sábado, 2 de março de 2013

AUTOEXAME EM XEQUE - Patricia Giudice‏

Governo prioriza mamografia e deixa de incentivar um dos métodos até há pouco tempo mais aconselhável para detectar câncer. Mas médicos alertam que contato da mulher com o corpo não pode ser abandonado 


Patricia Giudice

Estado de Minas: 02/03/2013 



As estimativas de novos casos de câncer de mama assustam: 52.680 mulheres acometidas pela doença no Brasil em 2012 e 2013. Em Minas Gerais, serão 5.680 casos este ano e em 2014. No último dado informado pelo Instituto Nacional do Câncer (Inca), morreram 12.705 pessoas no país em 2010. O crescimento dos números a cada ano levou o órgão do Ministério da Saúde a deixar de incentivar o autoexame, mote de várias campanhas no país desde a década de 1950.

A justificativa do Inca é de que a técnica de contato da mulher com o próprio corpo não foi capaz de levar ao diagnóstico precoce. Ao contrário, quando o nódulo é encontrado, já está em estágio avançado e muitas vezes sem chances de cura, o que faz da mamografia um recurso imprescindível. A dificuldade para o acesso ao equipamento está na rede pública de saúde. Para fazer a mamografia pelo Sistema Único de Saúde (SUS) a demora, em média, é de dois a três meses a partir da consulta com o ginecologista no posto de saúde.

A mudança feita pelo Inca provoca polêmica entre o poder público, médicos e pacientes, mas o que todos concordam é que a mulher deve se cuidar. O autoexame da mama é uma forma técnica pela qual a mulher se examina. Tem dia certo para ser feito a cada mês, assim como posições e formas específicas.

A dona de casa Maria do Rosário Barbosa é um exemplo da polêmica. No início do ano passado ela descobriu que tinha um câncer, já que sempre apalpava os seios. Fez mamografia em janeiro de 2010 e estava tudo normal. No ano seguinte não fez o exame e, por isso, não soube que um tumor maligno se desenvolvia. Em dezembro de 2011, ela percebeu um pequeno caroço na mama esquerda que passava de 3cm e já afetava as axilas. Correu para o médico e teve o diagnóstico. “Preferia ter descoberto antes, seria menos doloroso. Nunca achamos que vai acontecer com a gente, e olhe que eu era muito atenta a essa questão”, afirma. Hoje, aos 51 anos, ela tem apenas a mama direita e faz sessões de quimioterapia. Descobriu com o autoexame, mas não a tempo de preservar uma parte do corpo: “Acho que percebi porque tinha uma mama pequena. Quem tem os seios maiores dificilmente consegue identificar”.

Segundo informações na página do Inca na internet, o autoexame não contribuiu para a redução da mortalidade por câncer de mama e trouxe consequências negativas, como aumento do número de biópsias, falsa sensação de segurança nos exames falsamente negativos e impacto psicológico nos exames falsamente positivos.

O médico epidemiologista do Inca Arn Migowski explica que o autoexame é uma técnica específica com padrão, treinamento e difundida para as mulheres por meio de folhetos explicativos, com periodicidade definida. “Alguns estudos grandes mostraram que não tinha impacto na mortalidade. Hoje, recomenda-se que a mulher apalpe, que tenha consciência do seu corpo e observe alterações, mas faça a mamografia.”

CONTATO O mastologista Carlos Henrique Menke, integrante da Sociedade Brasileira de Mastologia e médico do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, concluiu em 2010 o estudo “Autoexame ou autoengano?”. Segundo ele, apalpar a mama era até pouco tempo atrás um dos métodos mais aconselháveis para o diagnóstico precoce do câncer, desde a metade dos anos 1980, quando outros exames eram escassos. “Entramos na era da mamografia, que detecta tumores abaixo de 1cm”, explicou. Mas ele pondera: “O contato, a preocupação da mulher com seu corpo é muito importante e não pode ser abandonado. Nós ainda estimulamos”. “Não diminuiu a mortalidade, mas existem áreas que são totalmente desassistidas. Nessas condições, o autoexame é muito válido, mesmo que não economize vidas, vai economizar mamas porque a realidade do Brasil é que os tumores que chegam aos centros médicos ainda são muito grandes”, disse.

O autoengano, explica ele, é que o autoexame não deve ser usado exclusivamente como diagnóstico. A estimativa no Brasil, segundo Menke, é de que, mesmo entre as mulheres treinadas para a técnica, 20% faziam corretamente para verificar a existência do nódulo. “Há um temor de encontrar o câncer e muitas não sabem interpretar o que estão apalpando.”

ESTADO A realidade de Minas acompanha a do Brasil. Segundo dados da Secretaria de Estado de Saúde, em 2010, a taxa de mortalidade em Minas foi de 11,55 a cada 100 mulheres. Maior que no ano anterior: 10,58 mortes a cada 100 mil mulheres. Mas a intenção é que diminua até 2014, quando a estimativa é de que a taxa de mortalidade caia para 10,8 a cada 100 mil mulheres. No país, morreram em 2010 11,51 mulheres para cada grupo de 100 mil e as estimativas eram de 49 mil novos casos em 2011. Os números fazem do câncer de mama o que, historicamente, mais mata mulheres em todos os estados. As políticas públicas do estado tentam abolir o autoexame . O coordenador do Programa de Controle do Câncer da Mulher da Secretaria de Saúde, Sérgio Bicalho, diz que o incentivo é pela mamografia para diminuir as mortes. “O autoexame não existe mais. Ele não diminuiu a mortalidade e a política do estado é de que se faça a mamografia”, afirmou. Para tentar chegar a todas as mulheres em 853 municípios, que é o desafio segundo ele, dois mamógrafos móveis são usados, além dos fixos em hospitais e centros públicos de saúde. No fim de março, serão mais quatro. 





Mutilação é alta no país

Mastectomia ainda é necessária em metade dos casos de câncer quando a doença é descoberta em estágio avançado. Alternativa é cirurgia de reconstrução da mama

Patricia Giudice




O câncer de mama é uma doença silenciosa, que se desenvolve, na maioria dos casos, sem provocar dores fortes. E uma preocupação dos médicos é de que seja descoberto sem a necessidade de mutilar a mulher. Segundo o mastologista Carlos Henrique Menke, integrante da Sociedade Brasileira de Mastologia e médico do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, em geral, a estimativa brasileira é que em 50% dos casos ainda é preciso retirar a mama, a mastectomia, por causa do tamanho do tumor encontrado.

“Temos tumores muito grandes ainda. O ideal é até 1,5cm, que tem chance de cura sem deformar a mulher. A grande meta é curar aqueles em tamanho menor”, afirmou. Hoje, uma das técnicas usadas pela medicina é a cirurgia oncoplástica, quando a mama é reconstruída fazendo assimetria com a outra. A prótese é necessária quando a mama inteira é retirada.

A dona de casa Lucrécia do Carmo Campolina Pinto, de 53 anos, sabe o que é entrar na sala de cirurgia e sair sem parte do corpo. Ela teve o primeiro câncer aos 40 anos, na mama esquerda. A mãe morreu com 45, pela mesma doença. Quatro anos depois, apalpando a mama direita, ela identificou mais um nódulo e não conseguiu salvar o outro seio. Pôs próteses, mas não se esqueceu do trauma. “Um câncer é muito traumatizante. É uma lição diária, me olho no espelho sempre e vejo minha situação. Tive que aprender que a vida é mais que duas mamas.”

 O primeiro nódulo ela não conseguiu detectar no autoexame, apenas o segundo, quando já estava mais treinada. “Sempre falo que é importante que a mulher conheça seu corpo e mantenha uma disciplina de consultas médicas e exames. É um conjunto”, afirmou.

TROCA DE
EXPERIÊNCIAS


Já a dona de casa Sílvia Helena Pinheiro mora em Matosinhos, mas está sempre em Belo Horizonte a pedido dos médicos que acompanharam seu tratamento contra o câncer. Tinha mania de se tocar e, num caso raro, descobriu um câncer na mama aos 28 anos, quando amamentava seu segundo filho, há 13 anos. Ela teve que tirar a mama, fez radioterapia, quimioterapia e pediu muito a Deus para continuar a viver. “Hoje, aos 40 anos, era para eu fazer a primeira mamografia. Mas já fiz mais de 100.” Ela participa do Projeto Conhecer, desenvolvido pelo Centro de Quimioterapia da Santa Casa.

A cada três meses, mulheres, familiares e médicos se reúnem para trocar experiências. Sílvia sempre mantém o seu alto astral. “Meus médicos, quando precisam dar a notícia para alguma paciente, me ligam para eu esperar do lado de fora. Quando saem, chorando, digo a elas que é possível vencer, que na hora é o fim do mundo, mas depois tudo passa”, contou. O próximo encontro do Projeto Conhecer será no dia 16 de março, às 8h30, na Santa Casa de Belo Horizonte, com entrada gratuita.

De olho no próprio corpo

Além de se apalpar, mesmo que não seja tecnicamente autoexame, as mulheres devem observar alterações no próprio corpo. Segundo o médico oncologista Charles Pádua, diretor do Cetus hospital-dia, em Betim, na Grande BH, na frente do espelho, elas podem identificar sinais de que algo está errado com a mama. Uma dica é observar, com os braços levantados ou para baixo, se os mamilos estão alinhados. Sair qualquer líquido que não seja o leite materno não é normal. Mamilo retraído, com alguma ferida, ou a pele como uma casca de laranja, são alterações que precisam ser investigadas.

Outra dica do médico é apalpar as axilas também. Alguns tumores, em casos raros até mesmo os de mama, podem se desenvolver nessa região. “Estimular que a mulher conheça e observe seu próprio corpo se soma à vigilância, é um conjunto de ações para o diagnóstico precoce”, afirmou.

A mamografia é indicada a partir dos 40 anos, mas alguns fatores podem aumentar o risco para o câncer de mama e sugerem mais atenção pelas mulheres que estiverem em idade mais baixa. Segundo Pádua, ter um histórico familiar do tipo de câncer aumentam as chances e exigem cuidado. A exposição excessiva ao estrógeno (hormônio feminino) é outro fator influenciado, por exemplo, pela falta de amamentação e longo período menstrual durante a vida. Charles Pádua enfatiza ainda fatores externos, como consumo de gordura e ingestão de álcool em excesso, além de sobrepeso e tabagismo. “As mulheres estão bebendo demais e isso é fator negativo”, disse.


PONTO CRíTICO » O poder público acerta ao desestimular o autoexame?

Sérgio Bicalho

coordenador do Programa de Controle do Câncer da Mulher da Secretaria de Estado da Saúde

Sim

“Não se fala mais em autoexame, ele não
existe mais. Não diminuiu a mortalidade
e o que vai fazer isso é realmente a mamografia.
A política do estado é que se faça a mamografia, pela ciência médica é o único que permite reduzir o número de mortes.”

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Nedda Vasconcelos
presidente da Sociedade Mineira de Cancerologia

Não


“É incentivado para todas as mulheres fora do período menstrual, inclusive temos a mama amiga, que é um desenho que mostra o que é normal e o que pode ser uma doença mais avançada. A mamografia é o método mais confiável, sem dúvida, mas o autoexame tem seu valor.”

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