segunda-feira, 15 de abril de 2013

Bruno Covas e Ives Gandra no Tendências/Debates

folha de são paulo

BRUNO COVAS
TENDÊNCIAS/DEBATES
Política ambiental em risco
Sem recursos do petróleo, o Fundo Clima perde de R$ 250 milhões a R$ 700 milhões por ano. Fica difícil criar um mercado nacional de carbono
O Estado de São Paulo possui desde 2009 uma importante lei ambiental. Além de estabelecer uma meta de redução de emissões de dióxido de carbono, a Política Estadual de Mudanças Climáticas prevê instrumentos como o zoneamento ecológico econômico, a avaliação ambiental estratégica, os planos para transportes sustentáveis e ações para a adaptação aos eventos climáticos extremos.
Muitos dos encargos estaduais e municipais são conexos às mudanças climáticas: saúde pública, mobilidade urbana, defesa civil e proteção do ambiente. O governo do Estado tem feito grandes esforços para cumprir a lei, investindo pesadamente no metrô e fomentando a bioenergia, entre outras medidas.
Contudo, não devemos trabalhar sozinhos. O governo federal pode e deve agir. Enquanto nossas crônicas deficiências se perpetuam por subsídios a combustíveis fósseis e ao rodoviarismo ineficiente, sem que se enxergue o quadro mais amplo, muitos se rendem aos apelos sedutores dos programas assistencialistas.
Isso é reflexo do centralismo fiscal, que causa dependência financeira em relação à União. Esta já arrecada 70% dos tributos do país e vem retirando receita dos demais entes da Federação.
Recentemente, um duro golpe foi aplicado na política ambiental nacional: durante a tramitação no Congresso Nacional do projeto de lei nº 2.565/2011 e da medida provisória nº 592/2012, foram retirados os artigos que garantiriam recursos do petróleo para o Fundo Clima, com perdas da ordem de R$ 250 milhões a R$ 700 milhões por ano.
O fundo mal havia iniciado suas atividades em 2011, com recursos não reembolsáveis operados pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) e os reembolsáveis operados pelo BNDES. Ele recebia até 60% da participação especial que cabia ao MMA por conta da Lei do Petróleo.
Um novo projeto de lei (nº 2.565/2011) aprovado pelo Congresso reformulou a distribuição dos ganhos, colocando as questões climáticas em disputa com várias outras áreas, em uma lista indefinida que cobre de tudo. O Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas encaminhou uma moção à presidente, visando reestabelecer tais recursos ao fundo.
Sem recursos, fica difícil criar de fato um mercado nacional de carbono, não só com a oferta de créditos (florestais inclusive) mas também com fomento à demanda por esses créditos como estratégia de inovação e competitividade da economia.
Isso faz parte de uma estratégia ampla nacional, que envolveria uma série de medidas. Em primeiro lugar, o governo federal deveria desenvolver o Registro Público de Emissões dentro do Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente (Sinima), previsto há 30 anos pela Política Nacional do Meio Ambiente e que até agora não saiu do papel.
Em segundo lugar, a União deveria harmonizar as leis climáticas do país, propondo metas convergentes para os entes da Federação que sejam mensuráveis, reportáveis, verificáveis, absolutas (sem truques numéricos baseados em cenários futuros incertos) e setoriais (por melhores tecnologias). Compatíveis com o desenvolvimento do país, essas metas estimulariam a competitividade e a inovação, com base na eficiência e no desenvolvimento das fontes renováveis de energia.
Leis harmônicas devem conter efetivos mecanismos de proteção de nossos biomas. Devem prover meios de incorporar externalidades e cobenefícios --como as melhorias da mobilidade e da qualidade do ar-- por meio de combustíveis mais limpos, melhores tecnologias e enfoques sistêmicos urbanos.


IVES GANDRA DA SILVA MARTINS
TENDÊNCIAS/DEBATES
Pela permanência da Justiça Militar
Seria um desserviço a extinção da corte que há 205 anos cumpre sua missão no exame de infrações e delitos contra as Forças Armadas
Há ainda de forma incipiente uma clara campanha, algumas vezes veiculada pela imprensa, para a eliminação da Justiça Militar da União, sob a alegação de que a Justiça comum poderia tratar de seus jurisdicionados com a mesma eficiência. Alicerça-se em uma boa dose de desconhecimento.
Criado o Conselho Supremo Militar e de Justiça por alvará de dom João 6º, em 1º de abril de 1808, completa a Justiça Militar no Brasil neste ano seu ducentésimo quinto aniversário. João Barbalho, em "Constituição Federal Brasileira - Comentários", em 1924, ao justificar sua existência, afirma que a infração do dever militar "por ninguém pode ser melhor apreciada que por militares mesmo".
É que, em qualquer país democrático e civilizado, as Forças Armadas têm a função de preservar a nação do inimigo externo, assim como a ordem e a lei, internamente, sempre que sua violação venha desestabilizar as instituições. É, de rigor, o que está escrito no artigo 142 da Constituição Federal.
A hierarquia e a disciplina são os fundamentos das Forças Armadas brasileiras, com minucioso elenco de obrigações na lei suprema, as quais diferem daquelas do poder civil.
Desde a sua criação, a Justiça Militar existe para julgar, exclusivamente, as infrações militares, razão pela qual, na composição do Superior Tribunal Militar, dos 15 ministros, 10 procedem da carreira militar, entre oficiais das três armas de mais alta patente (4 estrelas), e 5 são reconhecidos juristas, indicados pela presidência e aprovados pelo Senado Federal.
A predominância de oficiais de longa carreira decorre de terem vivido mais intensamente as exigências próprias do estatuto militar.
Hoje, no Brasil, as Forças Armadas são compostas de aproximadamente 330 mil cidadãos, sendo que 220 mil estão no Exército, 55 mil na Aeronáutica e 55 mil na Marinha. São, pois, os jurisdicionados da Justiça Militar da União.
Evaristo de Moraes Filho afirmou certa vez que o "o milagre brasileiro foi a Justiça Militar, porque ela funciona" e Sobral Pinto declarou: "Eu tenho confiança na Justiça Militar". Técio Lins e Silva, no livro "Os Advogados e a Ditadura de 1964", escreve, ao citar os depoimentos acima, que "a Justiça Militar ajudou a salvar muitas vidas".
Quando da prisão, em 1970, do advogado Heleno Cláudio Fragoso, o Tribunal Militar ameaçou parar se ele não fosse solto.
Num curto artigo, é difícil enumerar o que tem a Justiça Militar feito de positivo, nestes 205 anos de existência. Pessoalmente, apesar de não atuar junto a Suprema Corte Militar, estou convencido de que uma Justiça especializada para as Forças Armadas é uma necessidade que, de resto, os países civilizados reconhecem, ostentando-a entre suas cortes, alguns inclusive, intitulando-as de Cortes Marciais.
É, pois, a Justiça Militar a mais antiga do país. Sempre teve preocupação e respeito pelos direitos humanos, até por força da Convenção de Genebra e do Direito Humanitário, este para tempo de guerra. A utilização de habeas corpus e mandado de segurança é nela habitual.
A própria crítica de que são os poucos os processos que o Superior Tribunal Militar tem a julgar, não procede, lembrando-se que julga, anualmente, pelo menos o dobro de processos julgados pela Suprema Corte dos Estados Unidos.
Entendo que seria um desserviço à Justiça brasileira a extinção da Justiça Militar, que há 205 anos cumpre sua missão no exame de infrações e delitos contra as Forças Armadas, cuja estrutura difere profundamente das organizações públicas e privadas da sociedade brasileira.

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