terça-feira, 8 de janeiro de 2013

MARIA ESTHER MACIEL » Tempo de folias‏

Estado de Minas:08/01/2013



Os trigêmeos Belchior, Gaspar e Baltazar nasceram num dia ensolarado de janeiro, perto do Rio do Sono, entre João Pinheiro e Paracatu – Noroeste de Minas Gerais. Mas a mãe, que tinha a saúde frágil, não resistiu e morreu nos braços da parteira, logo após o nascimento dos filhos. Os meninos, assim, tiveram que ser criados pelo pai e a avó, indo morar em Varjão de Minas, onde viveram uma infância digna e quase feliz.

Quando completaram 15 anos, o pai – que era capitão de uma folia de reis das redondezas – disse-lhes que era o momento de se tornarem foliões. Os três ficaram radiantes, pois sempre sonharam seguir os passos do pai, tendo já aprendido a entoar os cantos e a tocar alguns dos instrumentos. Poderiam, a partir daquele momento, participar de todas as apresentações do grupo, entre o Natal e o Dia de Reis (ou até o Dia de São Sebastião) em diversas cidades vizinhas. Belchior foi escalado para tocar o reco-reco; Gaspar ficou com o triângulo; Baltazar, com o pandeiro. Apresentaram-se, pela primeira vez, nos festejos do distrito de Andrequicé. E, pelo que se soube, saíram-se muitíssimo bem.

Conheci os trigêmeos foliões muito tempo depois, na casa de minha avó paterna, em Patos de Minas. Eu devia ter por volta de 10 anos. Eles já eram homem feitos e pareciam réplicas um dos outros, de tão parecidos de rosto e de corpo. Nessa época, os grupos de folias de Reis já se reuniam todo ano no auditório da Rádio Clube de Patos, graças a uma campanha promovida pelo inesquecível radialista Patrício Filho. E os foliões aproveitavam a ida à cidade para fazer também apresentações nas casas de família, a convite dos moradores. Era meu pai quem os levava, de caminhonete vermelha, à casa de minha avó Maria. Ela preparava panelas de galinhada e tutu de feijão para recebê-los da melhor maneira possível. Vizinhos, parentes e amigos também participavam da festa, que não tinha hora para terminar. Tudo era uma grande alegria sem fim.

Foi um dos trigêmeos que contou, em público, a história de vida dos três, agradecendo muito à Nossa Senhora da Abadia por terem se tornado foliões como o pai, o eterno capitão do grupo. Depois disso, não os vi mais. Mas nunca me esqueci dos três rapazes: esguios, de pele muito negra e brilhante, dentes lindos e sobrancelhas fartas. Tocavam, dançavam e cantavam como verdadeiros artistas. Ou magos.

Recordei-me de tudo isso anteontem, Dia de Santos Reis. Com o auxílio da imaginação, é claro. E, curiosa para saber se ainda existia a tradição das folias em Patos, recorri à internet. Descobri que sim. Soube, inclusive, que elas passaram a ser consideradas Patrimônio Cultural Imaterial de Patos de Minas, em 2007, pelo poder público. Ou seja, parece que a tradição das folias de reis continua bastante viva por lá. O festival também tem acontecido todo ano, no auditório da Rádio Clube de Patos, reunindo diversos grupos da região, com fins culturais e filantrópicos. Tenho que voltar à cidade em algum mês de janeiro, só para ver as apresentações. Quem sabe reencontro os trigêmeos foliões de minha infância?

Li, ainda, que Minas é o estado com o maior número de folias de reis do Brasil. Para a minha surpresa, até em Belo Horizonte elas existem. Ou, melhor, resistem.

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