quarta-feira, 13 de março de 2013

Pagode russo - Lucas Nobile

folha de são paulo

Com mistura de gerações e parceiros com ascendência na Europa Oriental, compositor Cacá Machado lança "Eslavosamba", seu primeiro disco autoral
LUCAS NOBILEDE SÃO PAULOContradizendo a primeira parte do verso composto por Nelson Sargento em 1978, a máxima de que "o samba agoniza mas não morre", o gênero bebe em diferentes fontes, renova-se constantemente e dá provas de estar longe de respirar por aparelhos.
A alquimia da vez é apresentada agora pelo compositor e violonista paulistano Cacá Machado, 40.
Depois de longa vida no meio acadêmico, de trabalhar em instituições como Funarte e Auditório Ibirapuera, de compor trilhas para teatro e televisão, de escrever a biografia de Ernesto Nazareth e de viver Noel Rosa em um curta-metragem, ele lança na próxima segunda-feira seu primeiro disco autoral.
Com extenso trabalho de pesquisa, Machado foi buscar na Europa Oriental a base conceitual para subverter o gênero musical brasileiro mais conhecido fora do país. O resultado ele decidiu batizar de "Eslavosamba".
A brincadeira foi inspirada nos afro-sambas de Vinicius de Moraes e Baden Powell. A diferença é que o compositor paulistano reconhecia suas origens, "uma classe média intelectualizada", e se viu envolto por vários parceiros de origem eslava.
Na mesma geração de Machado estavam o poeta russo Vadim Nikitin e o arquiteto de origem polonesa Guilherme Wisnik, curador da próxima Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo.
No disco, cada um deles assina duas parcerias com o violonista e cantor.
Cacá Machado fechou o núcleo europeu do álbum com parcerias com o artista plástico e compositor Eduardo Climachauska, de origem lituana, com o diretor artístico da Osesp, Arthur Nestrovski, de família russa, e com os "polacos" André Stolarski e Zé Miguel Wisnik.
SAMBA BRANCO
"Gosto da ideia de que todos somos 'escravos do samba', resgatando a origem etimológica da palavra eslavo, que é escravo. Também gosto de pensar que os eslavos estão associados à periferia da Europa 'civilizada', assim como o Brasil", diz Machado.
"É um samba branco, mas não confundir com samba de branco, no sentido pejorativo, sem suingue, aquele samba de elite. Não queria fazer um disco que eu chamo de 'MPB mão mole'. 'Eslavosamba' não é samba de raiz. Quem gosta de raiz é mandioca", completa o compositor.
Na tentativa de evitar que seu disco de samba ficasse hermético, sofisticado e com cara de sala de concerto -e corria esse risco pelas parcerias com nomes como Zé Miguel Wisnik, Nestrovski e Celso Sim-, Machado foi atrás de músicos que injetassem uma dose de "rua" nas 13 faixas de "Eslavosamba".
Sendo assim, convocou expoentes da música contemporânea paulistana como Kiko Dinucci, Romulo Fróes, Rodrigo Campos, Meno Del Picchia e o baterista e produtor Guilherme Kastrup.
"Eu tinha medo, com essa trajetória de vida que eu tenho, de fazer um disco tradicionalista. Essa turma trouxe uma energia contemporânea", diz o autor do álbum.
ABRAÇO DE GERAÇÕES
O frescor de "Eslavosamba" não foi encontrado apenas pelo jeito moderno de Dinucci, Fróes e Campos pensarem e fazerem música.
Aflorou também no canto de Juçara Marçal (que divide a desconstruída "Valsa Lunar" com Arrigo Barnabé) e de Marcia Castro (que interpreta um dos destaques do disco, "Divino Flerte"), duas das mais belas vozes da atualidade.
Mais do que isso, Machado buscou um equilíbrio para o disco por meio de um abraço de diferentes gerações.
Neste sentido, os mais novos encontraram-se com nomes como Elza Soares, Ná Ozzetti e os instrumentistas Swami Jr. e Zeca Assumpção, entre outros.
Ouça em primeira mão a faixa "Divino Flerte"
folha.com/no1244804


CRÍTICA SAMBA
Estreia leva toque conceitual ao imaginário do samba
RONALDO EVANGELISTACOLABORAÇÃO PARA A FOLHAO imaginário sambístico é tão amplo e elástico quanto nós quisermos dele. Entre músicas cantadas em primeira pessoa e composições construídas sobre observações, metassambas e não-sambas, o ritmo, com sua história e tudo que ele sugere, é base fundamental da música brasileira há pelo menos um século.
O primeiro álbum autoral do historiador e músico Cacá Machado já insere no título o seu próprio toque conceitual, assumindo relações e somando diversas participações para construir um universo tão dentro das tradições musicais quanto disposto a reinventá-las.
Entre rua e academia, familiaridade e estranhamento, o álbum traz texturas, poesias, comentários e climas de colorido sépia: samba bem informado, intelecto em busca do instinto, música do corpo a serviço do cérebro.
Unindo figuras como Ná Ozzetti, Arrigo Barnabé, José Miguel Wisnik e Arthur Nestrovski a nomes como Romulo Fróes, Marcia Castro, Rodrigo Campos e Kiko Dinucci, o disco também funciona como retrato de pelo menos duas gerações de certa música feita em São Paulo.
Não à toa é grande a proximidade com o trabalho dos citados, cruzando bons momentos poéticos e achados rítmicos, em busca das magias nucleares que formam uma canção, com leves momentos quase pop, como em "Quero Mais" e "Divino Flerte".
Com produção de Gui Kastrup e direção artística de Fróes, em parceria com Machado, o álbum tem como base Kastrup (bateria), Meno Del Picchia (baixo), Rodrigo Campos (cavaquinho), Kiko Dinucci (guitarra) e Machado (violão), com algumas variações e participações.
ESLAVOSAMBA
ARTISTA Cacá Machado
GRAVADORA YB Music/Circus
QUANTO R$ 25, em média (download gratuito no site www.cacamachado.net)
AVALIAÇÃO bom

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