sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Jornalismo e Igreja Católica de volta às origens

FOLHA DE SÃO PAULO

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
TENDÊNCIAS/DEBATES
A volta ao passado tem trazido sucesso à igreja (com missas em latim) e à imprensa (com o fim da isenção, veja a TV dos EUA). No caso do jornalismo, é ruim
Duas influentes instituições formadoras da civilização ocidental, a Igreja Católica e o jornalismo, têm passado desde a segunda metade do século 20 por problemas gravíssimos, que vêm fazendo com que diminua bastante o número de pessoas que as acompanham, os fiéis e os leitores.
A frequência dominical à missa no Reino Unido caiu pela metade desde o auge em 1960; nos EUA, o decréscimo foi de um terço no mesmo período; no Brasil, os católicos eram mais de 90% da população em 1960, e agora são em torno de 68%.
A circulação paga diária média de jornais impressos nos EUA, que em 1970 atingiu seu recorde em número absoluto (cerca de 62 milhões de cópias), caiu para algo em torno de 42 milhões, apesar do aumento de população e de domicílios registrado no período.
Em termos de faturamento publicitário, o total obtido pelos jornais americanos em 2012, US$ 20 bilhões, é equivalente ao que foi apurado por eles em 1950, pelo cálculo de dólares deflacionados.
A imprensa diária brasileira parece viver situação inversa em termos de números absolutos, já que os quase 9 milhões de exemplares vendidos por dia em média este ano constituem um recorde positivo desde que o IVC (Instituto Verificador de Circulação) começou a trabalhar na sua apuração, meio século atrás.
Mas a penetração do jornalismo impresso na sociedade brasileira até os anos 1960 era ínfima, devido às altas taxas de analfabetismo e ao baixíssimo poder de consumo da maioria absoluta da população, entre outras razões. As profundas transformações sociais por que o país tem passado nestes 50 anos inevitavelmente fariam com que aumentasse o contingente de leitores.
Quando se comparam, no entanto, as vendas dos chamados "jornais de prestígio" (por décadas os líderes de circulação no Brasil, o que constitui fenômeno completamente atípico em comparação com sociedades do centro do capitalismo), nota-se que eles estão em queda quando comparados a seu ápice, em meados da década de 1990.
Apesar da perda de "popularidade" da Igreja Católica como um todo, há um notável crescimento de adeptos das suas alas mais conservadoras. Por exemplo, o número de missas semanais regulares rezadas em Latim e na liturgia pré-Concílio Vaticano 2º subiu de 26 em 2007 para 157 atualmente no Reino Unido e de 60 em 1991 para 420 em 2012 nos EUA.
O recuo às origens parece também estar funcionando bem no terreno do jornalismo nos países da América do Norte e da Europa ocidental. Como se sabe, os jornais foram inicialmente veículos partidários, utilizados para defender posições específicas no embate ideológico ou partidário.
Foi só a partir de meados do século 19, com o processo de massificação do consumo naquelas nações, que os conceitos de jornalismo apartidário se tornaram hegemônicos.
O sucesso, nos EUA, de Fox News e MSNBC, redes de jornalismo 24 horas na TV que já há alguns anos passaram a defender de modo ostensivo e radical os partidos Republicano e Democrata, respectivamente, e o fracasso relativo da CNN, tradicional líder do segmento que se manteve fiel aos cânones da isenção possível, podem indicar que a imprensa também talvez se beneficie em termos de audiência com essa "volta ao passado".
O problema é saber que efeitos isso pode ter para a sociedade. No universo das redes sociais e da blogosfera, o jornalismo e o pseudojornalismo radicalizados em opiniões já são dominantes e obstruem o diálogo aberto, em claro prejuízo da busca de entendimento e consenso possíveis e em favor do sectarismo.
A imprensa isenta nos limites do possível é um dos poucos espaços em que ainda é possível o exercício de pensar fora dos dogmatismos. É preciso preservá-lo para o bem da democracia.


GEORGE MATSAS
TENDÊNCIAS/DEBATES
Não há lei racial boa
Como vamos explicar a alunos com condições econômicas semelhantes e na mesma escola que a cor de pele vai ser usada para dar vantagem a só alguns?
O governo de São Paulo lançou em 20 de dezembro um programa de cotas para ingresso nas três universidades estaduais paulistas que, se aprovado pelos órgãos competentes das respectivas instituições, entrará em vigor já em 2014.
Não há dúvidas que o atual sistema de acesso às universidades é injusto na medida em que coloca lado a lado para concorrer estudantes preparados por excelentes escolas, quase todas privadas e caras, com outros matriculados em escolas da rede pública que são sabidamente deficientes.
O resultado disso é um sistema perverso e ineficiente, que acaba excluindo do sistema estudantes talentosos que, se apoiados, dariam no futuro um retorno maior à sociedade. E pior: no final, são justamente esses mais carentes que acabam se desdobrando para pagar uma faculdade privada muitas vezes de péssima qualidade.
Assim, eu sou o primeiro a brindar o fato do programa de cotas reservar certo número de vagas para estudantes da rede pública que, com isso, terão mais chances de chegarem à universidade por estarem diante de uma competição mais igual.
Mesmo que isso não resolva o problema, pois é a obrigação do Estado prover um bom ensino secundário a todos em vez de empurrar para a universidade o problema de recuperar os talentos que a rede pública não consegue desenvolver, eu não sou insensível ao argumento do "cobertor curto".
Contudo, é anacrônico e imoral que a política de cotas de inserção social inclua critérios raciais.
Eu gostaria de saber como vamos explicar a estudantes com condições econômicas semelhantes de uma mesma escola pública que a cor da pele será usada como critério para dar vantagem a uns em detrimento de outros. Não se corrigem erros do passado com novos erros no presente.
E mesmo que esses critérios raciais não levassem a novas distorções, fico com o meu colega Jorge Castiñeiras, da Universidade Federal do Pará: não há lei racial boa, mesmo que a intenção inicial não seja má, pois incute na cabeça das pessoas a ideia de que a cor da pele, o tamanho do nariz ou a forma dos olhos têm alguma importância. A história está repleta de exemplos de como isso pode ser distorcido para o mal dependendo das circunstâncias.
Obviamente, nada do que é dito aqui é novidade. Sempre que esse tema é trazido à baila, o consenso é o de que a introdução de critérios raciais no preenchimento de cotas é uma decisão de cunho "político". Onde se grafa "político", eu leio populista e eleitoreiro.
Eu realmente acredito no ideal de que todos devem ser iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza; eu realmente acredito que critérios raciais nunca deveriam ter sido usados no passado, mas dado ser o passado fato consumado, só se pode ansiar que isso nunca se repita no futuro.
Se critérios raciais forem endossados pela universidade, estaremos diante de uma vergonha moral e de uma derrota institucional para interesses que de nobre e justo nada têm.

    Nenhum comentário:

    Postar um comentário