terça-feira, 26 de março de 2013

Decisão e arrependimento de Bill Clinton sobre a lei do casamento gay‏


Peter Baker


  • Justin Sullivan/Getty Images/AFP
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Ele tinha acabado de atravessar o país de avião, após um dia de campanha exaustivo em Oregon e em Dakota do Sul, pousando na Casa Branca após o anoitecer. Mas o presidente Bill Clinton ainda tinha mais trabalho pela frente antes de poder dormir. Ele pegou uma caneta e assinou seu nome, sancionando uma lei.


Restavam 10 minutos para a 1 hora da manhã de sábado, 21 de setembro de 1996, e não havia câmeras, nem cerimônia. O horário era sob medida para o cálculo político e angústia pessoal. Com sua assinatura, a lei federal agora definia o casamento como sendo a união entre um homem e uma mulher. Clinton considerava a medida como uma armadilha para os gays, mas não estava disposto a colocar em risco a reeleição a vetando.


Por quase 17 anos desde então, aquele momento na madrugada assombra Clinton, uma fonte de tensão com amigos, conselheiros e defensores dos direitos dos gays. Ele tentou explicar, defender e justificar. Ele pediu compreensão. Então ele recuou aos poucos. Finalmente, neste mês, ele rejeitou totalmente a Lei de Defesa do Casamento, pedindo para que a lei seja derrubada pela Suprema Corte, que discutirá o assunto na quarta-feira, no segundo de dois dias de argumentos dedicados a questões de casamento de mesmo sexo.


Suprema Corte dos Estados Unidos discute casamento gay

25.mar.2013 - Ativistas a favor do casamento homossexual fazem fila nesta segunda-feira (25) em frente ao prédio da Suprema Corte dos EUA, em Washington. A Justiça do país vai julgar casos notórios de casais gays que querem oficializar a união. Nove dos 50 Estados do país permitem o matrimônio homossexual
Raramente um ex-presidente declara que uma ação tomada por ele no governo violou a Constituição. Mas a jornada de Clinton da sanção da Lei de Defesa do Casamento até o seu repúdio espelha as mudanças maiores na sociedade, à medida que o casamento de mesmo sexo passou de uma ideia marginal a contar com o apoio da maioria.


"O presidente Clinton evoluiu neste assunto assim como quase todos os americanos", disse Chad Griffin, que trabalhou como assessor de imprensa na Casa Branca de Clinton e agora lidera a Campanha de Direitos Humanos, a mais proeminente organização de direitos dos gays do país.


Mas nem todo americano evoluiu da mesma forma que Clinton. Uma proporção considerável de americanos ainda é contrária ao casamento de mesmo sexo, e para eles a mudança de posição de Clinton é uma espécie de traição. Mas nem defensores e nem oponentes a consideram totalmente surpreendente, já que ambos os lados sabiam que o ex-presidente sancionou a lei por razões políticas, não por princípio.
Clinton foi o primeiro presidente a cortejar abertamente os americanos gays. Ele se conheceu um homem assumidamente gay pela primeira vez em Oxford, em 1968, quando um estudioso de Rhodes, Paul Parish, revelou ser gay. "Ele sempre teve amigos gays", lembrou Parish na semana passada. "Ele sempre quis fazer o certo para os gays."

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Como candidato presidencial em 1991, Clinton voou para a Califórnia para uma reunião arranjada pelo estrategista político David Mixner e outros defensores dos direitos dos gays. "Eles estavam bastante céticos em relação ao governador do Arkansas, como é possível imaginar", lembrou Mickey Kantor, o diretor de campanha de Clinton na época. Mas após duas horas e meia, Kantor disse que Clinton os conquistou com "sua empatia, sua conexão emocional".


Ele tropeçou no início de sua presidência ao subestimar a oposição à abertura das forças armadas aos gays e lésbicas, aceitando a concessão da postura "não pergunte, não diga", que exigia que mantivessem sua orientação sexual em segredo. Assim, quando os republicanos propuseram a Lei de Defesa do Casamento em um ano eleitoral, Clinton optou por não se queimar de novo.


Franceses protestam contra o casamento gay

24.mar.2013 - Protestos reuniram uma multidão nas ruas de Paris, neste domingo (24). Os manifestantes são contrários ao projeto de lei que autoriza o casamento gay e a adoção de crianças por casais do mesmo sexo na França. O projeto deve ser votado no Senado em abril. Outra manifestação contra a lei foi realizada na cidade em janeiro deste ano

O projeto de lei foi aprovado com grande margem de votos, o suficiente para derrubar um veto. Ele esperava evitar chamar atenção para a ela ao sancioná-la depois da meia-noite. Mike McCurry, o secretário de imprensa, recebeu um telefonema em casa perguntando se deviam esperar até a manhã para anunciá-la. "Sua postura foi claramente motivada pelas realidades políticas de um ano eleitoral em 1996", lembrou McCurry.


Alguns defensores dos gays ficaram ultrajados. Mixner, já alienado devido à concessão às forças armadas, se recusou a participar da convenção democrata depois que Clinton deixou claro que sancionaria a lei. "Ele fez um cálculo político que foi um cálculo imoral", lembrou Mixner.


O cisma ampliou quando a campanha de Clinton veiculou propagandas na rádio cristã em 15 Estados, alardeando que ele tinha sancionado a Lei de Defesa do Casamento. Mas a maioria dos eleitores gays mesmo assim votou nele, segundo as pesquisas. Seu apoio pela lei de não discriminação no emprego, os fundos para Aids e a remoção dos limites às liberações de segurança aos civis gays superavam o que na época mais parecia uma questão teórica.


"As pessoas gritaram o mais alto possível dentro e fora do prédio até o minuto em que ele a sancionou, e então ele o fez e o todo mundo passou a cuidar de outros assuntos", disse Richard Socarides, o então consultor da Casa Branca de Clinton para assuntos de gays e lésbicas.


Em seu segundo mandato, Clinton foi o primeiro presidente a tratar da Campanha de Direitos Humanos e ele indicou James Hormel como o primeiro embaixador assumidamente gay. "Ele realmente me apoiou em um momento em que realmente não precisava", disse Hormel na semana passada.


Mas Clinton não recuou na lei do casamento. No final de 2004, quando 11 Estados colocaram em votação medidas contra o casamento de mesmo sexo, Clinton aconselhou de modo privado John Kerry a endossar a proibição constitucional, segundo a história da campanha da "Newsweek". Matt McKenna, o porta-voz de Clinton, disse que esse relato é "completamente falso".


Com o passar do tempo, entretanto, Clinton ouviu repetidas vezes seus amigos gays. "Nas minhas conversas com ele, ele se mostrou pessoalmente embaraçado e arrependido", disse Hilary Rosen, uma antiga estrategista democrata. "Ele fica incomodado por algo pelo qual ele foi responsável tenha causado tanta dor para tantas pessoas com as quais ele genuinamente se importa."
Em 2009, os tempos mudaram, assim como as pesquisas. Após um discurso, Clinton disse que tinha mudado de opinião. Ele chamou Socarides naquela tarde. "Eu acho que preciso sair em defesa do casamento de mesmo sexo", disse Clinton.


Quando poucos notavam, Socarides encontrou outra forma de chamar atenção para isso, sugerindo a Anderson Cooper da "CNN" que perguntasse a respeito durante uma entrevista que seria feita. Então, sem mencionar seu próprio papel, Socarides enviou um e-mail para um importante assessor de Clinton sugerindo que ele assegurasse que o ex-presidente estivesse pronto para falar a respeito do casamento de mesmo sexo, porque Anderson poderia perguntar.


"Eu percebi que tenho mais de 60 anos", disse Clinton para Cooper. "Eu cresci em um tempo diferente. Eu estava nervoso com a palavra. E eu tinha todos esses amigos gays. Eu tinha todos esses casais gays amigos. E eu estava ansioso a respeito. E então percebi que estava errado."


União de 16 casais gays é oficializada em Campinas (SP)

A Prefeitura de Campinas realizou na tarde desta quinta-feira (21) o primeiro casamento comunitário gay do município. A união de 16 casais do mesmo sexo --dois de homens, 12 de mulheres e dois de transexuais-- foi formalizada pela juíza de paz Aline Priego, no 3º Cartório de Registro Civil 
Dois anos depois, ele endossou a legislação em Nova York legalizando o casamento de mesmo sexo e no ano passado gravou uma mensagem por telefone pedindo aos eleitores da Carolina do Norte que rejeitassem a medida em votação proibindo essas uniões. Mas com a Suprema Corte agora julgando uma contestação da Lei de Defesa do Casamento, ele concluiu que finalmente precisava se manifestar a respeito da lei que ajudou a aprovar.


Apesar de ter se recusado a participar de uma opinião anexada aos autos do processo apresentada por ex-senadores, Clinton escreveu a mão um artigo de opinião ao "The Washington Post". Ele disse que sancionou a lei para evitar um resultado pior, uma emenda constitucional proibindo o casamento de mesmo sexo, mas percebeu agora que "a lei em si é discriminatória" e "deveria ser derrubada".


Para os defensores da lei, a nova posição de Clinton parece tão oportunista quanto a sua posição original do outro lado. Suas "mudanças de posição são o motivo para termos um Judiciário independente", disse John Eastman, presidente da Organização Nacional pelo Casamento, que é contrária ao casamento de mesmo sexo. "A Constituição não foi feita para mudar de acordo com os ventos políticos do momento."


Para alguns defensores dos gays, a declaração foi inadequada. "Eu gostaria que ele dissesse que sempre foi errada e, mesmo que tenha sido forçado a fazer um cálculo político, que estava profundamente arrependido por ela ter se tornado lei", disse Elizabeth Birch, que liderava a Campanha de Direitos Humanos em 1996.
Mixner concordou, mas disse que a mudança basta. "O propósito de um movimento é mudar mentes, e não de um modo stalinista punir aqueles que não são ideologicamente puros", ele disse. "Nós criamos um local seguro onde ele pôde mudar de ideia."


Tradutor: George El Khouri Andolfato

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