sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Mais calor - Editorial FolhaSP

FOLHA DE SÃO PAULO


Mais calor
A negociação internacional sobre prevenção do aquecimento global se avizinha perigosamente de um círculo vicioso de irresolução, como se viu de novo na última reunião realizada, em Doha (Qatar).
A cidade sediou a 18ª Conferência das Partes (países membros) da Convenção da ONU sobre Mudança do Clima. Mais uma vez quase nada se decidiu nela. Na impossibilidade de alinhavar um novo e mais ambicioso tratado para substituir o Protocolo de Kyoto -acordado em 1997, na terceira reunião-, ele foi prorrogado até 2020.
Pelo protocolo, só países desenvolvidos (com exceção dos EUA, que nunca o ratificaram) assumiram compromissos de reduzir emissões de gases do efeito estufa -"carbono", no jargão climático.
Empreendimentos em nações mais pobres que economizarem tais emissões, como usinas termelétricas mais eficientes, geram créditos que podem ser vendidos para quem se comprometeu com reduções. O sistema previsto no protocolo foi batizado como MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo).
O prolongamento de Kyoto, assim, era crucial para que não desmoronasse toda a estrutura do mercado de títulos de carbono que surgiu com o tratado. Sua extensão foi o máximo que se obteve em Doha.
Diante do resultado magro, pode-se dizer que o mundo está mais distante de manter o aquecimento da atmosfera terrestre aquém do limite de 2°C considerado seguro. Acima disso, predizem pesquisadores, eventos climáticos extremos, como secas e ondas de calor, podem tornar-se frequentes.
Os negociadores reunidos em Doha também concordaram com o prazo de 2015 para concluir um novo acordo. O substituto de Kyoto vigoraria a partir de 2020, quando expirará o protocolo ora estendido.
Enquanto exigir consenso entre os 195 signatários da Convenção do Clima, as negociações continuarão a produzir muito papel e pouco resultado. Duas décadas nesses trilhos não levaram a lugar algum.
Um processo com menos participantes à mesa -EUA, União Europeia, Japão e Brics, por exemplo- teria mais chances de dar conta do desafio. A economia mundial é um transatlântico movido a combustíveis fósseis, como petróleo e carvão, e não será com democratismo multilateral que se conseguirá freá-lo sem danificar seus motores.
    Limpar e reconstruir
    Popularidade de Gilberto Kassab recuou no segundo mandato porque prefeito negligenciou São Paulo em favor de seu novo partido
    Gilberto Kassab não deixa a Prefeitura de São Paulo como o pior alcaide que a cidade já teve, porém sua imagem anda perto disso.
    Kassab conquistou popularidade nos primeiros anos, negligenciou a capital paulista após reeleger-se, confiou no poder das iniciativas cosméticas e sai do cargo com 42% de desaprovação.
    É a segunda pior avaliação, desde 1985, de um prefeito no final da gestão. Perde para os 81% de Celso Pitta (1997 a 2000), de quem Kassab foi secretário de Planejamento.
    A boa fama inicial foi obtida com o programa Cidade Limpa. No papel de síndico extremado, fez cumprir o que a muitos parecia impossível: livrar a cidade da barafunda de cartazes, letreiros e luminosos.
    Mais adiante, Kassab deu o passo -elogiável- de que hoje talvez se arrependa: aceitou firmar compromisso com as 223 metas da chamada Agenda 2012. Com base nela, passou a ser avaliado de forma razoavelmente objetiva. Queixa-se, agora, do "uso político" da agenda.
    O fato é que Kassab cumpriu integralmente só 55% (123) das metas que definiu. Um quarto delas (55) nem mesmo teve execução iniciada. Outras 45 estão em andamento.
    Uma avaliação mais refinada ponderaria os percentuais de cumprimento de cada uma das 223 metas para extrair o que o prefeito chama de "índice de eficiência" -por ele fixado em 81% (um cálculo duvidoso, com 25% de objetivos totalmente descumpridos).
    O prefeito tampouco se sai bem sob o ângulo qualitativo. Das áreas sob sua alçada direta, as prioridades óbvias são transportes, saúde básica e ensino fundamental, nenhuma delas com retrospecto bom.
    Kassab prometeu 66 km de corredores de ônibus e entregou zero. Investiu R$ 1,7 bilhão no metrô, obra até então custeada só pelo governo estadual; a soma, aplicada em pistas exclusivas de ônibus, mais baratas, teria gerado maior benefício imediato para a população.
    O prefeito disse que iria construir três novos hospitais, mas não entregou nenhum. Aumentou em 60% o número de unidades de saúde e em 62% o de médicos, porém o setor permanece como o mais mal avaliado de sua gestão.
    A prefeitura não zerou o deficit de creches, como prometido, mas elevou o total de matrículas de 110 mil, em 2009, para 211 mil. Acabou com as "escolas de lata" e diminuiu a quantidade de alunos no "turno da fome" (que têm aulas na hora do almoço), porém restam 10 mil estudantes nesse período.
    O que mais se censura em Kassab foi deixar a cidade, no segundo mandato, em plano inferior ao do projeto de criar o enésimo partido governista do país, o PSD. Seu cacique parece ter considerado que bastava multiplicar as ciclofaixas de lazer -faixas pintadas no asfalto e delimitadas por cones de plástico nos finais de semana- para manter-se bem avaliado.
    É pouco, prefeito, muito pouco. Mais do que maquiada, São Paulo precisa ser reconstruída como cidade habitável e produtiva.

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