quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Tendências/Debates

FOLHA DE SÃO PAULO

ANTONIO LASSANCE
Os defensores da energia cara
A real discussão por trás da MP é o poder de regulação pública sobre o setor privado. No Brasil, muitos chamam a regulação fraca de "segurança jurídica"
No debate feito em torno da MP 579, que pretende baixar o preço da energia elétrica, tem se sobressaído a tendência de se associar a medida a um padrão de governança da atual Presidência. Explicitamente, o padrão de confiar ao setor estatal um protagonismo asfixiante sobre a iniciativa privada. A proposta tem sido relacionada a um tipo autoritário de governança, assemelhado ao dos governos de Getúlio Vargas e Ernesto Geisel.
Ocorre que ainda está para aparecer no Brasil um governo que não oriente suas decisões atendendo a alguma parcela do setor privado.
Para ser posto no lugar, o debate deveria se debruçar sobre quem ganha e quem perde, entre os agentes econômicos privados, com a MP 579.
Os principais entusiastas da mudança propugnada pela MP são a indústria, o comércio e os consumidores individuais. O setor público perde. Suas empresas vão ter que diminuir seus lucros e reorientar seus gastos e planos para atender ao objetivo de baixar a conta de energia.
O problema está localizado -e não pode ser minimizado- em algumas importantes empresas de produção de energia, principalmente as de alguns dos grandes Estados produtores. Seus representantes têm agora a difícil tarefa de defender a energia cara e de fazer acreditar que isso se traduz em mais investimentos no setor. Com décadas de energia cara, a conclusão dessas premissas seria a de que o setor vai muito bem e que não se mexe em time que está ganhando.
Como tal linha de argumentação é muito pouco convincente, o debate tem deixado de lado a economia na ponta do lápis para adquirir feições de embate ideológico dos mais empedernidos. Para tanto, invocaram as almas ditatoriais de Getúlio Vargas e de Ernesto Geisel para assombrar os vivos.
O uso da história do Brasil pelo método confuso, gênero que tem ganhado adeptos, foi usado para dizer que a concepção por trás da MP 579 é a mesma do Código de Águas de 1934. Um arcaísmo, portanto.
O código de 1934 já foi exorcizado como o grande vilão do baixo investimento privado durante todo o período Vargas, como se a crise de 1929, que atravessou toda a década de 1930, e a Segunda Guerra fossem só dois "detalhes" do problema.
O código de 1934 trazia, das pátrias do liberalismo (Estados Unidos e Reino Unido), uma inovação que se afirmaria desde o século passado em todo e qualquer país decente: estabelecer marcos legais e agentes reguladores sobre cada setor produtivo.
O fato é que mesmo com crise e com guerra, a capacidade instalada de produção de energia elétrica do Brasil cresceu, de 1930 para 1940, em 60%. Entre 1940 e 1950, cresceu 34%.
A batalha que se enfrenta hoje tem mais a ver com a travada por Juscelino Kubitschek. Foi JK o grande responsável por desarmar o lobby que se formou fortemente nos Estados que controlavam a maior parte da produção de energia do país. Vargas encerrou sua presidência tragicamente, em 1954, sem ver aprovada sua proposta de criação da Eletrobras. Foi Juscelino quem a fez tramitar até sua aprovação, depois sancionada por Jânio Quadros, em 1961, e implementada por João Goulart.
A real discussão por trás da MP e de seus fantasmas dos anos 1930 a 1970 é a do poder de regulação pública sobre o setor privado.
Em países democráticos, após o vendaval da última crise, o papel das agências reguladoras tem se fortalecido na função de "watchdogs" (cães de guarda). Aliás, é assim que muitas delas popularmente se apresentam. Sua função é, quando se percebe algo de errado, latir; morder, se preciso for.
No Brasil, o setor privado trata como se fossem espantalhos as agências reguladoras que ameaçam cumprir o seu papel. Preferem cães de guarda que miem. Chamam a isso "segurança jurídica". E preferem energia cara. Chamam a isso "investimento".
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Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

    CRISTIANO COSTA
    O gargalo mais apertado
    Vai ser certamente mais difícil destravar a educação do que a infraestrutura. Há uma série de medidas que o Brasil tem de tomar na área o quanto antes
    O Brasil possui dois grandes gargalos que travam seu crescimento potencial: infraestrutura e educação.
    O mais grave e de solução mais difícil certamente é o segundo.
    A última avaliação da ONU, o Pisa, classificou o Brasil em 53º entre 65 países avaliados. Enquanto os russos fizeram 459 pontos em leitura, a nota do Brasil foi 412. Mas, a Rússia ficou somente em 43ª na classificação. Os líderes são os chineses de Xangai. Eles fizeram 556 pontos no exame da ONU.
    Infelizmente, essa distância não pode ser reduzida no curto prazo. Os resultados de políticas adotadas hoje levarão pelo menos uma década para serem percebidos. O maior desafio é o aprendizado.
    Melhorar a educação requer investimentos. O primeiro deles é valorizar os professores de modo que a carreira se torne atrativa, tanto do ponto de vista financeiro quanto do reconhecimento da sociedade.
    O salário anual de um professor do ensino fundamental nos Estados Unidos é próximo dos US$ 55 mil. Esse valor é 20% superior à renda per capita americana e corresponde a 64% do salário de um engenheiro. No Brasil, a lei atual prevê que um professor receba no mínimo R$ 1.451 ao mês, algo em torno de US$ 9 mil ao ano. Esse valor é 20% inferior à renda per capita brasileira e corresponde a apenas 35% do salário médio de um engenheiro no Brasil. Mas isso não é tudo. Muitos Estados e municípios não pagam nem mesmo o piso fixado em lei!
    Além de corrigir distorções salariais, mudar o quadro educacional do país requer medidas que deram certo em outros países.
    A primeira é avaliar os alunos de forma contínua nas principais áreas: língua portuguesa e matemática. Mais do que avaliar, é necessário detectar os problemas específicos de cada série, item por item.
    Se os alunos foram mal ao calcular proporções de triângulos, então que seja repensado o modo de ensino dessa matéria. Isso significa usar a avaliação não só para classificar escolas, mas também para melhorar o ensino.
    A segunda forma de melhorar o ensino é por meio da remuneração por desempenho. Ou seja, premiar professores e principalmente gestores de escolas que apresentem melhores resultados ao longo do tempo. Isso cria incentivos e valoriza os profissionais, desde que seja feito de forma cuidadosa, levando-se em conta as diferenças econômicas e sociais do entorno de cada escola.
    Outros dois passos são fundamentais para mudar nossa educação.
    O primeiro é o aumento do número de horas de ensino. Enquanto os chineses estudam mais de oito horas por dia, a carga horária brasileira, quando cumprida, é de cinco. Não há dúvidas de que mais horas de ensino resultam em melhor desempenho. Além disto, existe evidência de que a redução do número de alunos em sala de aula melhora o aprendizado. Uma sala com 25 alunos é muito mais fácil de ser administrada do que uma sala com 40 alunos.
    A mudança da pirâmide demográfica brasileira pode facilitar o trabalho dos governantes nos próximos anos com relação a estes dois últimos passos. Com mais verba para a educação, o Brasil terá uma oportunidade imensa até o final desta década para garantir um bom desempenho na próxima.
    Todas as medidas listadas acima tomam tempo. Não podemos esperar mais. Este é o gargalo mais apertado do crescimento do país e sabemos como alargá-lo. Agora cabe à sociedade se organizar e cobrar agilidade dos governantes quanto à apresentação de resultados e propostas.
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