quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Editoriais FolhaSP

FOLHA DE SÃO PAULO

Presságios
A provável eleição de Renan Calheiros e Henrique Alves às presidências do Senado e da Câmara emite um sinal desolador sobre o Congresso
A condução dos peemedebistas Renan Calheiros (AL) e Henrique Eduardo Alves (RN) às presidências do Senado e da Câmara dos Deputados será um resultado tão previsível quanto desolador para as eleições que ocorrerão nas duas Casas no começo de fevereiro.
Previsível porque, alijado das disputas pelo Executivo, o PMDB se especializou em comandar o Legislativo. Desde 1985, a legenda dirigiu o Senado por quase 24 anos e a Câmara por 14. Nenhum outro partido demonstrou, nem remotamente, tamanho profissionalismo na captura desse aparelho estatal.
Mas essa vitória será também desoladora pela gravidade das suspeitas que, neste início de ano, pesam contra os dois congressistas -rodeados de assessores e empresas cuja reputação é duvidosa.
Como esta Folha revelou no domingo, recursos de emendas parlamentares apresentadas por Henrique Eduardo Alves abasteciam uma empresa de Aluizio Dutra de Almeida, assessor do deputado. Diante do escândalo, o auxiliar pediu demissão, mas o peemedebista manteve-se impassível: negou irregularidades e atribuiu tudo ao "jogo pré-eleitoral".
A situação de Renan Calheiros não é melhor. A título de pagar o aluguel do escritório político em Alagoas, o senador repassou verbas parlamentares ao seu suplente. Num outro episódio, Calheiros pediu ao Senado o reembolso de gastos com uma produtora -a Ovni Áudio Vídeo Produções-, mas a empresa nega que tenha prestado tais serviços ao congressista.
Como os dois peemedebistas insistem em manter suas candidaturas, seria razoável esperar, dadas as revelações, que parcela significativa dos parlamentares passasse a apoiar candidatos menos vulneráveis do ponto de vista ético -como o senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) e o deputado Júlio Delgado (PSB-MG). Longe disso.
Nem mesmo a oposição julgou ser oportuno apoiar as postulações alternativas. O líder do PSDB na Câmara, Bruno Araujo (PE), afirmou que a bancada manterá o apoio ao governista PMDB, e o líder tucano no Senado, Alvaro Dias (PR), disse que a candidatura do PSOL é "isolada". Com inimigos assim, quem precisa de amigos?
Verdade que não será a primeira vez que políticos controversos comandarão o Legislativo. O próprio Calheiros renunciou à chefia do Senado em 2007, acusado de ter despesas pagas pelo lobista de uma empreiteira. Escândalos também levaram Jader Barbalho (PMDB) e Antonio Carlos Magalhães a abdicar de seus mandatos.
A lista não é menos extensa na Câmara. Ibsen Pinheiro (PMDB) foi cassado em 1994, Severino Cavalcanti (PMDB) renunciou em 2005 e João Paulo Cunha (PT) terminou condenado pelo STF a nove anos de prisão no processo do mensalão.
Parece que os congressistas têm uma atração quase irresistível por líderes dessa estirpe -o que, afinal, deve dizer muito sobre como eles veem a si mesmos.


EDITORIAIS
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Ídolo caído
Uma verdadeira corrida -bem mais encarniçada do que qualquer maratona ou disputa olímpica de ciclismo- parece desenvolver-se entre as autoridades esportivas, no seu zelo antidoping, e os avanços da tecnologia química.
O caso do ciclista Lance Armstrong, 41, possui ingredientes tão ou mais emocionantes do que as competições de que participou.
Sete vezes vencedor do "Tour de France", o atleta americano admitiu agora ter usado drogas para turbinar seu desempenho. Trata-se, segundo uma entidade especializada, "do mais sofisticado, profissionalizado e bem-sucedido programa de doping já visto no esporte".
Transfusões de sangue, hormônios e esteroides harmonizaram-se num "blend" destinado a aumentar a presença de glóbulos vermelhos na circulação do esportista.
Vastas somas de dinheiro, enquanto isso, circularam em torno da figura de Armstrong -que, como todo atleta de sucesso, projeta a imagem de uma vida saudável, longe das drogas, e de um espírito digno de aplauso, pelas virtudes da concentração e da persistência.
Persistência houve, de fato, na tentativa de negar os rumores que ora se confirmam. Um tabloide londrino até foi obrigado, em 2006, a indenizar o atleta por notícias que na época se consideraram difamatórias. É provável que agora peça uma reparação. Fabricantes de artigos esportivos e uma seguradora tendem a acompanhar a atitude.
É possível imaginar, num futuro próximo, que os patrocinadores corporativos intensifiquem o controle sobre atletas que os representam. Ou não -é duvidoso, afinal, que se persista na ideia de um desempenho esportivo livre de qualquer fator tecnológico externo.
No mundo publicitário, a beleza não mais subsiste sem manipulações fotográficas. Do mesmo modo, atletas de primeiro escalão conhecem técnicas de treinamento, além de privilégios genéticos, inatingíveis para a média dos que se inspiram em seu exemplo.
Características "sobre-humanas" talvez situem tais atletas num Olimpo, e seria ilusório imaginá-lo ao alcance do mais persistente mortal. Em vez da ambrosia, hormônios e esteroides na dieta. E, para ver sob luz irônica essa polêmica, talvez a própria indústria farmacêutica seja uma futura fonte de patrocínio do esporte olímpico.

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