quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Em xeque, o sexo oral-Jefferson da Fonseca Coutinho‏

Responsável por mais de 500 mil novos casos de câncer no colo do útero por ano, HPV se torna vilão dos tumores na boca e garganta, que têm aumentado entre jovens. Antigamente, doença no trato oral estava associada ao álcool e ao tabaco 

Jefferson da Fonseca Coutinho
Estado de Minas: 13/02/2013 
Há uma luz vermelha acesa na saúde pública: jovens que nunca fumaram nem beberam estão sendo cada vez mais afetados por tumores de boca e de garganta. Sombra de um tabu, em xeque, está a intimidade de qualquer indivíduo de vida sexual ativa. A maioria dos casos de câncer oral está associada à infecção pelo papiloma vírus humano (HPV) – da família Papilomaviridae, sexualmente transmissível e capaz de provocar lesões de pele ou mucosa. É também esse vírus o responsável pelo desenvolvimento de 500 mil novos casos anuais de câncer de colo uterino.

Para o médico Sérgio Augusto Triginelli, com pós-doutorado em ginecologia oncológica, o momento é de alerta e de desmistificação. “O jovem está transando mais. Está bebendo mais, se drogando mais. Isso provoca uma liberalidade quase inocente, já que, alterado, o sujeito não é mais dono de seu controle”, considera. Até há bem pouco tempo, câncer de boca e garganta era comum na população com mais de 50 anos, com histórico de alcoolismo e tabagismo. “Hoje, assim como o fumo está para o pulmão, o HPV está para os casos de câncer de colo do útero e oral”, alerta o especialista. 

O fato é que, segundo Triginelli, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), há um aumento significativo de câncer provocado pela vida sexual dos jovens, “com poucos ou nenhum cuidado”. Para ele, a participação dos pais, com orientação responsável, e do governo, com políticas públicas de esclarecimento, é o caminho emergencial para combater o quadro.

No Brasil, levantamentos anteriores indicavam prevalência de infecção pelo HPV menor que 2% nos pacientes com câncer de cabeça e pescoço. “Um estudo nosso publicado em 2012 mostra que em pacientes jovens com tumores de boca a prevalência é de 32%, o que é muito alto”, diz Luiz Paulo Kowalski, diretor do Núcleo de Cabeça e Pescoço e Otorrinolaringologia do Hospital do Câncer de São Paulo, conhecido como Hospital A.C. Camargo. O estudo, publicado em periódicos médicos internacionais, comparou 47 amostras de tumores de pacientes com menos de 40 anos e 67 amostras de pacientes com mais de 50 anos. Entre os mais velhos, o índice de infecção pelo HPV foi de 8%.

Segundo Kowalski, nos dois grupos, o estágio da doença era parecido, a localização do tumor era semelhante e, ainda assim, os pacientes jovens HPV positivos tinham taxa de sobrevida melhor que os demais. De acordo com o especialista, os dados da pesquisa reforçam os de estudos anteriores, que apontam um melhor prognóstico para pacientes HPV positivo. “Parece ser um tumor diferente, com comportamento mais localizado e menos agressivo. Em geral, os pacientes respondem melhor ao tratamento”, diz.

“Provavelmente essa diferença se deve ao fato de que na capital as pessoas aderiram mais às campanhas antifumo e hoje bebem menos do que antigamente. Já no interior, os hábitos mudaram menos. Além disso, o comportamento sexual na capital está diferente e isso é um dos fatores a que se atribui o aumento da ocorrência dos casos de câncer associados ao HPV”, explica Kowalski. 

Há 20 anos, o panorama para um jovem com câncer de cabeça e pescoço era muito ruim. Em geral, eram pessoas que começaram a fumar e beber muito cedo. Tinham más condições nutricionais, estado físico muito comprometido e tumores muito agressivos. Os estudos que envolvem o HPV estão bastante avançados na Europa e nos Estados Unidos. Kowalski acredita que, com as últimas observações, os tratamentos serão diferenciados e ainda mais eficazes.

Para o médico do A.C. Camargo – hospital responsável por 61% da produção científica da área no país e formador de um em cada três oncologistas em atividade no Brasil – essa mudança de paradigma requer a revisão dos programas de prevenção e detecção precoce da doença, até agora centrados em cuidados com a boca e em pacientes que fumam e bebem. Os que estão fora desse grupo também podem estar em risco.

Existem mais de 200 variações do vírus HPV. A maioria dos casos de câncer de orofaringe está associada aos tipos 16 e 18, contra os quais já existe vacina. Para Luiz Kowalski, o grande desafio é fazer com que essas vacinas sejam disponibilizadas na rede pública de saúde. “São três doses que devem ser aplicadas antes de a vida sexual ser iniciada”, explica. Está em discussão se vale a pena incluir a vacina, de alto custo, no Programa Nacional de Imunização, já que alguns cientistas ainda questionam a abrangência de sua eficiência.
 
NOS EUA Relatório Anual à Nação sobre a Situação do Câncer, que abrange o período de 1975 a 2009, nos Estados Unidos, aponta que a incidência de tumores de boca, garganta e ânus tem aumentado. Foi observado também que, entre 2008 e 2010, a vacinação contra o vírus do HPV manteve-se abaixo do esperado entre as adolescentes – o que, segundo os pesquisadores, contribui com o avanço da doença. Números do Centro Nacional de Estatísticas da Saúde dos EUA revelaram que, em 2005, 55% dos garotos e 54% das garotas entre 15 e 19 anos já haviam praticado sexo oral. O que pode explicar a maior presença do HPV – mais comum em câncer no pênis, ânus e colo do útero – nos tumores na boca.

Segundo estudiosos, a maioria das pessoas será infectada pelo HPV em algum momento da vida. E, em geral, o vírus desaparece sem maiores consequências. As pesquisas sobre a relação entre HPV e câncer na boca não estão consolidadas e os mecanismos de infecção ainda não são totalmente conhecidos. Um outro estudo americano, de avaliação da saúde e nutrição, reuniu 5,5 mil pessoas entre 2009 e 2010 para enxágue bucal em centro móvel de exames. O estudo descobriu que o HPV oral é mais frequente entre pessoas idosas, em parceiros sexuais recentes e entre fumantes, pessoas que bebem muito álcool e entre usuários, atuais ou antigos, de maconha.

Os pesquisadores observaram um aumento de 225% nos casos de câncer oral nos Estados Unidos de 1974 a 2007, principalmente entre homens brancos. O HPV está ligado a quase 13 mil casos de câncer de colo do útero por ano em mulheres americanas, das quais 4, 3 mil morrem. Estudiosos calculam que, até 2020, o número de casos de câncer oral vai superar o número de casos de câncer de colo de útero.

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o hpv

Estudos em diversos centros de pesquisa no mundo comprovam que entre 50% e 80% das mulheres sexualmente ativas serão infectadas por um ou mais tipos de HPV em algum momento da vida. Porém, a maioria das infecções é transitória, sendo combatida espontaneamente pelo sistema imunológico, principalmente entre as mais jovens. Qualquer pessoa infectada com HPV desenvolve anticorpos (que poderão ser detectados no organismo), mas nem sempre estes são suficientemente competentes para eliminar o vírus.

A transmissão é por contato direto com a pele infectada. Os HPVs genitais são transmitidos por meio das relações sexuais, podendo causar lesões na vagina, colo do útero, pênis e ânus. Também existem estudos que demonstram a presença rara dos vírus na pele, na laringe (cordas vocais) e no esôfago. Já as infecções subclínicas são encontradas no colo do útero. O desenvolvimento de qualquer tipo de lesão clínica ou subclínica em outras regiões do corpo é bastante raro. O uso de preservativo (camisinha) diminui a possibilidade de transmissão na relação sexual (apesar de não evitá-la totalmente). Por isso, seu uso é recomendado em qualquer tipo de relação sexual, mesmo naquela entre casais estáveis. No caso dos homens, o número de infectados pelo HPV chega a 50% da população masculina mundial, segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca) no Brasil.

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