quarta-feira, 13 de março de 2013

Editoriais FolhaSP


Dieta sem miséria
Os R$ 70 da linha oficial de pobreza extrema são insuficientes até para custear alimentação básica e necessitam ser corrigidos
A luta contra a pobreza extrema é uma bandeira que não se abandona com facilidade. Pode-se mesmo dizer que ela se tornou suprapartidária, embora identificada de imediato com o PT: todos se sentem moralmente impedidos, hoje em dia, de criticar políticas assistenciais voltadas para a parcela miserável da população.
Soa atraente, nesse contexto, o slogan "O fim da miséria é apenas um começo", lançado recentemente pela presidente Dilma Rousseff. Como peça publicitária, sobretudo em face de sua mais que provável candidatura à reeleição, a frase tem seus méritos. Como descrição da realidade, porém, esbarra no truque propagandístico e presta um desserviço ao país.
A campanha do governo federal afirma que, em dois anos, 22 milhões de brasileiros galgaram a linha da miséria. Segundo a publicidade oficial, todos os beneficiários do Bolsa Família deixaram a pobreza extrema. Restaria, agora, identificar alguns milhares de miseráveis não cadastrados para erradicar essa chaga social.
Oculto nas entrelinhas da planilha governista está o fato de que o critério de miséria adotado pelo Brasil em 2011 -R$ 70 de renda mensal familiar per capita- é ultrapassado e insuficiente.
Ultrapassado porque, há pelo menos duas décadas, especialistas têm afirmado que a dimensão monetária não pode ser a única variável no cálculo da pobreza. Equações mais modernas computam diversos outros indicadores, como saúde, educação, saneamento básico e moradia.
Insuficiente porque, como demonstrou reportagem desta Folha, R$ 70 não bastam nem para comprar os alimentos mais baratos da dieta mínima recomendada pelo próprio governo.
As porções recomendadas pelo Ministério da Saúde não saem por menos de R$ 103 mensais (a desoneração da cesta básica pouco mudará aí, pois parte do itens já estava livre de impostos). Para alcançar tal preço -quase 50% acima da linha de miséria oficial-, seria preciso ingerir, todos os dias, os mesmos itens. Uma alimentação balanceada custaria ainda mais.
Mesmo que não exista consenso sobre a melhor forma de medir a pobreza, há pouca divergência quanto à importância de qualquer métrica levar em conta, no mínimo, a capacidade de garantir o consumo alimentar básico.
A conclusão é inescapável: o valor estabelecido pelo governo Dilma é baixo e precisa ser atualizado. Presta-se antes ao ilusionismo que ao efetivo combate à indigência. Decretar que deixou de ser miserável um grupo que mal pode alimentar-se é apenas uma forma de mantê-lo exatamente como está.

    EDITORIAIS
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    Malvinas britânicas
    Por 99,8% dos votos -três sufrágios em mais de 1.500- os habitantes das ilhas Malvinas decidiram continuar cidadãos do Reino Unido, que as chama de Falklands.
    O referendo é uma derrota constrangedora para o governo argentino, que, sobretudo quando a economia vai mal, eleva o tom da compreensível reivindicação por soberania sobre o arquipélago, situado a 500 km de sua costa (não muito mais que Fernando de Noronha dista do Brasil, 350 km).
    É, porém, um pleito difícil de sustentar nos dias de hoje, em que o direito internacional se funda mais na perspectiva de populações do que no histórico, real ou imaginário, de posse territorial. Em especial para um governo que se diz popular, como o de Cristina Kirchner, não é trivial ir contra o princípio da autodeterminação dos povos.
    Parece improvável, porém, que o resultado arrefeça as pretensões argentinas. Autoridades platinas classificaram a consulta como ilegal e não reconhecem os "kelpers", como são chamados os ilhéus, como parte legítima da disputa.
    O problema de fundo é o nacionalismo, que faz preponderarem as reações emocionais. No conflito de 1982, generais argentinos tentavam dar sobrevida à sua ditadura insuflando uma causa comum para unir o país. Sob esse ângulo estreito, deu certo. Até a esquerda, massacrada sob os militares, apoiou a trágica aventura.
    Ninguém esperava que os britânicos, sob o comando de Margaret Thatcher, também fossem suscetíveis ao vírus do nacionalismo e reagissem militarmente para preservar algumas ilhas, então sem maior valor econômico ou estratégico.
    A esquadra real não teve grande dificuldade para derrotar os argentinos. O preço, entretanto, foi alto. Após 74 dias de combates, haviam morrido 649 militares argentinos, 255 britânicos e 3 "kelpers".
    O custo econômico revela toda a irracionalidade dessa guerra: para resgatar o orgulho nacional, Thatcher gastou estimado 1 bilhão de libras esterlinas. Nas contas do economista Robert Frank, isso daria para presentear cada "kelper" com uma herdade na Escócia e generosa pensão vitalícia.
    Felizmente, hoje é muito remota a probabilidade de que uma guerra dessas se repita ali. Mas a região estaria mais segura se todos se dobrassem aos imperativos de realidade e ao princípio da autodeterminação dos povos e trocassem a retórica agressiva por bom-senso e negociações pragmáticas.
    Se for verdade que existe petróleo na região, faz mais sentido buscar um acordo econômico que possibilite ganhos para os dois lados.
      folha de são paulo

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