sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Editoriais FolhaSP

folha de são paulo
Do Egito à Tunísia
Um dos maiores críticos dos islamitas que dominam o cenário político na Tunísia desde a revolução de 2011 foi morto a tiros horas depois de receber, por telefone, a última de uma série de ameaças.
O esquerdista Chokri Belaid combatia forças conservadoras que via como ameaça à natureza laica do Estado tunisiano. Seu assassinato acirra as tensões no ambiente tenebroso que envolve o pequeno país de onde partiu a onda de revoltas contra ditadores conhecida como Primavera Árabe.
A morte de Chokri é atribuída pela classe média urbana e instruída a extremistas na órbita do partido religioso Al Nahda, que saiu da clandestinidade sob o antigo regime para tornar-se a principal força política. Com respaldo de setores rurais e tradicionais, a sigla venceu as eleições de outubro para formar a Assembleia Constituinte encarregada de governar o país até a definição do novo marco legal.
Embora pregue uma liderança islâmica moderna inspirada no modelo turco, o Al Nahda nunca conseguiu dissipar temores de que persiga o objetivo oculto de instaurar um regime religioso. Em agosto ocorreram manifestações de revolta contra um artigo constitucional em redação segundo o qual a mulher seria considerada "complementar" ao homem, e não igual.
Nos últimos meses, jornais e TVs foram perseguidos por conteúdo supostamente imoral. Galerias de arte sofreram ataques anônimos. Uma tunisiana foi estuprada por policiais e processada por "atentado ao pudor" após ser encontrada num carro com o namorado.
Financiado por ultraconservadoras petromonarquias do golfo Pérsico, o Al Nahda também é acusado de conivência com facções salafistas, que defendem um retorno à mítica pureza islâmica dos tempos de Maomé.
Sob pressão de sua ala mais intolerante, o partido reagiu até agora sem vigor às críticas de setores mais secularistas. Sua popularidade cai. As lutas internas ficaram claras após o partido rejeitar a decisão do premiê Hamadi Jabali de dissolver o gabinete em resposta à fúria pelo assassinato de Chokri.
Ao mal-estar político-religioso soma-se a incapacidade do governo de reverter um quadro econômico calamitoso, agravado pela debandada dos turistas ocidentais -como ocorre no Egito.
A legitimidade dos islamitas tunisianos e a sua permanência no círculo do poder dependem agora da disposição para encontrar e punir os culpados pela morte do oposicionista Chokri Belaid.


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Justiça recatada
Pressuposto de insuspeição do Judiciário terá reforço com a proibição de magistrados em eventos de classe patrocinados por terceiros
Quando políticos recebem, a título de "brinde" de uma empresa, chaves de um carro ou passagens em navio de cruzeiro, o mínimo que se pode esperar é alguma reação do Ministério Público diante desse indício de corrupção.
Para que o caso se enquadre nesse tipo criminal, porém, cumpre às autoridades provar -o que envolve muita investigação e alguma dose de interpretação- a presença implícita de uma expectativa: a de que o político providencie algo em troca do que recebeu.
O detalhe é importante. Costuma ser lembrado por magistrados, como justificativa, quando se veem objeto de agrados e patrocínios de empresas públicas e privadas.
A analogia é imperfeita, contudo: juízes, que não são eleitos e gozam de vitaliciedade no cargo, não podem ser responsabilizados politicamente, como o parlamentar e o governante escolhidos pelo voto. Daqueles se espera um grau superlativo de insuspeição, que preceda todo ato jurisdicional e revista a figura de cada magistrado, como uma toga invisível.
Chega assim em boa hora a proposta moralizadora, apresentada ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pelo corregedor nacional de Justiça, Francisco Falcão, de proibir a participação de magistrados em eventos financiados por empresas -mesmo se intermediadas por associações de classe.
A cada participante não se pode atribuir a pecha de corrupção, até porque a sedução não se faz no varejo, e, sim, por atacado, mas à situação também se aplicam os qualificativos não menos desairosos de "farra" e "boca-livre".
Os exemplos se disseminaram pelo mundo judicial brasileiro. Entre os casos mais notórios destacados pela Folha esteve um encontro na ilha de Comandatuba (BA), em 2010, promovido pela Associação dos Juízes Federais e pago pela Caixa Econômica Federal e pelo Banco do Brasil, entre outros.
Em dezembro passado, a Associação Paulista de Magistrados promoveu convescote em que mais de mil convidados participaram em sorteios de brindes doados por empresas diversas. Entre elas, ao menos sete tinham processos em tramitação no Judiciário estadual.
Celulares, geladeiras, viagens ao Nordeste e aos EUA, cruzeiros marítimos e até um automóvel foram sorteados. "Uma verdadeira vergonha", observa Falcão.
Sua iniciativa ainda depende de aprovação no CNJ. Não deveria ser necessária, na verdade, a explicitação de uma norma nesse sentido.
O senso de compostura e imparcialidade que se espera dos juízes, por si só, seria suficiente para afastar a mera hipótese do presente, do passeio, do banquete. Sob a tenda do corporativismo, todavia, garante-se a sombra e a água fresca para todos.

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