terça-feira, 27 de novembro de 2012

Brasil e suas vozes - João Paulo‏

Disco do grupo vocal Calíope reúne obras escritas por Villa-Lobos para diferentes formações. Repertório vai de temas do canto orfeônico à peça criada sobre o poema José, de Drummond 

João Paulo
Estado de Minas: 27/11/2012 
A obra de Heitor Villa-Lobos (1887-1959) é ampla e variada, se espalhando por mais de 50 anos em diversos formatos e instrumentações. Além disso, o compositor foi mestre em escrever para orquestra, instrumentos solistas (violão, piano e violoncelo) e vozes. Para completar, inventava instrumentações, mesclava erudito e popular, pesquisava fontes populares que iam da música indígena à africana, em diálogo sempre digno com a tradição europeia. Uma das mais ambiciosas áreas de sua produção é a obra para coro a capela, ainda pouco conhecida e valorizada.

Há muitos motivos para isso, desde a inscrição das peças no projeto político do Canto Orfeônico (o que dá uma impressão de didatismo e certo autoritarismo), até o uso de elementos tratados com desprezo por parte dos especialistas. O disco Vozes do Brasil, do grupo vocal Calíope, com regência de Julio Moretzsohn é um passo importante para mudar esse panorama. Em 17 peças, são apresentadas as principais características da música vocal de Villa-Lobos, com direito a surpresas, como a versão do compositor para o poema José, de Carlos Drummond de Andrade.

Quem examinar a lista de obras de Villa-Lobos vai perceber que o compositor sempre teve o coral a capela entre suas possibilidades. São pelos menos 200 obras, que vão de uma Ave Maria, de 1914, à peça Bendita sabedoria, composta um ano antes da morte do maestro. Além da dispersão no tempo, há vários jogos de vozes nos arranjos do compositor, que chegou a escrever um de seus mais importantes temas, a Bachiana brasileira nº 9, para orquestra de vozes, ainda que tenha ficado mais conhecida em sua versão orquestral.

A seleção de peças do disco do Calíope percorre todas as facetas do trabalho com música vocal de Villa-Lobos. A começar pelas músicas que fazem parte o ciclo de canções do Canto Orfeônico (Villa-Lobos chegou a produzir duas coleções, uma para alunos e outro para o Orfeão dos Professores), que se inspiram nas várias manifestações da cultura brasileira. Assim, há canções de temática afrobrasileira, como Xangô, Jequibau e Estrela é lua nova (que ganha um solo belíssimo de Lina Mendes); caipira ou sertaneja, com Bazzum, Remeiros de São Francisco e Papae Curumiassú; e indígena em Duas lendas ameríndias.

Prelúdio e fuga Outros temas curiosos trazem elementos da cultura portuguesa, como Vira; e nordestina, em As costureiras, que o compositor descreve como “embolada”. Nesta peça, o coral se divide entre o fundo, que evoca o barulho das máquinas, e as vozes que entoam uma melodia triste, um canto de trabalho melancólico. O disco traz ainda o arranjo original para a Bachiana nº 9, na verdade um prelúdio de fuga criativo e grandioso.

As duas peças mais raras do disco têm como texto poemas de Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade. Do poeta pernambucano, Villa-Lobos transforma em música Invocação em defesa da pátria, de 1943, escrito no clima nacionalista da entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial, arranjada para vozes femininas. No entanto, o ponto alto fica para a belíssima versão do célebre José, para coral de vozes masculinas, que recheia ainda de mais angústia o longo poema de Drummond.

O trabalho merece ainda destaque pela qualidade das informações do encarte e pelo cuidado em reproduzir todas as letras, o que é um elemento fundamental para a fruição das peças em sua inteireza. 

Canto Orfeônico

Durante o Estado Novo varguista (1937-1945), Villa-Lobos desenvolveu projeto de ensino musical a partir do canto coral. Para isso, criou o Curso de Pedagogia de Música e Canto Orfeônico, dando origem ao Orfeão de Professores. A proposta didática chegou a milhares de estudantes, com canções originais do maestro e peças arranjadas a partir da cultura popular brasileira.

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