoem, passa à sala dos amores ocultos e proibidos, penetra na despensa de amores cansados, empoeirados pelo tempo. Pela janela, vê, na varanda, paixões violentas se atracando e matando, até encontrar o senhor da casa.

Na introdução de Compêndios do amor, Marcelo Dolabela nos fisga: a) a paquera e preliminares são a eternidade que se quer átimo; b) as possibilidades do sexo e suas variações são ótimas e bem-vindas; c) o instante depois, átimos ótimos evocando o bardo inglês John Donne, são raros sabores que poucos conhecem, são átimos de eternidade.

Medicina  

O outro livro, A janela da escuta – Relato de uma experiência clínica, da psicanalista e médica Cristiane de Freitas Cunha, relata o resultado de duas décadas de trabalho da equipe multidisciplinar de Medicina do Adolescente e do Núcleo de Anorexia e Bulimia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais.

Nas palavras do prefaciador, dr. Roberto de Assis Ferreira, a obra defende uma posição clínica, “um nadar contra a corrente”, na prática da medicina contemporânea. Exercita-se aí o que é essencial na clínica, a particularidade do caso, a singularidade do paciente, num exercício de escuta que permite ir além da prática objetiva da medicina, abrindo espaço para a subjetividade daquele jovem que vem, na maioria das vezes, pelas mãos dos pais preocupados com um sintoma, um sofrimento enigmático que aflige a família e mortifica o sujeito.

O trabalho de Cristiane procura abrir na prática médica uma janela para a escuta psicanalítica, propondo ao médico escapar um pouco do terreno técnico, permitindo que emerja a angústia do paciente, para que, a partir dela, possa se perguntar o que ela quer dizer.

A equipe interdisciplinar tece a rede que abriga o que interessa: o joio. O resto separado do trigo, propondo a migração da clínica do olhar para a clínica da escuta. Ao contrário de perguntar onde dói, a pergunta é: o que incomoda?

Abre-se, assim, espaço para a palavra e para que o adolescente possa dizer do seu mal-estar, desvencilhando-se das nomeações impostas pelo outro, permitindo que haja a invenção de uma língua própria, seu próprio nome.

O livro traz o relato de casos clínicos interessantes, nos quais podemos observar a retificação subjetiva operada nos pacientes, a partir do convite à palavra, de escuta atenta e do espaço aberto para acolher a demanda e dar a ela o tratamento merecido. Muito interessante para psicanalistas e interessados em tratamento de adolescentes com problemas alimentares.

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