quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Ficção perdeu os leitores, diz o autor de "O Filho Eterno"

FOLHA DE SÃO PAULO

Eles não chegam lá
Ao contrário da boa fase da não ficção produzida no país, romances e contos brasileiros quase nunca emplacam seus títulos na lista de mais vendidos
MARCO RODRIGO ALMEIDADE SÃO PAULOBasta uma rápida olhada nas listas de livros mais vendidos para notar dois cenários bem distintos no mercado editorial brasileiro.
A categoria de não ficção é dominada por livros nacionais, quase sempre ocupando os primeiros lugares.
Já entre os títulos de ficção, encontrar um autor brasileiro é como achar uma agulha em um palheiro.
O site "PublishNews", que monitora as vendas de 25% a 35% das livrarias do país, publicou um balanço de 2012 que ilustra bem a questão.
Entre os 20 livros de não ficção de maior sucesso no ano, há 14 títulos brasileiros (veja ao lado). Biografias do bispo Edir Macedo e do empresário Eike Batista e o manual de etiqueta da colunista da Folha Danuza Leão são os maiores sucessos da categoria. Na seara da ficção, há apenas dois autores brasileiros entre os 20: Jô Soares e Luis Fernando Verissimo, ambos no fim da lista.
O livro de Jô, "As Esganadas", ocupa o 17º lugar no grupo liderado pela trilogia britânica "Cinquenta Tons de Cinza". É o melhor desempenho de uma ficção brasileira em 2012, embora tenha sido lançado em outubro de 2011.
A aferição feita pelo "PublishNews" é considerada hoje pelas editoras a mais confiável do país. Ainda assim, não há números exatos de exemplares vendidos no Brasil. As listas de livros mais vendidos dependem de dados de editoras e livrarias, que nem sempre divulgam essas informações.
Escritores, autores e críticos ouvidos pela Folha apontaram tanto questões de mercado quanto artísticas para tentar, ao menos em parte, explicar o fenômeno.

LITERATURA POPULAR
"O mercado cresceu, mas ficou mais concentrado. Poucos títulos vendem muito. Neste cenário, fica difícil competir com um blockbuster internacional", diz Otávio Marques da Costa, publisher da Companhia das Letras.
"Enquanto isso, na não ficção", completa, "os títulos internacionais têm menos força. O público prefere assuntos que lhe são próximos, sobre nossa história. É mais fácil entrar na lista."
Para ele, falta ao Brasil a tradição de uma literatura comercial de qualidade, que faça frente aos sucessos estrangeiros. Cita como exemplo vitorioso o caso de "As Esganadas", editado pela Companhia.
Sergio Machado, presidente do grupo editorial Record, aponta o mesmo problema.
"Há pouca gente aqui se arriscando a fazer uma ficção mais popular. Quem poderia fazer isso bem prefere ir para a TV, escrever a novela das oito."
Os dois maiores sucessos brasileiros do grupo em 2012, segundo o levantamento do PublishNews, são de não ficção: "A Queda", de Diogo Mainardi, e "Encantadores de Vidas", de Eduardo Moreira.
O último, conta Machado, recebeu uma verba de marketing "agressiva": mais de R$ 200 mil. Um livro de ficção nacional considerado "normal" recebe cerca de R$ 2.000 de marketing."Esse investimento é mais raro mesmo na ficção. Não adianta fazer publicidade de um produto que não vai despertar o interesse do público", afirma.
Enquanto Companhia e Record dizem dividir seus catálogos brasileiros de forma equiparada entre ficção e não ficção, a Leya tem privilegiado este último.
"Simplesmente porque são poucos os autores de ficção que merecem publicação", justifica o diretor-geral da editora, Pascoal Soto.
Ele esteve envolvido em alguns dos principais fenômenos da não ficção dos últimos anos, como "1808" (quando Soto ainda atuava na Planeta) e a série "Guia Politicamente Incorreto" (já na Leya).
"Na não ficção, encontramos autores dispostos a atender à demanda do grande público. Eles escrevem de forma acessível. Já os romancistas escrevem para os amigos, para ganhar o Nobel de Literatura", alfineta Soto.

    FRASE
    "Na não ficção, encontramos autores dispostos a atender à demanda do grande público. Eles abordam temas interessantes, escrevem de forma acessível. Já os romancistas escrevem para os amigos, para ganhar o Nobel de Literatura"
    PASCOAL SOTO
    diretor-geral da Leya

      Ficção perdeu os leitores, diz o autor de "O Filho Eterno"
      Cristovão Tezza diz que a vanguarda afastou o público do romance brasileiro
      Para Marçal Aquino, quem se guia por tendências do mercado deixa de ser artista para ser apenas comerciante
      DE SÃO PAULOEntre os escritores, como em geral costuma acontecer, o debate sobre mercado e arte gera um tanto de controvérsia e de discórdia.
      "O autor que se guia pelas tendências do mercado deixa de ser um artista para ser um comerciante", diz Marçal Aquino ("O Invasor"). É principalmente por falta de conhecimento, crê, que o público consome pouca ficção nacional.
      "É a velha questão, temos que investir na formação dos leitores. A ficção ainda é muito associada à diversão rápida. O leitor prefere ler uma biografia, pensa 'vou ler algo que me ensine alguma coisa'."
      Sérgio Sant'Anna ("Um Crime Delicado"), um dos principais autores nacionais, diz que nunca teve pretensão ao best-seller. "Entendo tão pouco disso que nunca tinha me dado conta de que a não ficção faz mais sucesso."
      Cada um de seus livros vende, em média, 5.000 exemplares, número que considera satisfatório.
      "O que é bom não vende muito. O pessoal não tem nível intelectual para consumir um livro de maior qualidade. O Jô vende muito porque é da televisão. Se tirar a TV, ele não entra mais nas listas."
      DESCOMPASSO
      Já o autor Nelson de Oliveira acredita que "há um sério problema de falta de sintonia entre o grande público e os escritores brasileiros".
      "A grande massa de leitores está interessada numa ficção folhetinesca, vibrante e colorida, enquanto 99% dos escritores brasileiros estão interessados apenas na 'obra maior', em geral complexa e problemática."
      Com o pseudônimo de Luiz Bras, ele enveredou por temas mais populares, como suspense e ficção científica, em seu mais recente romance, "Sozinho no Deserto Extremo".
      "Para figurar com mais frequência nas listas de best-sellers de ficção, os escritores precisariam ser menos vaidosos e pretensiosos", afirma.
      Cristovão Tezza também fala em divórcio entre o autor brasileiro e o público.
      "Nós perdemos o leitor depois dos anos 1970, quando a universidade passou a dominar a literatura. Houve uma poetização da prosa, a narrativa clássica implodiu. Já o autor de não ficção, pelos próprios temas com os quais lida, nunca perdeu de vista o seu leitor."
      Tezza é autor de "O Filho Eterno" (2007), romance superpremiado, mas que não entrou nas listas de mais vendidos. Embora tente conciliar sofisticação e aspectos mais tradicionais da narração, não se preocupa de antemão com o resultado comercial. "Se vender, ótimo. Mas ficar obcecado com isso pode envenenar o autor."
      Para vender bem, explica Joca Reiners Terron ("Não Há Nada Lá"), é necessário apresentar alguns (ou todos) dos seguintes fatores; ter talento literário e fazer obras realistas, que cortejem a não ficção; ser o próprio autor um produto "vendável" (bonito, jovem etc.); estar na TV. Mas o essencial é o investimento em publicidade feito pela editora.
      "Publicidade é botar anúncio no jornal, no cinema, na lateral do ônibus e do metrô, propaganda na TV e na web. Isso custa muito dinheiro e quase nunca é feito."
      Esse parece ser o dilema "o ovo e a galinha" do meio literário: a ficção brasileira vende pouco porque recebe pouco investimento das editoras ou recebe pouco investimento porque vende pouco?
      "A editora ajuda, mas não faz milagre. A qualidade do texto continua sendo fundamental", argumenta Pascoal Soto, diretor-geral da Leya.
      A questão, tudo indica, ainda vai consumir muitas páginas.

        FRASES
        "O que é bom não vende muito. O pessoal não tem nível intelectual para consumir um livro de maior qualidade"
        SÉRGIO SANT'ANNA
        "Para figurar nas listas de best-sellers de ficção, os autores precisariam ser menos vaidosos e pretensiosos"
        NELSON DE OLIVEIRA

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