quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

Mineiro VISIONÁRIO

Desenhista inovador, Alceu Penna fez a cabeça das brasileiras por 30 anos e era admirado por Millôr Fernandes e Walt Disney. O centenário de nascimento do artista é comemorado hoje


Ana Clara Brant
Estado de Minas: 01/01/2015



Artista atento às sutilezas do universo feminino, Alceu Penna trabalha em seu estúdio, em 1962 (Flávio Damm/O Cruzeiro)
Artista atento às sutilezas do universo feminino, Alceu Penna trabalha em seu estúdio, em 1962


Quando Alceu Penna nasceu, 1915 mal havia começado. Há exatamente um século, o casal Mercedes e Christiano dava à luz, em Curvelo, na Região Central do estado, o quarto de seus 11 filhos. Aquele bebê ficaria famoso: tornou-se referência do desenho brasileiro, destacou-se na moda e era admirado por Carmen Miranda, Millôr Fernandes e Walt Disney.

Desenhista, ilustrador e figurinista, o mineiro foi um dos pioneiros dos quadrinhos no país. Em linguagem HQ, adaptou clássicos da literatura para as páginas de jornal. De 1938 a 1964, sua coluna “As garotas”, publicada na revista O Cruzeiro, fez a cabeça das jovens brasileiras ao revelar nova visão da feminilidade e do corpo da mulher. Como estilista, assinou figurinos de famosas montagens do Cassino da Urca, no Rio de Janeiro.

Criança, Alceu costumava desenhar com um giz de alfaiate nas calçadas de Curvelo. “Nos tempos de colégio interno em São João del-Rei, ele aprontava com suas ilustrações”, conta a sobrinha-neta Gabriela Penna, estudiosa da obra do tio. “Há um caso curioso daquela época: o Alceu estava desenhando mulheres nuas e os colegas, receosos, avisaram que professores estavam chegando. Ele brincou: ‘Calma, gente, na hora em que eles chegarem, as moças já estarão vestidas.’ Alceu sempre teve esse humor, essa sagacidade. Era muito interessante”, observa.

Em 2010, Gabriela lançou o livro Vamos, Garotas!, que analisa a coluna publicada em O Cruzeiro e o universo juvenil carioca dos anos 1930 a 1960. O estudo mostra como o corpo e a moda se aproximam da realidade social conservadora daquele período e de que forma se desvencilham dela em direção a um outro paradigma feminino.

“Fiquei encantada com ‘As garotas’, elas podem ser consideradas as primeiras pin-ups brasileiras. A linguagem visual era muito parecida: olhos grandes, boca carnuda e marcada, aquele contorno do corpo similar e pegada meio voyeur”, compara Gabriela. As meninas de Alceu traziam um toque sensual e, ao mesmo tempo, uma dose de recato, pois eram publicadas em revista de circulação nacional voltada para a família. “Alceu conseguia manter esse equilíbrio bem orquestrado”, frisa. Paralelamente, as belas jovens surgiam com menos roupas e maduras nas folhinhas distribuídas pela empresa Moinho Santista.

As ilustrações de “As garotas” contavam com colaborações preciosas – inclusive de Millôr Fernandes, um adolescente de 17 anos. “Ele chegou a ser arte-finalista, admirava muito o meu tio, considerava-o um gênio, um mito. No meu livro, há um depoimento muito bacana do Millôr contando como dava acabamento à coluna, mas morrendo de medo de colorir e estragar o desenho do Alceu. Era uma tremenda responsabilidade. Anos depois, Millôr se tornou um dos redatores: usava até pseudônimo”, diverte-se Gabriela.

A sensualidade das garotas bem-comportadas, em O Cruzeiro (Arquivo O Cruzeiro)
A sensualidade das garotas bem-comportadas, em O Cruzeiro


BELAS-ARTES

Nos anos 1930, Alceu deixou Minas, mudou-se para o Rio de Janeiro e foi estudar na Escola Nacional de Belas-Artes (Enba). Assinou suas primeiras criações como estilista e figurinista para shows e espetáculos teatrais, além de se dedicar à decoração e à criação de fantasias para bailes de carnaval. Nessa época, ficou amigo de Carmen Miranda, tornando-se uma espécie de consultor informal de moda da estrela.

“Ele deu sua contribuição à estética da Carmen. Os dois se conheciam desde o tempo dos cassinos. Alceu chegou a desenhar figurinos para shows e filmes dela, inclusive em Hollywood”, destaca Gabriela Penna. O mineiro criou turbantes, saias coloridas e sapatos de solado grosso para a brazilian bombshell. Walt Disney admirava tanto talento. Nos anos 1940, quando o produtor e diretor norte-americano veio ao Brasil lançar o filme Fantasia, Alceu foi uma das pessoas designadas pelo Itamaraty para recepcioná-lo. Disney se impressionou tanto que o convidou para trabalhar nos Estados Unidos.

“Meu tio acabou não aceitando, porque preferia ser alguém aqui no Brasil a apenas mais um nos States. Quem me contou essas histórias foi a minha tia-avó Thereza, muito próxima do irmão e uma espécie de arquivista do Alceu. Os dois moravam juntos, ela testemunhou muita coisa”, diz Gabriela, que se dedica ao doutorado sobre o processo de criação do tio-avô.

A ousadia das garotas invade os calendários criados por Alceu Penna (Arquivo O Cruzeiro)
A ousadia das garotas invade os calendários criados por Alceu Penna


RHODIA

O universo fashion brasileiro deve muito a Alceu Penna, o homem que ditava moda para as cariocas nos anos 1940 e 1950. Na década de 1960, ele criou modelos para os famosos desfiles da Companhia Rhodia, que lançavam tendências. O estilista, que chegou a vestir a Miss Brasil Martha Rocha, foi um dos precursores do desenho de moda no Brasil. Viajava periodicamente para a Europa, trazia ideias de lá.

“Os desfiles da Rhodia eram verdadeiros espetáculos. Quando viajava, ele acabava convivendo com os principais nomes da moda, como Givenchy e Balenciaga. Além de trazer as novidades fashion para o Brasil, ele as adaptava para a nossa realidade. Alceu Penna foi pioneiro nesse sentido”, conclui Gabriela.

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