sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Relatos do fim do mundo

FOLHA DE SÃO PAULO

Henrique Stabile/Divulgação
"...E a Beleza Matou a Humanidade", do arquiteto Henrique Stabile
"...E a Beleza Matou a Humanidade", do arquiteto Henrique Stabile
COLABORAÇÃO PARA A FOLHAInspirada na profecia maia, a Folha pediu a escritores e artistas um texto ou uma imagem que ilustrasse sua visão pessoal de como seria o final dos tempos.
"Quando um dedo aponta para o céu, o tolo olha para o dedo." Se o provérbio chinês tem sentido num dia normal, ele desaparece no apocalipse. Diante do fim iminente, os olhos dos que aceitaram o desafio vagaram por toda parte.
Subiram ao céu, de onde viram cair meteoros ou uma inusitada chuva de pipoca. Foram ao campo, a um quarto escuro e, mais fundo, ao interior da mente masculina, de onde tiraram a resolução de viver o fim como uma mulher. Mas houve também quem visse o fim de tudo e de todos como um processo real a se desenrolar diante de nós.
(TRAJANO PONTES)
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'Que eu fosse tudo o que não havia conseguido ser'
ROGERIO SKYLAB
ESPECIAL PARA A FOLHA
No último dia de nossas vidas, estabeleci regras. A primeira, e a principal, seria abandonar a ideia de gênero. Como deixar a vida sem experimentar o outro sexo? Os preparativos para o último dia me fizeram adentrar lojas em busca do vestido ideal.
Interromperia a rotina no dia fatídico. Acordaria bem tarde e não iria ao trabalho. Pela primeira vez, não leria nenhum livro. O fim do mundo, ao menos, fez-me compreender o sentido da leitura.
Finalmente estava pronto. Que eu fosse tudo em 24 horas o que não havia conseguido ser por toda a vida.
Sapato alto, cremes, maquiagem, calcinha de lycra... O dia seguinte prometia. Mas, para minha surpresa, adormeci no horário de sempre. Quando acordei, esqueci que era o último dia do mundo.
Tomei o mesmo café, peguei o mesmo ônibus, trabalhei como se fosse um dia normal. Num momento, cheguei a lembrar do fim do mundo. Mas continuei meus afazeres, como se o enfado que sentia antes não fosse real.
Quando saí do trabalho, pensei que por fim fosse extravasar. Mas fiz exatamente o que vinha fazendo há anos: me dirigi à biblioteca pública e passei o resto do dia lendo.
ROGERIO SKYLAB é músico.
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'Sei que a falta de assunto estimula a imaginação'
BRAULIO TAVARES
ESPECIAL PARA A FOLHA
O "fim do mundo pelo calendário maia" é uma invenção de jornalistas (sou um deles, sei o quanto a falta de assunto estimula a imaginação) para vender jornal a gente supersticiosa.
Temos dois fins do mundo que já começaram a acontecer:
1) o econômico, iniciado com a crise de 2008, que obriga populações inteiras a pagar trilhões de dólares injetados para salvar bancos;
2) o ambiental, com degelo dos polos, elevação do mar, desertificação, picos de temperaturas opostas cada vez maiores.
Fim do mundo é isto, o resto é "Arquivo X".
BRAULIO TAVARES é escritor e roteirista.
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'O tiro deveria ser dado pelas costas e na cabeça'
VERONICA STIGGER
ESPECIAL PARA A FOLHA
Há tempos, Eduardo vinha adiando esta violência e esta felicidade.
Finalmente, às 11 horas do dia mais longo do ano, lá se encontrava ele diante de José, estancieiro na fronteira do Uruguai com o Rio Grande do Sul, lendário praticante da arte de assar o gado dentro do próprio couro.
José tinha sido claro: o tiro deveria ser dado pelas costas e na cabeça. Se o boi desconfiasse que ia morrer, a carne endurecia. Eduardo assentiu sem uma palavra.
Porém, ao se aproximar do boi, sussurrou algo, talvez um nome, para que o animal se voltasse e, no instante do tiro, o olhasse nos olhos.
VERONICA STIGGER é escritora.
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'Merda de 3G que não pega em elevador; por que não me retuítam?'
GREGORIO DUVIVIER
ESPECIAL PARA A FOLHA
Caceta, o chão está tremendo. Cadê meu celular? "Chão tremendo... #FimDoMundo." Aquilo ali na frente é um prédio caindo? Pronto. Agora só falta botar um filtro. Lá embaixo, pego de outro ângulo. Merda de 3G que não pega em elevador. Earlybird. Não. Valencia. Foi. Curte, galera, curte. Olha o meteoro! Merda, perdi. Por que ninguém tá me retuitando? De repente, se eu pensar numa piada... Apocalipse. Eclipse. Calipso. Apocalipso. "Tá chegando o #Apocalipso." Nem fez sentido. Mas o pessoal está começando a curtir. Ah, se esses meteoros passassem mais devagarinho...
GREGORIO DUVIVIER é ator e roteirista.
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'Na minha frente uma velha dança, com vestido longo, olhos fechados'
MARTINA SOHN FISCHER
ESPECIAL PARA A FOLHA
A escuridão surge em sombras. Sento no canto, ao fundo alguma música chega devagar, densa.
Raspo as unhas na parede, o barro escapa da unha, minha testa suando molha a barba.
Na minha frente uma velha dança, com vestido longo, olhos fechados, as rugas dançam mais do que ela, um cigarro nos dedos, boca suando, a velha me olha, olhos cheios de fim, olham para os meus, para o meu.
Continuo raspando as unhas, areia entra pela porta, a que irá nos cobrir, nesse velho lugar, ela é o fim enrugado e suado, ela ri, jorrando em mim seu riso seco e seu fim, o nosso.
MARTINA SOHN FISCHER é dramaturga.
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'A égua selvagem que às vezes é vista por ali pariu'
DANIEL GALERA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Na comunidade que vive isolada nos morros da Encantada seguindo o calendário maia, uma jovem mineira pensa em como continuará sua vida agora que o mundo não acabou em vinte e um de dezembro de dois mil e doze como previsto.
Nunca houve manhã tão silenciosa e a égua selvagem que às vezes é vista por ali pariu na madrugada; um potro raquítico testa as patas no pasto ao redor do acampamento. Uma mulher solta um grito lá para o lado dos banheiros (logo mais se ouvirá um helicóptero). Curioso que a gente se deite acreditando que tudo continuará no dia seguinte, ela pensa, e pisque os olhos sem medo de que tudo tenha sumido ao abri-los, e ela segue nessa linha de raciocínio até que o mundo de certa forma acaba e ela não consegue mais voltar atrás.
DANIEL GALERA é escritor.
    Exposição nos EUA reúne raridades da cultura maia



Centro cultural celebra fim de calendário com 130 objetos trazidos da Guatemala
LUCIANA COELHODE WASHINGTON"Não é o fim do mundo, só do 13º bak'tun", diz Iván Duque, chefe da divisão cultural do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), explicando que os maias não se preocuparam com um 14º bak'tun. "Agora o ciclo recomeça", afirma.
Bak'tun é a divisão do mais extenso dos três calendários que os maias adotavam, e que compreende, para nós, 396 anos. O fim do bak'tun foi a deixa para o BID explicar ao público mais da cultura maia -perpetuada por 6 milhões de pessoas em cinco países (México, Guatemala, Belize, Honduras e El Salvador).
No centro cultural da organização, em Washington, estarão expostas até 15 de fevereiro 130 peças trazidas da Guatemala, produzidas em uma cultura que atingiu o apogeu no ano 400.
O impressionante "O Jade Celestial dos Maias" reúne estatuetas, joias, vasos e oferendas religiosas talhados na pedra esverdeada que nunca haviam deixado o país onde foram encontradas -algumas, inéditas ao público.
Os que oferecem maior detalhe da vida maia é o conjunto chamado "Árvore da Vida" (quatro grandes vasos decorados na direção dos pontos cardeais sobre pedras polidas de jade, como uma oferenda) e a coleção de figuras de cerâmica com atores da sociedade maia achada em Waka, sítio arqueológico da Guatemala.
Estão ali um nobre que acaba de morrer, entretido com sua alma; um rei que dá ordens; a rainha; um escriba corcunda; um xamã; dois guerreiros; jogadores de pelota (um esporte inventado pelos maias que lembra o futebol) e devotos com o que seriam oferendas, entre outros.
"O nível de detalhe e a individualidade de cada figura é tamanho que acreditamos serem inspiradas em gente real", diz Debra Corrie, coordenadora da coleção do BID.


    SERÁ
    HUMOR
    "MISSA DO GALHO"
    QUANDO hoje, às 22h30
    ONDE Espaço Parlapatões (pça. Franklin Roosevelt, 158; tel.: 0/xx/11/3258-4449)
    QUANTO de R$ 15 a R$ 30
    CLASSIFICAÇÃO não informada
    Hugo Possolo comanda o especial de fim de mundo que repassa fatos de 2012
    TEATRO
    ACORDES
    QUANDO às 20h
    ONDE Teatro Oficina (r. Jaceguai, 520; tel. 0/xx/11/ 3106-2818)
    QUANTO R$ 20
    CLASSIFICAÇÃO 14 anos
    Última apresentação da peça dirigida por José Celso, inspirada em Bertolt Brecht.
    NA INTERNET
    Leia relatos do fim do mundo do cineasta Luiz Bolognesi e do músico Eduardo Dussek
    folha.com/no12042813

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