sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Língua pátria - Sérgio Rodrigo Reis‏

Autores contemporâneos de expressão portuguesa conquistam espaço no mercado nacional. Editoras brasileiras apostam na identidade cultural cada vez mais forte com os países africanos 

Sérgio Rodrigo Reis
Estado de Minas: 09/11/2012 
  O mercado editorial internacional de língua portuguesa redescobriu o Brasil. Diante de potenciais leitores ávidos por novidades e durante décadas sem acesso à literatura contemporânea de países que falam a mesma língua, os olhos dos autores e editoras estrangeiras brilham. “É o nosso maior mercado. Ainda vendemos mais para Portugal, mas o Brasil está em crescimento rápido: são mais de 200 milhões de pessoas sabendo ler e escrever que, aos poucos, acabam chegando aos livros”, avalia o angolano José Eduardo Agualusa, um dos mais influentes autores da literatura portuguesa contemporânea.




Romancista, contista, poeta e jornalista, Agualusa adotou uma estratégia nada tímida para ampliar o alcance da sua literatura: dedicar-se aos países que falam o português. Tem dado certo. O autor, que vive entre Angola, Portugal e, é claro, Brasil, não tem do que reclamar. Além de ser constantemente requisitado no crescente mercado de feiras literárias nacionais, o que garante bons cachês aos convidados internacionais, seus livros têm tido boa repercussão no Brasil. O mais recente – Teoria geral do esquecimento –, obra sobre o medo do outro, o absurdo do racismo, o amor e a capacidade de redenção do ser humano, acaba de chegar às livrarias. “O Brasil tem importância grande desde sempre, pois recebo bastante informação cultural daí”, diz o escritor, que é neto de carioca.

A possibilidade de editar os livros no Brasil, que vem animando os escritores africanos e portugueses, está em franca expansão. Tanto que editoras nacionais e internacionais têm dedicado atenção especial à movimentação. Em Minas não é diferente. A Editora UFMG, há algum tempo, criou a coleção Poetas de Moçambique, especialmente para difundir a produção do país africano. Já foram lançadas antologias de Rui Knopfli (1932-1997), poeta que produziu uma encorpada e original obra literária durante o período de formação de seu país; de José Craveirinha (1922-2003), representado numa obra concisa, cobrindo cinco livros publicados em vida e duas coletâneas póstumas, além de dezenas de poemas espalhados em periódicos; e de Luís Carlos Patraquim. A próxima publicação será da portuguesa Glória de Sant’Anna. 

O interesse pela nova coleção de poesia é crescente. “Os livros têm ido bem”, informa Euclídia Macedo, que na editora cuida de um aspecto delicado: os direitos autorais. Se por aqui o assunto é complicado, ganha outros contornos quando, além dos desdobramentos da legislação brasileira, ainda é necessário negociar, no caso de autores estrangeiros já falecidos, com os respectivos herdeiros. “Não é tarefa fácil, porém tem valido a pena”, salienta Euclídia.

Mão dupla 


Não são somente as editoras nacionais que se têm interessado em lançar aqui autores de língua portuguesa. De olho nas oportunidades de intercâmbio, a editora portuguesa Bárbara Bulhosa abriu uma filial brasileira da Tinta da China. A proposta é trazer para cá autores contemporâneos de língua portuguesa e levar a literatura brasileira contemporânea a Portugal. Sobre os autores portugueses, adianta: “São escritos muito bons, com características literárias diferenciadas, como o humorista Ricardo Araújo Pereira, fenômeno aqui. Selecionamos alguns dos seus melhores textos e reunimos num livro feito especialmente para vocês, que batizamos de Se não entender eu conto de novo, pá”, conta ela, de Lisboa. Outra aposta que tem dado certo é a escritora Dulce Maria Cardoso, autora de O retorno, considerado o livro do ano em Portugal. O movimento inverso já ocorre. “Publiquei Luiz Ruffato e Francisco Bosco e a reação tem sido positiva.” 

Mas também há algumas dificuldades para os estrangeiros. “A concorrência é enorme. O Brasil tem ótimos autores e editoras, o que torna o mercado competitivo. O inegável é que há um interesse genuíno. Quando um livro é bom, mais tarde ou mais cedo acabamos por chegar aos leitores. Fui para aí por acreditar nisso. Há um patrimônio emocional grande entre nós. Há 10 mil quilômetros que nos separam e, mesmo assim, somos próximos”, compara Bulhosa. 

O angolano José Eduardo Agualusa aposta nesse parentesco, sem deixar de lado o que cada literatura tem de particular: “Não se faz uma literatura. Fazem-se muitas. Não existe um único modelo, e sim, variantes.” Isso não significa dificuldades. “A literatura traz a dicção do povo que fala. A africana, a brasileira e a portuguesa têm seu modo próprio de tratar a língua”, explica Terezinha Taborda Moreira, do Centro de Estudos Luso-afro-brasileiros, da PUC Minas.

A ascensão da classe média afrodescendente no Brasil é outro fato que tem ajudado a expansão desse mercado. “É grande o interesse pela produção cultural da África contemporânea, que não mais reproduz aquela visão arcaica do continente”, explica Agualusa. A pesquisadora da PUC Minas também observa este interesse. “A curiosidade maior dos alunos é justamente pela literatura africana emergente. Enquanto na literatura portuguesa atual observamos reflexões profundas em relação aos problemas que marcam o homem na contemporaneidade, os africanos, além disso, trazem questões históricas pelas quais passaram, durante as colonizações, que não conseguiram vencer. É também uma literatura, do ponto de vista estético, bastante refinada”, conclui Terezinha Taborda.

Trinta anos de solidão


O novo livro do escritor angolano José Eduardo Agualusa, Teoria geral do esquecimento (Editora Foz, 174 páginas), surgiu, há tempos, a partir de uma cena que o perseguia. “Era de uma mulher que vivia fechada numa casa.” Certa vez, quando um cineasta português o convidou para realizar uma proposta de roteiro para um filme, ele retomou aquela ideia. A história que começou a escrever evoluiu para um filme que nunca saiu do papel. Quando concluiu o que parecia ser um roteiro, viu que, na realidade, tinha pronto nas mãos o novo romance. O livro, que acaba de chegar às livrarias brasileiras depois de conquistar repercussão em Angola e Portugal, ganhou ainda traduções na França, Inglaterra, Holanda e Alemanha. 

A história é curiosa. Em Luanda, em 1975, Ludovica, ou Ludo, como os mais íntimos a conhecem, em meio à guerra civil angolana, vê sua irmã e o cunhado desaparecerem para sempre depois de sair numa tarde. Nunca mais retornam à casa. De tão apavorada com a situação lá fora e com a solidão que bate à porta – porque não tem mais nenhum parente ou amigo –, decide se fechar naquele apartamento, sem contato com mais ninguém, por mais de 30 anos. “O prédio acaba ocupado por gente da favela e ela se vê isolada e esquecida do resto do mundo, rodeada por livros, na companhia de um cão”, conta Agualusa. 

O escritor utiliza a saga dessa mulher isolada do mundo como metáfora e espécie de antídoto à trágica situação angolana. Cercada por livros, Ludo cria um universo paralelo imaginário repleto de personagens, numa narrativa aparentemente desconexa que, mais tarde, se materializa em personagens reais quando ela volta a ter contato com a realidade. Com o roteiro, que acabou virando esse livro, considerado pela crítica lusitana um dos melhores da sua carreira, Agualusa consegue sintetizar aspectos fundamentais do cenário político de seu país de origem a uma trama de alta voltagem poética. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário