quinta-feira, 21 de março de 2013

O crooner do Brasil - EMÍLIO SANTIAGO‏

Morte cala um dos cantores mais importantes do país 


Carolina Braga e Eduardo Tristão Girão

Estado de Minas: 21/03/2013 

Morte cala um dos cantores mais importantes do país (Lívio Campos e Cris Costa/Divulgação)
Morte cala um dos cantores mais importantes do país

Calou-se a voz do Brasil. Com essas palavras, o compositor e produtor Roberto Menescal se despediu do cantor Emílio Santiago, que morreu ontem, aos 66 anos, no Rio de Janeiro, em decorrência de acidente vascular cerebral (AVC). O enterro será hoje, no Cemitério do Caju, na capital fluminense.

Com 33 discos lançados, Emílio era o crooner dos brasileiros. Seu repertório foi uma espécie de antologia do cancioneiro nacional. Gravou “do oito ao oitenta”, como bem definiu Menescal: de Ary Barroso, Ataulfo Alves e Lamartine Babo a Caetano Veloso, Chico Buarque, Tom Jobim, Vinicius de Moraes e Djavan, passando por Benito di Paula, Paula Toller e Herbert Vianna. Fez disco com o celebrado João Donato, destruiu corações ao interpretar versos de Cassiano e da dupla Erasmo e Roberto.

Emílio estourou com Aquarela brasileira, série de sete discos produzida por Menescal. Marcada por repertório eclético, vendeu 3 milhões de cópias de 1988 a 1995. Advogado para agradar à família, ele havia trocado a Constituição pelo microfone desde a década de 1970. Ex-crooner da banda de baile de Ed Lincoln, o cantor frequentava palcos chiques, FMs e churrascarias com seu repertório romântico embalado pelo aclamado vozeirão. Era uma espécie de sucessor de Cauby Peixoto no país das cantoras.

A oitentista Pelo amor de Deus (Paulo Debétio e Paulinho Resende) apenas abriu caminho para Saigon (Claudio Cartier, Paulo César Feital e Carlão), mais conhecida como “aquela música do Emílio Santiago”, e para Verdade chinesa (Gilson e Carlos Colla) – as joias mais populares de seu repertório.

“Com a partida do Emílio e do Pery Ribeiro, perdemos as duas vozes mais bonitas do país. Dizia para ele: agradeça a Deus todos os dias, porque essa voz que sai de dentro de você não tem preço”, lamentou a cantora Leny Andrade.

Roberto Menescal relembrou a surpresa ao ouvi-lo pela primeira vez, no programa de Flávio Cavalcanti: “Com aquele suingue e a voz maravilhosa, pensei: preciso deste cantor. Igual a Emílio, só Wilson Simonal”. Altos e baixos fizeram parte da carreira de 40 anos. “Muitas vezes ele me dizia: ‘Mas eu quero lançar as coisas?’. Eu respondia: ‘Deixa o Caetano Veloso lançar, depois você vai cantar melhor do que ele. Você é o grande intérprete”, contou Menescal.

Há poucas semanas, a dupla gravou Amanhecendo, antiga canção de Menescal. O lançamento estava marcado para o show em 6 de abril, no Rio de Janeiro. Só danço samba (2010), último disco de estúdio de Emílio, homenageava Ed Lincoln. Em 2012, chegou às lojas a versão ao vivo desse CD. O cantor planejava fazer álbum com o repertório de Tito Madi, autor de sucessos como Balanço Zona Sul.

Repercussão

“A MPB está de luto. Uma de suas maiores vozes se calou! Permanecerá eternamente em nossas vidas musicais e em nossos corações”
>> Rosa Passos, cantora e compositora

“Meu Deus, que pecado. O Emílio era uma pessoa da maior qualidade, um dos maiores cantores que já ouvi. Vou sentir muito a sua falta. Que descanse em paz”
>> Djavan, cantor e compositor

“Maior cantor do Brasil, Emílio Santiago partiu para o plano espiritual. É um gigante”
>> Ed Motta, cantor e compositor

DISCOGRAFIA

>> Só danço samba   Ao vivo (2012)
>> Só danço samba (2010)
>> De um jeito diferente (2007)
>> O melhor das Aquarelas Ao vivo (2005)
>> Emílio Santiago encontra João Donato (2003)
>> Um sorriso nos lábios (2001)
>> Bossa nova (2000)
>> Preciso dizer que te amo (1998)
>> Paixões do Brasil (1998)
>> Emílio Santiago (1997)
>> Dias de luna (1996)
>> Aquarelas álbum (1996)
>> Emílio Santiago (1996)
>> Perdido de amor (1995)
>> Aquarela brasileira 7 (1994)
>> Aquarela brasileira 6 (1993)
>> Aquarela brasileira 5 (1992)
>> Aquarela brasileira 4 (1991)
>> Aquarela brasileira 3 (1990)
>> Aquarela brasileira 2 (1989)
>> Aquarela brasileira (1988)
>> Tá na hora (1984)
>> Mais que um momento (1983)
>> Ensaios de amor (1982)
>> Amor de lua (1981)
>> Guerreiro coração (1980)
>> O canto crescente de Emílio Santiago (1979)
>> Emílio (1978)
>> Feito para ouvir (1977)
>> Brasileiríssimas (1976)
>> Emílio Santiago (1975)


Cantoras de luto 



Carolina Braga e Eduardo Tristão Girão

Nana Caymmi:
Nana Caymmi: "Foi-se a voz mais bonita do Brasil"


O silêncio de Emílio Santiago – “ave” quase rara no país das cantoras – deixou as colegas inconsoláveis. “Foi-se a voz mais bonita do Brasil. E não é de hoje que estamos perdendo, pois já se foram Wando e Pery Ribeiro. Emílio era uma pessoa jovial, alegre, feliz, que se achava um touro. Nunca o vi se queixar nem de gripe”, lamentou Nana Caymmi.

Inconsolável, Alcione declarou: “Como o Brasil vai poder viver sem essa voz? Como vou poder viver sem meu amigo? Emílio só cantou o amor e a beleza deste país”. Aclamado talento da nova geração, Maria Rita – filha de Elis Regina – escreveu no Twitter: “Bacanudos que não o conheciam, por favor, deem uma busca. Afinação e interpretação impecáveis, seus primeiros discos tinham gingado de dar orgulho. Mais um nome para o qual não devemos medir esforços: ele não pode ser esquecido”.

A cantora carioca Áurea Martins, de 69 anos, era velha amiga. Os dois se conheceram no extinto programa de calouros A grande chance, de Flávio Cavalcanti, nos anos 1970. O bom gosto de Emílio para montar repertório sempre a impressionou. “Tudo em que ele botava o dedo virava ouro. Todos os cantores brasileiros devem tê-lo como referência, ao lado de Wilson Simonal, Orlando Silva e Cauby Peixoto”, conclui.

Pura música

Walter Sebastião

Quem nunca assistiu a um show de Emílio Santiago não sabe o que perdeu. No palco, via-se um artista extremamente elegante. Simpático, mas contido em sua relação com a plateia, ele deixava a sensação de querer afastar da cena qualquer elemento extramusical. Totalmente concentrado, entregava-se à arte da voz. Cada palavra se transformava em pura – puríssima – música. Sua exuberante musicalidade chegava suavemente, assim como Nat King Cole.

Amadurecido e elaborado, o requinte das interpretações de Emílio ficava ainda mais evidente ao vivo. O cantor gravou os mestres da MPB, mas também composições banais. Encantar, sem afetações pretensamente “artísticas”, é mágica exclusiva dos grandes. A extensa discografia traduz um artista de horizontes amplos, embora seja conhecido apenas pelos hits.

O legado de Emílio Santiago levará tempo para ser valorizado em toda a sua extensão, elegância e generosidade. Mas é lição de canto moderno, popular. Brasileiro.

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