domingo, 10 de março de 2013

Gleisi Hoffmann e Antonio Anastasia no Tendências/Debates

folha de são paulo

GLEISI HOFFMANN
TENDÊNCIAS/DEBATES
Brasil: a hora da competitividade
Até 2015, a capacidade instalada dos portos organizados brasileiros estará esgotada. É preciso autorizar novos terminais
A medida provisória 595, que altera regras de exploração dos portos, não trata de privatização por uma razão simples: a operação do sistema portuário no Brasil já é privada. O objetivo da medida é melhorar a competitividade do setor, levando em conta a necessidade de aumentar o desenvolvimento do país.
Não se deve analisar a medida de forma isolada. Na verdade, estamos em meio a uma nova trajetória de transformação, que implica investimentos públicos e privados em gargalos logísticos de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos.
Nossos produtos podem e devem custar menos. Assim como nossos portos e aeroportos podem e devem ser comparáveis aos melhores do mundo. Para isso, é necessário quebrar reservas de mercado que não se justificam no mercado global.
Superar as deficiências da estrutura logística e aumentar nossas exportações são tarefas essenciais para responder às dificuldades do presente e encarar com esperança os desafios do futuro.
Exemplo dessa necessidade ocorre com a produção de milho destinada ao mercado externo. No ano passado, exportamos 22 milhões de toneladas do produto. Conseguimos esse ótimo resultado porque os Estados Unidos tiveram dificuldades com a safra e alguns países, principalmente a China, buscaram milho no Brasil, mesmo pagando quase três vezes mais a tonelada movimentada no sistema portuário.
Neste ano, a safra dos norte-americanos deverá ser melhor e a grande compra de milho deve acontecer lá, mas estamos dispostos a lutar para reverter a situação. Afinal, a conquista de mercado para nossos produtos é questão de Estado.
A demanda por novas fronteiras produtivas se estabelecendo em regiões diferenciadas do Brasil exige que o governo tenha linhas estratégicas de orientação e prioridades. Não podemos deixar de dar suporte para nossa crescente e pujante produção agrícola, nossa produção mineral e industrial.
Hoje, a capacidade instalada dos portos organizados brasileiros é de cerca de 370 milhões de toneladas. Até 2015, quando se projeta movimentação de 373 milhões de toneladas, essa capacidade estará completamente esgotada.
Santos e Paranaguá já operam acima de suas capacidades, o que explica a demora nas operações de embarque e desembarque.
É nesse contexto que a medida provisória 595 faz todo o sentido. A autorização para que novos terminais portuários sejam instalados, feita de acordo com as regras constitucionais e as leis trabalhistas, é uma forma de atender a demanda da produção, provocar competição, reduzir custos e tentar garantir a melhoria nos serviços, em benefício de todos.
Para diminuir a burocracia, haverá a implantação da Comissão Nacional das Autoridades nos Portos (Conaportos), que integrará e disciplinará a atuação dos órgãos públicos. E, para maior movimentação com menor tarifa, reduzindo o custo dos operadores, será mudado o critério de outorga para arrendamento dos terminais do porto organizado.
Na ampliação da infraestrutura e na modernização da gestão portuária, o governo decidiu investir R$ 6,4 bilhões nos portos públicos nos próximos anos. Serão R$ 2,6 bilhões em acessos terrestres e R$ 3,8 bilhões em dragagens. Haverá mais empregos e todos os direitos dos trabalhadores estão preservados. Sem qualquer alteração na legislação trabalhista em vigor.
Os portos contribuíram para nosso desenvolvimento e podem contribuir ainda mais. Em quase 20 anos de vigência da atual Lei dos Portos, os terminais públicos e privados conviveram e ambos cresceram. Aliás, a convivência entre portos organizados e terminais de uso privado, além de normal, é necessária e deve continuar.
Ao definir, de forma democrática, os parâmetros de um novo sistema portuário para melhorar a logística por meio da competitividade, quebrando barreiras e reservas de mercado, o governo, além de agir de forma acertada, faz mais que o dever de casa.
Na verdade, o governo está fazendo a projeção do futuro e apostando em um novo salto de desenvolvimento, que, seguramente, estará ao alcance dos brasileiros com o apoio do Congresso. Não é por acaso que o Brasil é um dos poucos países do mundo onde a democracia e o pluralismo se realizam todos os dias.



ANTONIO ANASTASIA
TENDÊNCIAS/DEBATES
É preciso restaurar a Federação
O atual pacto federativo sufoca os Estados e tem concentrado a arrecadação tributária na esfera federal. Não há como adiar: estamos em risco de colapso
A apenas quatro meses de findar o prazo dado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para o Legislativo reexaminar a partilha dos recursos que a União deve destinar à Federação -por meio do Fundo de Participação dos Estados (FPE)-, os 27 governadores estão sendo chamados ao Congresso.
A intenção é discutir, nos próximos dias, não só um acordo para o FPE, mas também as bases de um novo -e mais do que urgente- pacto federativo. Além do FPE, estão na pauta, entre outros, o fim da guerra fiscal, que passa pela unificação do ICMS, e a renegociação da dívida dos Estados.
Esses pontos já estão detalhados em três Propostas de Emenda à Constituição e quatro projetos de lei complementar entregues ao Senado, em outubro, por uma comissão que buscou soluções para resgatar a autonomia e a saúde financeira dos Estados. O assunto preocupa o próprio governo federal, que encaminhou ao Congresso a medida provisória 599/12, bem como proposta legislativa que altera aspectos relativos à dívida dos Estados.
É hora de as bancadas federais se mobilizarem em direção a um novo modelo federativo. Não apenas em decorrência da decisão do STF, que considerou inconstitucional os atuais critérios do FPE, mas devido ao fato de seus Estados natais estarem sufocados pela absoluta atonia da Federação. Não há mais como postergar: estamos em risco de colapso federativo.
Vamos começar pelo FPE, composto por percentuais do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
Desde 2009, com a crise internacional, a arrecadação vem caindo e, com isso, os repasses para os Estados. Para tentar manter a economia aquecida, o governo federal isentou vários setores de impostos. Em 2012, as desonerações, com destaque para o IPI, chegaram a R$ 45 bilhões -quase o valor total do FPE de 2011, que somou R$ 48 bilhões. As previsões de renúncia fiscal para 2013 se mantêm nesse patamar.
Por outro lado, a União tem preservado a receita das contribuições sociais, que não são divididas com os Estados. Isso impõe um quadro de concentração tributária na esfera federal, delineado há décadas e agravado pela Constituição de 1988.
Na prática, com as vinculações de receitas, os Estados são impedidos de aplicar seu Orçamento e de traduzir em políticas públicas peculiaridades e diferenças. A revisão do pacto federativo é fundamental para garantir, via descentralização, a qualidade e a eficiência dos serviços públicos -as quais perseguimos sem trégua há dez anos, ao implantar, em Minas Gerais, o choque de gestão.
Hoje, os governos estaduais acumulam aumento de despesa e perda de receita, de autonomia e de competência. E ainda têm com a União uma dívida monstruosa, antiga e interminável, que sufoca a atividade das administrações. Sem recursos, os gestores públicos se engalfinham numa disputa fiscal predatória.
É preciso restaurar a Federação e salvar os princípios republicanos que já permitiram aos Estados prover suas próprias despesas, com liberdade de legislação tributária, sem prejuízo da União. O espírito federativo de solidariedade, cooperação e harmonia deve ser o nosso guia nessa dura jornada em que o FPE é apenas o começo.

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